Vasco 3 x 2 Fluminense (por Paulo-Roberto Andel)

Impressões

I

Domingo de manhã, minha bela vizinha aumenta o som para escutar Jon Bon Jovi a todo vapor. Enquanto isso, meu ritual consiste em “Danny The Dog”, Massive Attack, ovos mexidos, mate gelado, barra de cereal, bisnaguinhas, um jornal de sexta-feira com as programações culturais e o sol que não cessa em seus últimos momentos de verão.

Nada disso vai atenuar a derrota de ontem para o Vasco. Nada.

II

O cronista, o presidente do clube, o treinador, o jogador, quinhentos outros personagens, todos são torcedores de futebol no Brasil.

Ninguém quer perder, salvo uma única exceção que comentarei adiante.

Então, qualquer minimização da eliminação na Guanabara não servirá de bálsamo para um coração tricolor.

Mas existe clara diferença entre criticar um mau momento – que hoje vivemos – e generalizá-lo para um mês, uma temporada inteira ou o resto da vida.

III

Com todas as piadas que se faça entre torcedores, qualquer sujeito que prime pelo raciocínio sabe que o Vasco é um grande clube e nossa carne-de-pescoço nos últimos vinte anos.

Não é vergonha que nos tirem da Guanabara com um time tecnicamente inferior. Nós já os alijamos de uma Copa do Brasil com Donizete Amorim e Agnaldo, disparamos uma goleada em noite chuvosa com show de Roni. Os protagonistas do espetáculo nem sempre são os virtuoses, ainda mais no futebol. Quem se lembra de Igor, Milton do Ó e Josafá?

Começamos o jogo chutando uma bola na trave com o Neves. Depois, Anderson perdeu um gol incrível por não ter o cacoete de finalizador. Antes do intervalo, o Fluminense foi amplamente superior mesmo contando com más jornadas de Jean, Deco, Fred pouco inspirado, Nem indo e vindo. Merecíamos a vantagem. O Vasco fez o que lhe cabia: ficou recuado e suportou com dignidade, o que é mérito. Tinha a vantagem do empate, usou o raciocínio lógico.

IV

Não é possível fugir das máximas do futebol. Elas estão aí há mais de cem anos.

Quem não faz, leva.

Éramos melhores desde o começo da partida, sofremos o primeiro gol num momento em que o Vasco chegou pela segunda ou terceira vez com três atacantes, enquanto tínhamos apenas dois defensores e Cavalieri.

No clássico, estar em desvantagem técnica e marcar um gol pode mudar tudo. Mas São Januário também titubeou e, em pouco tempo depois de rompantes e afobação, empatamos num súbito com Neves, viramos com Nem.

Faltava pouco tempo para o fim, mas é bom que se diga: o Fluminense jogava uma partida importante, o Vasco jogava o ano de 2013 – e toda contradição da qual eu seja acusado pelo parágrafo lá em cima é válida e saudável -; cada um nos seus limites. Aqui, falo da importância que a Guanabara tem para o Vasco de hoje, não que uma derrota encerrasse a força cruzmaltina. Abel mexeu, trouxe Wagner, tentou a liga do jogo contra o Chile, mas nem deu tempo.

Eles empataram e viraram sem que respirássemos, com a defesa batendo cabeça, Gum numa noite infeliz mas sem justificar qualquer linchamento. Alguns queriam a caveira de Cavalieri. Quero ser poupado de escutar sobre os tempos de Fernando Henrique – nome que, por si só, causa-me estafa.

Criticar uma derrota é uma coisa. Caça às bruxas, frenesi, ânsia pela sabedoria milenar das coisas tricolores, faniquitos, tudo isso é outra coisa que, até bem pouco tempo atrás, não pertencia ao cardápio da torcida tricolor.

Haja o que houver, Gum e Cavalieri têm crédito.

V

Não quero nem posso desmerecer o Vasco, digno classificado. Quem revira um jogo a sete minutos do fim é digno do maior respeito.

Mas fiquei com a amarga sensação de que perdemos para nós mesmos.

Essa estranha e desagradável – sensação de que temos em campo dois times, um bem e outro mal, desalinhados.

Na torcida, os muitos que querem a vitória e os muito poucos que veem no êxtase da derrota o verdadeiro oxigênio – estes parecem querer perder, sempre em eterno conflito com o prazer da vitória e da conquista. “Sim, eu tenho razão”. Num mundo onde o inevitável futuro é virar carne podre num caixão – ou incinerada num forno crematório -, a soberba sempre tem lugar num camarote cômico.

Uma pena. Sou do tempo em que a torcida do Fluminense era feliz num ano sem título, porque inevitavelmente ele viria na temporada seguinte. Os torcedores se abraçavam felizes, sem a estúpida necessidade de que suas teses fossem as melhores sobre todos. As bibliotecas mostram isso. Que ninguém se iluda: o Fluminense não nasceu na terceira divisão e tem apenas dez ou quinze anos de glórias. Antes do gol centenário de Renato, Barthô já tinha feito um 3 x 2 no finalzinho, mais precisamente em 1912.

