Uma canção para Lennon (por Paulo-Roberto Andel)

lennon  homenagem

não, não
esta não vai ser a tua última
grande canção
por mais que o gris do céu
te agrida agora, sem piedade
esta não vai ser
a tua última oração
e logo eu é quem digo
pois não sei dizer de Deus
e dos amores à grande fé –
logo eu, que me esgueiro
entre as sombras do vazio e o nada
ou pequenas sobras de mansidão –
mas a vida tem suas nuances
suas pequenas grandes curvas
e por isso eu é que digo sobre
o desacontecer da tua última
grande canção
a morte corrói, violenta, aniquila
mas muitos amanhãs
depois do amanhã e deste hoje
tão opaco em seu gris
a balada triste de agora
há de ressurgir feito uma nova
e brilhante canção:
todos os dias escuto minha mãe a cantar
e passar divertidos trotes ao telefone
ou me mandar lavar as mãos
antes da hora do jantar –
a minha última canção virou a primeira
e parece marcha das vitórias
mesmo quando tudo está perdido
perdido
agora somos eu e mim mesmo
até o fim do mundo
até a última página do livro dos dias
mas eu posso te dizer:
hoje não vai ser a tua última canção
nem amanhã nem muito depois
o fim reside longe, longe
e não nos ampara agora
pois você tem versos para escrever
cores para tremular
um mundo inteiro a ganhar e perder
entenda: esta não vai ser a tua última canção
mesmo com nosso horizonte
pintado em cinza e chumbo
você vai ter que escrever e escrever
e versar e fazer chover
até sangrar uma tempestade
mas não vai haver sangue algum  –
na verdade, serão apenas morangos
fora de tempo
extintos mas tão redivivos
a confundirem escarlate com grená
enquanto ao largo
um verde de esperança
há de nos tingir –
esta não é a nossa última canção
porque somos incrivelmente jovens –
você, muito mais que eu –
temos um mundo e seus moinhos
nossos loucos amores demitidos
os outros que renascem
e alguns condenados ao sempre
feito agora a cada dia, a cada passo –
nem de longe ou perto
esta vai ser
a tua última grande canção
a última canção
a canção:
o gris de agora é apenas ilusão
ilusão
ilusão

Em respeito e tributo a nosso companheiro de equipe Lennon Pereira, por ocasião da passagem de sua mãe, ocorrida neste domingo.

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

1 Comments

  1. As mães merecem o céu, por elas mesmas e pelos seus filhos. E os filhos um dia as encontrarão no paraíso, sorrindo, de braços abertos, com o mesmo amor e candura que a eles dedicaram toda a sua vida. Resta a nós, os filhos, orar para que elas olhem por nós e nos embalem quando nos sentirmos fracos, perdidos e carentes de afeto. Portanto, caro Lennon, encontre na memória de seus dias junto de sua querida mãe os motivos para seguir em frente e criar seus filhos. A morte nada mais é do que o fim de um ciclo que começa no nascimento, pois a vida é eterna.
    Que Deus o abençoe.

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