O Fluminense que eles viveram (por Paulo-Roberto Andel)

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Três camaradas à mesa em uma bela padaria das Laranjeiras rindo, falando alto, baixo, o neném do casal ao lado ri com sua banguelinha, a tristeza infelizmente mora nos olhinhos do garoto sentado ao pé da árvore, segurando uma caixa de Hall’s para vender.

CONVERSANDO sobre o futebol de antigamente, aquele das gerais, dos bonecos assassinados, das dancinhas na chuva. Alguma história de Manga, o legendário goleiro. Paulo Cézar Caju. A terceira divisão. Aquele jogo contra o Coritiba em 1984, ida em 2 a 2 e volta em 5 a 0. Jairão era o goleiro deles. O freguês de boa cepa quitando cem reais no caixa do estabelecimento quando alguém cochicha:

– Isso tá me cheirando a Fluminense!

Lembrei de uma crônica do querido Ivan Lessa sobre Copacabana. Veio bem a calhar.

Tudo bem distante dos boquirrotos deslumbrados de ocasião.

Que tal os tempos de Juanito, cracão do Real Madrid? Ou da elegância sutil de alguns dos nossos melhores jogadores, dirigentes, treinadores e torcedores do nosso Fluminense.

Aquele outro Maracanã de salas com bumbos, bandeiras, sambas de oração e turbilhões de gentes a cantar, ainda que o velho cordão de isolamento às vezes apertasse para o nosso lado até atrás do gol. A maldita Revista do Rádio!

– Muitas coisas aconteciam antes de se abrir os portões!

O Fluminense das fantásticas preliminares, dos garotos que quebravam o nariz para salvar uma bandeira enquanto o Careca, venerável e fidedigno Careca, sequer usava o pó de arroz que o consagraria mais tarde: corria feito um louco a cada ataque do Tricolor, como se pudesse receber a bola na arquibancada, cruzá-la e colaborar para um grande gol.

Ah, o presidente (de verdade) adentrando o meio da torcida e sendo saudado como um herói imortal. Bem diferente dos peitudinhos-de-pombo descartáveis.

Onde mora a saudade que não em nossos corações sofridos e desejosos dos melhores anos de nossas vidas? Mesmo com os erros, ora.

Sonhar com um craque e Castro no gramado para treinar. O goleiro adoeceu? Vá de Aílton Cruz mesmo – céus!

A turma do cochicho no caixa continuou espiando a mesa cheia de copos de mate, suco de laranja e outrem.

Política de hoje em dia? Naturalmente, mas longe de ser o foco principal. Afinal, quem é ruim morre sozinho, não numa conversa de arquibancada – na padaria – cheia de vida, lembranças e ambicionando grandes atos futuros.

Rivellino foi o maior de todos.

E a vida? Rios assassinados, camponeses sedentos a receber água com querosene, um mundo de sangue e covardia de Paris a Beirute, Londres a San Jose, o Rio de Janeiro com a miséria de suas balas perdidas e tribunais de exceção.

Antes de se despedir, os amigos prosearam sobre a Bahia de ACM, o Maranhão de Sir Ney, um retrato de Lysâneas Maciel. E a versão para “Erva venenosa”, ela mesmo uma versão também?

Nos abraços de despedida, alguém agradeceu pela oportunidade. Nada de politicagem barata, oportunismo empregatício, sede de poder oca, culto à personalidade, nada disso. Apenas o abraço de colegas que se admiravam à distância respeitosa desde os tempos do Montanaro – e do Lela no gramado. Jogos em Laranjeiras nas tardes de quarta-feira. Greve de torcida no Maracanã de um samba só. A vista admirável dos personagens da geral.

Só então o pessoal do caixa finalmente entendeu: eram três homens recordando as alegrias e os dissabores do Fluminense que eles viveram. Nenhum motivo para fofoca barata.

O resto é futuro.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

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