O videotape não é mais burro (por Zeh Augusto Catalano)

catalano green

Nelson Rodrigues profetizou que o videotape era burro. Fazia uso escancarado de um recurso que vemos e ouvimos a cada transmissão de futebol à qual assistimos hoje em dia. O replay mostra, cristalino, o pênalti e o comentarista de arbitragem nega aquilo que o país inteiro está enxergando. Estamos cansados de ver e viver isso.

Muita gente achou surpreendente a Globo, eterna parceira do “mais querido”, veicular uma reportagem que comprova de forma cabal a influência externa que favoreceu o time da Gávea quando da anulação, validação e anulação do gol do Fluminense, que tornaria o Fla-Flu empatado aos 40 minutos do segundo tempo.

Nada mais ingênuo.

Todas as ligas americanas (NBA, NFL, MLB) são as detentoras das imagens e dos direitos de transmissão das mesmas. As emissoras que transmitem os jogos podem até ter câmeras exclusivas nos eventos, mas a base da transmissão é toda da entidade. Então, usando como exemplo a Major League Baseball, que está em seus playoffs semifinais (Sensacionais! Recomendo!), quando ocorre alguma dúvida acerca da decisão dos juízes em campo, estes fazem contato com um escritório central da entidade, em New York. Lá, um outro time de juízes tem acesso imediato a todas as imagens de todas as partidas que estiverem sendo realizadas. Os juízes de campo (quatro ou seis, dependendo da importância da partida) entram então em contato (voz) com o escritório central, que é soberano em sua decisão, com o seguinte adendo: a marcação de campo só pode ser alterada se houver certeza de que a decisão foi errada. Os times também têm acesso às mesmas imagens que estão sendo transmitidas para o mundo e nelas podem se basear para pedir o desafio das jogadas. Ainda assim, este desafio não pode ser solicitado em qualquer situação. Após a instituição da revisão por vídeo, dois anos atrás, os erros de arbitragem diminuíram de quantidade, mas não acabaram. Vi, ano passado, uma partida chave ser decidida num erro grotesco da arbitragem. Não cabia revisão no lance. Uma falta ou agressão, por exemplo.

SALDANHA E NELSON SET FEATURE

Então, só pra explicitar alguns pontos importantes:

1 – A revisão por vídeo não acaba com os malfeitos da arbitragem (principalmente se esta – arbitragem ou revisão, como queira! – for mal intencionada).

2 – Nos EUA, é a entidade que detém os direitos e gera as imagens do campeonato.

Ou seja, aqui no Brasil, as imagens deveriam ser geradas e ser de propriedade de algo como a “CBF TV”. Mas elas pertencem à Globo, Sportv, Première, ou qualquer nomenclatura que você queira dar. Perceba então que a Globo tem nas mãos a faca e o queijo para passar a prover esse serviço para a CBF e para os clubes. É um negócio de milhões. Mais um que ela monopoliza.

Então, não me parece que a emissora esteja deixando de cuidar de seu filhinho querido, mas sim está aproveitando uma oportunidade de ouro – num momento de crise financeira como o que estamos atravessando – de manipular a opinião pública (como sempre) para que todos exijam a disponibilização imediata desse recurso para acabar com os errinhos nos jogos do futebol brasileiro.

Caso isso ocorra, não apenas os cofres da empresa receberão um enorme aporte de dinheiro de um novo negócio (vocês não acham que isso será feito de graça, né?) como aumentará enormemente o poder nas mãos da emissora, pois ela passará não apenas a deter as imagens e o dinheiro que movimenta o negócio futebol no país, mas também terá o poder de, por meio do uso (ou não!) dessas imagens, alterar o resultado de campo das partidas. Ou seja, você não só ouvirá que tal lance foi ou não impedimento, mas poderá vê-lo ser alterado de acordo com o que essa entidade, seja ela quem for, decidir, baseado nas imagens (que imagens?) disponíveis da transmissão.

Se todos nós reclamamos de um troço, “fruto da nossa imaginação”, chamado Flapress, e esta tem um expoente, o que estamos fazendo quando pleiteamos essa novidade? Emancipá-la a Flapito?

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“Cara, esse time só ganha as coisas desse jeito sempre tem um advogado. Vcs estão defendendo o direito de manter o erro.” Frase que ouvi hoje de um amigo flamenguista.

Cidadão recebe a bola em completo impedimento. Chuta para o gol vazio. Antes da bola entrar, surge um ladrilheiro e bica a bola pra longe. O juiz marca tiro livre indireto.

O que o Flamengo e os defensores de que se “está fazendo justiça” estão argumentando é exatamente igual ao exemplo estapafúrdio do parágrafo acima. O impedimento está na regra do jogo e é atribuição do juiz e seus asseclas marcá-lo ou não. Usar de imagens e palpites de terceiros que nada tem a ver com a partida é exatamente igual a colocar um ladrilheiro em campo. Tão simples assim.

Mas, para os que insistem na teoria, eu peço que devolvam a São Januário a taça de 2014, a do “roubado é mais gostoso”. Afinal, o mundo viu aquele impedimento.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: catal/saldanha

2 Comments

  1. Boa! Ainda estou em dúvida sobre o benefício dessa ação simplesmente porque não temos como lutar contra o massacre, embora desta vez alguns tenham tido a coragem de ficar ao lado do Flu. Tirando isso, tenho perguntado aos framenguistas se eles, super honestos, já devolveram a taça ao Vasco ou se tiveram vergonha daquela comemoração em dobro.

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