Fluminense: a crônica de um fracasso anunciado (por Paulo-Roberto Andel)

Meu amigo, meu irmão.

Eu não sei onde isso vai dar logo mais.

Se prevalecesse a lógica, ficaríamos conformados em ver a eliminação do Fluminense para um adversário fraco, tal como tem acontecido muitas vezes, ano passado inclusive.

Não consigo parar de pensar nesse jogo há dias, inclusive pelo paradoxo de termos chegado a grandes posições na Libertadores e na Copa do Brasil com atuações esdrúxulas que, na frieza dos números, foram transformadas em eficiência.

A verdade é que a Libertadores nos atordoa por ser o único título que ainda não temos nas Laranjeiras, mas hoje em dia um time brasileiro com mínima competência tem obrigação de chegar à fase final. Foi o nosso caso: nos equilibramos contra dois times colombianos medíocres e conseguimos a façanha de vencer o River Plate no Monumental, um resultado histórico mas também explicado pelos 15 jogadores argentinos voltando de Covid.

Fico pensando se essa tal eficiência mal ajambrada do Fluminense não lembra 2007. Será que tem a ver? O time era limitado, os dirigentes… O treinador era um fanfarrão mas ainda ia melhorar muito. Trocamos de comando em pleno voo. Perdemos para o America de Natal no Maracanã e não fomos eliminados por um gol. E aí revertemos quatro vantagens de mando de campo e ganhamos um título inesquecível, o único que me lembro de termos decidido no começo do jogo e não no fim.

Tou pensando nos versos de Chico Buarque: “Minha cabeça rolando no Maracanã”. Agora estamos longe, não tem arquibancada, não podemos nos encontrar lá. O que vai ser da gente.

O Barcelona de Guaiaquil é fraco. Sua defesa é ruim.

E se a gente passa? Vamos encarar o grande rival com um time dez vezes melhor do que o nosso, apto a nos dar dois nocautes estilo Mike Tyson 1990, com um treinador cinco vezes melhor do que o nosso. Preocupa? Muito. Dá medo? De maneira alguma. Respeito, não medo.

História e camisa não ganham jogo. Eles têm nos batido nos últimos cinco anos. Ganharam um título no apito amigo e dois nos amassando feito paçoca. Todo ano a gente belisca e ganha uma partida. É pouco, queremos mais.

Será que tudo isso daqui a pouco foi um incrível roteiro do destino para que o Fluminense volte a ser o carrasco do Flamengo? É difícil dizer, há muitas variáveis em jogo. Antes de tudo, superar o Barcelona. Vamos ver no que dá.

Não jogamos nada há seis meses, salvo vírgulas. Nosso time é cheio de problemas e mal treinado. A diretoria parece o elenco do consagrado programa “Sai de baixo”. Nossa montagem beirou o amadorismo. Por isso mesmo, seguir em diante significa uma superação quase inacreditável e sinceramente improvável, só que não é impossível, mas apenas muito difícil.

Cá entre nós, já vivemos isso muitas vezes. É claro que nossas condições eram melhores, mas pensei bem e, diante de tudo que já vimos pessoalmente nos estádios, acho que podemos dar uma chance ao imponderável.

O que vocês acham disso?

[Nestes dias me deu um nervoso. Não sei se é por toda a conjuntura que estamos vivendo, as dores, a opressão, mas sei que também é por causa do Fluminense.

Não acho o nosso time a oitava maravilha do mundo, longe disso. Vejo várias carências e deficiências, a insistência débil em manter uma espinha de veteranos com garotos se esfalfando por eles. Contudo, desde a saída da Unimed, há quase sete anos, esse parece ser um dos melhores elencos que o Fluminense tem. Ao menos tem variedade de jogadores e possibilidades, que só não são exploradas porque Roger é desastroso como treinador. Uma pena. O herói de 2007 é o vilão de 2021.

Me deu nervoso. Não é comum. Por incrível que pareça, eu fiquei tranquilo em muitas decisões: 1984, 1995, 2005, 2012. Hoje não.

Parece que a Libertadores de verdade começa hoje. Um só jogo, a vitória é fundamental, tudo parece contra nós, se passarmos teremos uma pedreira pela frente.

Estou nervoso porque deve ser amor. Depois de tantos anos, eu ainda sinto aquela ansiedade quando o Fluminense estava prestes a subir a escada do vestiário, pisar no gramado do Maracanã e fazer explodir uma nuvem atômica de pó de arroz, que ficava muitos minutos no ar e deixava felizes todas as crianças do meu tempo, naqueles inesquecíveis degraus de concreto.