VI

O maior cronista do futebol brasileiro – e do mundo – faz falta.

Imagino Nelson Rodrigues na manhã deste domingo.

Provavelmente vociferaria contra os idiotas da objetividade e preveria um grande título tricolor neste ano.

Em troca, seria chamado de “burro”, “cego”, “otimista ingênuo”, “imbecil”, “desconhecedor de futebol” nas redes sociais e sites, tudo por conta dos neointelectuais de plantão. E seria desrespeitado mesmo na condição de Shakespeare tricolor. É normal: os tempos de hoje exigem respostas agressivas, ríspidas, talvez para proteger o vazio das mesmas teses. É muito mais fácil denegrir o trabalho do outro do que construir um próprio.

É de se imaginar o que seria a resposta de Nelson numa crônica dois ou três dias depois aos seus detratores. O mínimo que escreveria tem a ver com a palavra “idiota”, comum em sua literatura esportiva. Ela, a resposta de Nelson, faz muita falta.

A quem interessa o êxtase da derrota, a necessidade de ser maior do que o Fluminense? Oxalá essa pequenez de espírito se dissipe.

Enquanto isso, que chegue a nova quarta-feira e a velha Libertadores tão desejada. O futebol não permite velórios longos. Apanha-se muito e, três dias depois, uma revanche vem a caminho. Ou o contrário.

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: Agência Estado

 

12 Comments

  1. Caro Andel, eu postei o texto abaixo, no blog do Garcez, em cima de um texto seu.

    Perfeita esta crônica que você postou. Eu acompanho o Fluminense desde o título da taça de prata de 1971, quando fomos campeões. Neste campeonato, a única goleada que aplicamos foi um 6×1 na Ponte Preta, pois no restante dos jogos, tirando um 3×0 no América e acho que também no Palmeiras, todas as outras vitórias foram por diferença de apenas um gol.
    É um time que tenho até hoje, na memória, a sua escalação : Félix, Galhardo , Assis , Oliveira , Marco Antonio, Denilson , Didi , Samarone , Cafuringa , Lula e Flávio. Idolatrava aquele time. Não só eu, mas toda a torcida do Fluminense. Eu não sei se é porque eu era muito criança, na época, mas a impressão que me dava é que naqueles tempos, o importante era apoiar o time, independente se o time correspondia ou não as nossas expectativas. Isto não quer dizer que não haviam críticas. Sim, haviam, mas bastava um clássico para o Maracanã ficar lotado e a torcida do Fluminense dar um show na arquibancada. Nossa torcida sempre foi a mais bonita. Lembro da primeira vez que fui ao Maracanã e fiquei extasiado quando o time entrou em campo ; o talco, as bandeiras , os fogos de artifício, tudo era lindo demais. Se eu tinha alguma dúvida de que seria tricolor, certamente aquele espetáculo marcou, à ferro quente, o Fluminense, em minha alma
    Eu também não estou satisfeito com as apresentações, atuais, do Fluminense, pois temos elenco para acuar qualquer adversário. Concordo com as críticas quanto a falta de um esquema tático definido. Eu também fico nervoso nos jogos do Fluminense, onde os jogadores mostram apatia. Eu estava em Volta Redonda, no ano passado, quando perdemos para o Atlético GO . Fiquei chateado, mas mesmo assim, na semana seguinte, estava lá para ver a vitória sobre o Náutico.
    Eu concordo com aqueles que criticam, que vaiam, que xingam, mas que nem por isso deixam de torcer, de apoiar. Agora, sou totalmente contra aqueles que, por capricho, torcem contra o Fluminense porque não gostam do técnico ou de um jogador específico. Existem alguns torcedores que chegam a se regozijar com as nossas derrotas, só para poderem dizer que eles estavam certos.
    Talvez eles estejam certos e eu errado, mas eu faço parte de uma geração que teve o privilégio de ler toda a segunda-feira, o nosso profeta maior que foi Nelson Rodrigues. Suas crônicas tinham o poder de deixar ainda mais saborosas as nossas vitórias e eram um bálsamo em nossas derrotas. Ao invés de pedir boicote ao time ele conclamava a todos os tricolores do céu e da terra a poiar o Fluminense, porque nem a morte exime o torcedor de suas obrigações clubisticas.
    Se vivo fosse, certamente seria considerado, por alguns tricolores, um conformista, alguém com uma visão ultrapassada, um fanático sem senso crítico.
    Gosto de ler todos os blogs do Fluminense, mas não sou muito de escrever. Admiro muito o trabalho do Garcez, tanto que toda a vez que ele lança um livro, eu faço questão de comprar. Guardadas as devidas proporções, o Garcez me lembra muito o profeta maldito, tanto pela elegância e altivez de seus textos, quanto pela educação e fidalguia com que ele trata todos os seus leitores, inclusive seus detratores.
    Podem me chamar de abestado ,ignorante ou de alienado, mas eu, sinceramente, acredito que vamos ganhar a libertadores este ano., porque acima de crítico eu sou um torcedor apaixonado pelo Fluminense e não vai ser Abel , Diguinho ou outros mais que irão arrefecer o meu sentimento por esta instituição .

