Gol de barriga: 118 anos (por Paulo-Roberto Andel)

118 anos

Houve uma vez no Maracanã em que meu coração saiu do peito e percorreu o corpo todo. Isso faz dezoito anos hoje e parece que foi há cinco minutos atrás.

Não há tricolor vivo ou morto que se esqueça de 25/06/1995. Era vencer ou vencer, depois de nove temporadas sem títulos – e vínhamos de dois insucessos em 1993 e 1994.

O maior Fla-Flu da história.

A Gávea, pré-campeã como sempre. Coro em milhares de pulmões, caiu uma chuva de doer, o Fluminense jogou como nunca, fez 2 x 0 no primeiro tempo e poderia ter sido de cinco. Depois, num estalar de dedos, eles cresceram, chutaram um balaço no travessão, empataram um jogo perdido e abraçaram a taça de seus cem anos, tendo em campo o melhor jogador do mundo na premiação da FIFA: Romário.

A doze minutos do fim do jogo, o Fluminense nunca pareceu tão derrotado na disputa de um título. Mas só por alguns segundos: voltou a bater no velho adversário como se ainda tivesse um dia inteiro no gramado pela frente. Tinha perdido Sorlei, perdeu Lira. Aí aconteceu o maior gol de todos os tempos – e como é custoso dizer isso (sem injustiça, ressalte-se) para quem viu as duas pérolas de Assis 83/84! -, bem na tradição tricolor: fim do jogo, a outra torcida já vibrando, cenas que já tínhamos visto outras vezes. Bom, o gol não. Nunca mais. Quem viu, viu. Ézio, depois Ronald surpreendendo, depois Aílton imortal em dois dribles fantásticos, o chute raivoso e implacável que não entraria, a barriga colossal de Renato que não seria a mesma sem aquele tiro de canhão que desviou.

Do outro lado, setenta mil pessoas emudeceram. Do nosso, pessoas choravam, beijavam e rolavam nas arquibancadas: velhos e moços, meninos e meninas, todo mundo.

A turma que já tinha ido embora voltou pelos estreitos e falecidos túneis de acesso urrando por um século inteiro.

Os momentos mais importantes da minha vida de torcedor do Fluminense.

Delírio, drama, dor, beleza e poesia. Lou Reed abraçado com Tom Jobim. Tom Waits rindo com Gilberto Gil. No estádio, vendo tudo, o imortal Renato Russo.

Lima ainda foi expulso, Wellerson fez milagre, Renato também ajoelhou e chorou. Ninguém jamais vai tirar o Fluminense da condição de campeão do centenário da Gávea. Acredite: eles aplaudiram – reconheceram ter visto um jogo épico.

Um dia, só para lembrar disso tudo, eu escrevi um romance esportivo – muito-bem pesquisado, sem falsa modéstia – sobre a conquista e pensei que isso bastaria para celebrar de vez o maravilhoso 1995. Antes, a cada aniversário eu sempre louvei aquela escalação que me deu a alegria máxima em textos, conversas e lembranças.

Não foi suficiente. Um século e dezoito anos depois, tudo no lugar. O amor permanece o mesmo. Noite de sonho eterno, imprescindível, mulher amada que jamais se esquece.

Os sentimentos são sempre os mesmos. É como se tivesse ocorrido ontem. Foi uma noite que nunca terminou e que continuará para o meu sempre.

Toda vez que penso nas imagens após o gol de barriga, choro de alegria e emoção.

Revi o jogo várias vezes e chorei em todas elas. Todas.

Quando penso nas crianças que se tornaram tricolores por causa daquele dia – e o nosso craque Thiago Silva foi uma delas – o arrepio é imediato.

*“E aqui este livro é narrado em primeira pessoa: num súbito, uma lágrima – a primeira de muitas – ganhou meu rosto. A mesma que, tantos anos depois, ainda tenho nos olhos: eu penso nas pessoas que estavam nas arquibancadas naquela tarde inesquecível. Penso na corrida solitária de Renato depois de ter assinado o maior gol da história. As pessoas ajoelhadas, rezando, chorando, impactadas com o apocalipse que significou o 3 x 2 deste título memorável. Os senhores com seus radinhos de pilha nos ouvidos, lágrimas ao vento e quatro minutos que duraram um ano. Os irmãos das arquibancadas que tinham visto tudo perdido, tinham descido as rampas e, num súbito, voltaram para o santuário da vitória, cada vez mais apaixonados, cada vez mais tricolores e loucos, loucos de paixão, cada vez mais sedentos por futebol e tudo o que ele representa para o coração de um torcedor. Tudo o que fizemos, o que sonhamos, sentimos e fizemos realidade. Horas depois do jogo, também choramos muito em Laranjeiras. Tantos anos depois, recordar isso tudo ainda me emociona muito, me faz pensar em amor, em sonhos, na delícia de uma vitória sensacional. Saber de quantas paixões infantis pelo Fluminense nasceram neste dia, assim como as tantas que ficaram cada vez mais fortes, redivivas, por causa destes meses de 1995 e seu desfecho apoteótico. Uma vitória de amor, feito o mesmo amor que um poeta enxerga em ver sua bailarina amada à ribalta, feito um retrato de Juliana e seus olhinhos de ágata. Tudo isso é para mim a prova inequívoca de que, na monumental arquibancada de concreto do Maracanã, experimentei uma sensação ímpar: foi o dia mais feliz de toda a minha vida como torcedor, foi o maior jogo que vi em todos os tempos.”