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Antes do jogo, vinte minutos de INXS ao vivo em Wembley no Canal Bis para relaxar.

A mistura de funk e rock deles, mais a atitude de Michael Hutchence eram avassaladoras. O INXS merecia ter ido muito mais longe. Michael se foi muito cedo.

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O jogo começa equilibrado em Guaiaquil. Ganso dá um ótimo passe sem finalização. E Luiz Henrique dá um chutaço pelo alto que, se fosse no antigo Maracanã, seria aquele UHHHHHHHHH de estádio abarrotado de gente do povo. Parece, só parece, que desta vez o Fluminense joga mais no campo adversário do que no próprio. Será que as coisas parecem minimamente melhores ou sou eu que quero enxergar assim?

Meia hora. Equilibrado. O Fluminense avança e incrivelmente mostra jogadas, mas não conclui. Outro problema é a velocidade de um time naturalmente cadenciado, acostumado a jogar recuado. O Barcelona não deu um chute.

[A propaganda da camisa do mandante equatoriano é do Banco Pichincha. Risos.

[Zé Elias Paulada, ex-volante e atual comentarista da Fox Sports, diz que o Barcelona parece tranquilo demais para um jogo desse porte.

Perto dos 40, Ganso quase fez um golaço de bicicleta, com o goleiro espalmando para corner. Depois da bicicleta, caiu em cima do pulso e saiu, entrando Cazares. Ganso estava bem, agora o cenário é outro. Samuel pega de voleio no canto direito, o goleiro põe para fora.

[O jovem Luiz Henrique é muito parecido com Marcelo Henrique, promessa tricolor dos anos 1980 que não vingou.

Acaba o primeiro tempo. Perto das atuações insossas dos últimos meses, o jogo foi até bom. O que nos falta é pegada, arranque, chegar perto da área e criar a jogada de conclusão. Talvez o pragmatismo dos placares eficientes tenha encoberto essa necessidade. Agora, se conseguir melhorar no ataque, é bem capaz do Fluminense passar e chegar à incrível semifinal contra o seu maior rival.

[Só falta ser 2 a 2 no segundo tempo e ir para a agonia secular dos pênaltis.

[Há muitos anos, treze, esse jogo era Fluminense e São Paulo. Meu pai morreu subitamente uma hora antes da partida que ele tanto queria ver. Foi um soco no meu queixo. Naquela noite, enquanto eu chorava desesperadamente, a nossa torcida comemorava uma das maiores vitórias tricolores de todos os tempos, tirando da reta um poderoso tricampeão mundial.

A dor pela morte de meu pai me congelou, e isso me impediu de ficar eternamente amargurado com a decisão da Libertadores de 2008. Fiquei naturalmente triste, mas sempre tive certeza de que o Fluminense chegaria ao topo da América.

Começa o segundo tempo e o Barcelona faz um cruzamento perigoso, mas seu próprio zagueiro ajuda o Fluminense e cabeceia para o além.

Para variar, Riveros fez pênalti em Fred e a arbitragem, sempre simpática aos times de língua espanhola, deu de ombros. Depois o próprio Fred deu uma cabeçada nota 5. O Barcelona começou a se assanhar, mas só aos dez minutos do segundo tempo Marcos Felipe precisou se atirar para fazer uma defesa tranquila, no canto direito.

Não parece que eles estejam engrenados para marcar gols. Por enquanto só depende de nós, temos pouco mais de meia hora.

[Não espero nada do treinador, da mesma maneira que não esperei nos últimos seis meses.

Ok, entrou Kayky, é uma esperança de aumentar a ofensividade. Só que sem Yago, machucado, o Fluminense perde força no combate.

Faltando vinte minutos, é matar ou morrer. Agredir. Partir para cima. Mas é a ilusão. Num contra-ataque bobo, Mastriani domina livre na marca do pênalti e faz 1 a 0 para o Barcelona. Perdido por um, perdido por mil. É melhor morrer atacando. Agora, vai ter gás para fazer dois gols? Vai ter mudança? Só de nomes. Sai Luiz Henrique, entra Abel Hernandez; sai Martinelli e entra Nenê. Sem crueldades, trocamos 40 anos por 70. Típico de um treinador com anemia conceitual.