    Saudações tricolores

    Luiz Saldanha

  2. Venho criticando muito o comportamento de alguns “tricolores” que realmente parecem que torcem contra. Já presenciei alguns bate-bocas no Engenhão com pessoas que com 5 min. de jogo já estão vaiando o time. Já tinha lido sua opinião de que isso pode ainda ser um resquício do jejum de 9 anos que ficamos nos anos 90. Essa nova geração tem como ídolo o Renato Gaúcho e seu gol de barriga. Não tinham visto o FLU campeão brasileiro. Confesso que nunca havia pensando sobre isso e você até pode estar certo. Apedrejam o Abel querendo justamente Renato em seu lugar…fala serio !!
    ST

  3. Grande Andel,

    Excelente texto e análise dos fatos. Realmente de nada adianta uma caça às bruxas, querer detonar este ou aquele jogador, técnico, etc.

    Temos, ainda, um grande elenco, muito superior a todos os adversários do Rio de Janeiro e quiçá do Brasil. Mas, nem sempre os melhores vencem. O Carioca ainda é bem possível, basta levarmos a sério e sem soberba.

    Já a Libertadores, começo a ficar com a pulga atrás da orelha, pois, nossos 05 (cinco) zagueiros são bem limitados. Todos muito guerreiros, lutadores, mas a técnica muito fraca, sem exceção. Acredito que precisamos de uma peça na zaga com técnica refinada, que saiba visualizar o jogo e ditar o ritmo nas saídas de bola. O que temos é só chutão. Falta aquele que impõe respeito.

    Nas laterais, Carlinhos é muito irregular. Acho que possui excelente técnica mas é tremendamente inconstante. Além disso, erra 90% das tentativas de cruzamento. Bruno… bem, me recuso a comentar suas atuações no ataque (erra 101% das tentativas de cruzamento). Na defesa, acho que completa o sistema defensivo melhor que o Wellington Silva que, por sua vez ataca bem melhor. E o Monzón? O cara não joga!!!

    Como Deco parece que realmente se aposentou, temos que apostar todas as fichas no Wagner, que tem entrado bem nos jogos. Além disso, estou com a impressão de que a seleção fez mal ao Jean. Mas, para nosso sorte o Thiago Neves vem crescendo bastante.

    E nosso Fred, parece estar bem acima do peso e sem as melhores condições de jogo. Ainda bem que o Nem está voando!

    Estes fatos, acredito, estão fazendo a diferença em nosso desfavor.

    Temos que acertar estas arestas urgentemente.

    Porém, nada está perdido. Creio que se pararmos de rodiziar o time, vamos novamente encontrar nosso ritmo de 2012, em que pese nossa “amada” zaga.

    ST, Luiz.

  4. Saudações tricolores:
    Novamente me sinto amplamente representado como tricolor ao ler sua crônica do jogo, tudo o que gostaria de dizer esta aí. Quando não puder ver o jogo vou fazer como o grande Nelson, sem a ironia que ele colocava na pergunta: _ E aí Paulo, o que é que nós achamos do jogo?

  5. A história de repete, queiramos ou não, conheçamos ou não a página seguinte, tudo acaba na terra ou no fogo, mas enquanto isso não chega, vou de Drummond: “Que a terra há de comer./ Mas não coma já./ Ainda se mova,/ para o ofício e a posse./ E veja alguns sítios / antigos, outros inéditos./(…). Os últimos dias. STT, Waldir Barbosa Jr.

  6. Saudações Paulo,

    Verdade é que vencer, hoje, o Fluminense é mais fantástico e extraordinário do que se classificar para a final de qualquer campeonato.

    Quarta encontro marcado no Engenhão. Deixemos nossas certezas, incertezas e teorias do lado de fora do estádio. Serão apenas mais 90 minutos em busca da tão sonhada Libertadores da América, depois disso poderemos voltar a programação normal.

    STRI.

  7. Acho que vc está coberto de razão. Não temos uma boa zaga e tampouco bons laterais. Mas temos sempre que apoiar quem está em campo vestindo a camisa do nosso Fluminense. Já que o Abel e a Diretoria acham que não precisamos de reforços, temos que apoiar quem veste nossa armadura de guerreiros tricolores. Como moro em Natal, não estarei no Engenhão na quarta, mas quem for deve apoiar do início ao fim do jogo. Após o jogo, aplaudir ou vaiar, mas durante o mesmo apenas incentivar. Quem mais errou (Gum) foi o herói da hora em outras jornadas. Adoro os textos aqui do panorama tricilor, mas não gosto da divisão que está havendo entre os chamados “tricolebas” e os demais. Isso não condiz com nossa condição de tricolores.

    1. Marcio, esta divisão não é do PANORAMA. Infelizmente, é um comportamento detectado dentro da nossa torcida. ST.

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