Um dia, ganharemos o único título que nos falta.

E voltaremos a ser campeões mundiais.

Mas nada, repito, nada há de se comparar àquela tarde-noite onde o Fluminense foi mais Fluminense em toda a sua vida já direcionada para a eternidade.

Vale o que está escrito.

Para sempre!

Salve os campeões do centenário em 25/06/1995.

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: PRA

“1995 – O campeonato do centenário – página 155 – Editora Multifoco, 2013”*

L I V R O

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9 Comments

  1. E o entusiasmo do Andel pelo jogo é tão grande que acrescentou mais cem anos no tempo. Quem sabe vaticinou inconscientemente que dali a cem anos, em 2095, não teremos um outro gold e barriga de um craque tricolor que inda nem nasceu. nem os seus pais.

    1. Andel: Jorge, algumas observações:

      1) Cento e dezoito anos fazem a soma dos 18 anos de 1995 mais os 100 da Gávea…

      2) Tive a oportunidade de entrevistar duas pessoas que estiveram nos Fla-Flus de 1941, 1963, 1969 e 1995: os atores Sergio Britto e Ítalo Rossi, patrimônios tricolores já falecidos. Ambos afirmaram que 1995 foi o maior de todos – Sergio, aliás, de forma muito enfática.

      3) Ao final de minha crônica, Márcio Guedes (então com quase 30 anos de crônica esportiva) afirmou o mesmo em video;

      4) Meu livro se baseia em alguns meses de pesquisas na Biblioteca Nacional, mas principalmente em fatos que são inquestionáveis não apenas à minha visão mas a de todos: 1) Em nenhum dos Fla-Flus anteriores o Fluminense estava há tantos anos sem título; 2) Em nenhum outro Fla-Flu da história um dos times tinha o melhor jogador do mundo em sua época; 3) Tentei descobrir e não consegui se, em algum outro campeonato do mundo, um time enfrentou e foi campeão em cima do time do melhor jogador do mundo – em qualquer época – por quatro vezes, tendo vencido três.

      Resta saber o que Nelson Rodrigues escreveria se vivo fosse em 1995. Eu fiz o que pude.

      Mas estou muito longe de querer ser o dono da verdade – o que, convenhamos, é uma sonora bobagem.

      ST

  2. Interessante como as visões são dependentes de épocas. A geração que viu Pelé jogar acha que ele foi o maior jogador do mundo, o Rei. Os que haviam visto o Leônidas da Silva dizem que foi ele o maior de todos os tempos. Já os que acompanharam o futebol a partir do Maradona dirão que é o argentino o craque dos craques, o deus. E a geração do Messi certamente dirá que nunca houve jogador igual a ele.
    O Fla x Flu de 1995 de fato foi memorável, um dos maiores da história. Os mais antigos dizem que houve um inigualável Fla x Flu da Lagoa, muito citado pelo Nelson Rodrigues. Eu vi dois Fla x Flus memoráveis na década de 1960. O de 1963, visto por cerca de 200 mil pessoas presentes no Maracanã, que, apesar do 0 x 0, foi inesquecível pela dimensão do jogo e pela presença de público, talvez o maior da história entre clubes de futebol no mundo. E o de 1969, também um 3 x 2 fantástico. Qual o maior deles? Ninguém será capaz de dizer, pois como disse o nosso dramaturgo mor, o Fla x Flu nasceu dez minutos antes da criação do mundo.

  3. Realmente,
    só de lembrar os olhos marejam…
    Top three dentre os dias mais felizes da minha vida.
    A ida foi em cima da hora e dentro de um passatão quatro portas caindo aos pedaços com sete tricolores ensandecidos. Passando pelo elevado, o primeiro presságio, o sudoeste já estava firme e a urubuzada baixava dos céus em espiral. Aviso para rapaziada, urubu não voa de sudoeste, vamos ganhar essa porra hoje de qualquer jeito. Não se passaram 30 segundos, o segundo e derradeiro presságio, uma 4×4 pica das galáxias, apinhada de coisas ruins com orelhas de cogumelo, força passagem e vocifera impropérios. Tão logo nos tomam a frente, bum! Estoura o pneu traseiro direito deles, KKKKKKKKKKKKKK!!! A zoação foi indescritível. Ali já tinha o caneco como certo, só não esperava que o jogo fosse se tornar a maior partida de futebol de todos os tempos…
    ST4

  4. É Andel, o único sentimento “não feliz” que tenho ao me lembrar desde dia encantado, é que jamais verei algo semelhante novamente.

    Mas que se dane, é um título pra se comemorar por todos os dias da vida, eternamente.

    ST

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