Mastriani acerta o ângulo direito e Marcos Felipe faz um defesaço-aço-aço, irritando seus haters. Nenê já toma um cartão amarelo e André leva o outro. Cazares dá um chutaço mas o jogo já estava paralisado.

Hora dos balões, Luccas Claro cabeceia fraco, o goleiro do Barcelona defende com tranquilidade.

Quarenta minutos, Egídio mostra todo o seu ridículo ao sair com bola e tudo. Somos reféns do Cruzeiro rebaixado em 2019. A culpa não é do time celeste, mas de quem dirige o Fluminense.

Minutos finais. Balões. Chega a ser impressionante a incrível sina tricolor de piorar suas atuações no segundo tempo. Nenê sai com bola e tudo pela lateral. O Barcelona perde um gol inacreditável, mas os jogadores já se cumprimentam comemorando a classificação. A gente se deixa dobrar e torce, torce mesmo sabendo das inúmeras deficiências, da péssima gestão. A gente torce mesmo com os imbecis que escolhem quem é tricolor ou não de verdade.

Podia ter dado se a nossa eficiência não fosse uma mentira deslavada. A gente quer ganhar, mas sabe que nenhum time do mundo vence a Libertadores contratando cinco jogadores reservas a dois dias do fim das inscrições. A gente torce. Torce. Até pelo que desconfia que não vai rolar.

Ainda dá tempo do Fluminense perder um gol inacreditável. E o pênalti de Riveros, para deixar um gosto de prêmio de consolação. Fred cobra bem, empata o jogo, chega a 25 gols na Libertadores e o Fluminense… Não ganha absolutamente nada.

O grande objetivo do pavonismo, sucessor do flusocismo, essa doença maldita que infecta o Fluminense há dez anos, cai por terra mais uma vez. No fundo, no fundo, precisamos reconhecer que não causa surpresa alguma. Se não torcêssemos, muito, talvez até desconfiássemos de que o objetivo é correr para não chegar. Vender a ideia de que o Fluminense é pequeno, enquanto a garotada é rifada por qualquer mariola e, numa decisão, a gente troca 40 anos de dois garotos por 70 anos de dois “reforços”.

Sem mágoa nem esperança, aqui termina a crônica de um fracasso anunciado.

Valeu pela teimosia de querer ver o Fluminense grande e minimizar os fatos, mas sabemos que esse negócio de negacionismo não dá liga nem futuro.

Não deu. Vida que segue.

Os medíocres vão passar. Têm que passar.

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4 Comments

  1. “Se não torcêssemos, muito, talvez até desconfiássemos de que o objetivo é correr para não chegar. Vender a ideia de que o Fluminense é pequeno, enquanto a garotada é rifada por qualquer mariola e, numa decisão, a gente troca 40 anos de dois garotos por 70 anos de dois “reforços”.”

    P E R F E I T O!! Desde aquela palhaçada de 2013 (pelo menos) digo que trabalham para a flapress com o intuito de destruir o Fluminense. Liguem os pontos!!

  2. Caro Paulo
    Sou mais de ler do que comentar.
    Você é muito generoso chamando energúmenos de medíocres!
    No mais, com esse cenário, melhor ver/ouvir o INXS mesmo.
    ST

  3. NÃO HAVERÁ REDENÇÃO A UM ROGER MACHADO CEGO E JAMAIS AFIADO QUANDO NESSE JÔGO E NA URGÊNCIA DO GOL PÕE GANSO E DEIXA FORA O NENÊ. LENTO E ATÉ ERRANDO PASSES SAIRIA A AVE QUE NÃO BICA A LEGAR UMA ÚNICA E ISOLADA IMAGEM BELA E SÓ A PROVOCAR A ELASTICIDADE DO GOLEIRO DO BARCELONA NITIDAMENTE EM CAMPO POR UM 0 X 0 A CLASSIFICÁ – LO E GANHANDO TEMPO QUE NÃO PARA DE PASSAR NA PARTIDA TRUNCADA EM QUE FAZ FALTA UM AVANTE LIGEIRO E COM O ÍMPETO DA AGILIDADE RUMO AO GOL JÁ QUE RESPEITANDO O FRED SEMPRE PERIGOSO MAS NÃO MAIS A POSSUIR O VIÇO DE OUTRORA COMO SE VIRA NAQUELE PIVÔ A RESULTAR CONTUDO NO…

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