Um pouco de malandragem (por Paulo-Roberto Andel)

Entra ano, sai ano, certos perfis não se alteram muito.

Certa parte da linda e apaixonante torcida do Fluminense, linda e apaixonante mesmo, pecou às vezes pela carência de algo essencial ao futebol nos últimos dois anos.

Malandragem.

Desde a genial vitória sobre o Palmeiras por 3 x 2 que garantiu o tetra brasileiro, parte da nossa massa trocou os pés pelas mãos em momentos essenciais – felizmente já superados mas dignos de lembrança: a fúria infernal ao primeiro revés, a submissão ao lero-lero midiático, o descompromisso com a clara necessidade de vínculo ao clube através da associação, o deslumbramento com os arroubos da antiga investidora, a passividade diante do atentado terrorista da imprensa em 2013/2014, a dificuldade em aceitar que o conceito de ídolo é uma viagem pessoal, a mitificação hiperbólica de feitos comuns e esperados, a vocação para destruir personagens importantes do campo, o sectarismo nas arquibancadas. Argh!

Felizmente ficou para trás.

O final do ano passado deixou bem claro que havia uma nau desgovernada, realinhada agora, ainda que não exatamente em perfeito ponto de equilíbrio. Há problemas, claro.

Não há mal que dure para sempre num time sem garra. Veio uma nova era, a da reformulação, com um recado que pareceu ser bem entendido pelos veteranos remanescentes: novos tempos, dinheiro curto e falta de espaço para corpo mole (Horizonte, América-RN, Chapecoense). Em campo neste 2015, resultados visíveis: 100% de aproveitamento, quatro vitórias e um onze em campo que, se não reluz em pleno talento, mostra uma garra de iniciante em busca de afirmação. O recado foi entendido, todo mundo está correndo.

O Fluminense não acabou, não morreu, os profetas do apocalipse estão todos afogados com a própria baba.

Mas agora, mais do que nunca, é preciso ter malandragem.

Entender que se trata apenas do começo. Mesmo que seja melhor vencer do que perder, óbvio, nem mesmo os clássicos cariocas vão medir as perspectivas do nosso futuro adiante – alguém acha que algum dos grandes adversários cariocas é hoje candidato ao Brasileiro 2015?

Perceber que um time jovem, cheio de jogadores que vieram de equipes mais modestas, em busca de afirmação, poderá oscilar e nem sempre corresponder às expectativas maiores.

Recordar que a força histórica do Fluminense sempre esteve no coletivo, no grupo, em campo e nas arquibancadas, muitas vezes conquistando títulos com muito sacrifício e em cima da hora (o ano de 2012 foi atípico sob vários aspectos).

Compreender que o momento 2015 é de apoio total e irrestrito, mas não confundir isso com paternalismo à frente. Ao mesmo tempo, a lucidez ao encarar eventuais fracassos momentâneos.

O principal: cada torcedor tricolor é uma peça fundamental para o futuro do clube.

Aqui falo de diálogo, de armas ao chão, de entendimento na busca de consenso e união para um futuro governo de representação das correntes políticas do clube, dando fim a uma miniguerra civil que já dura quase 30 anos, com pequenas tréguas – e não tenho dúvidas de que, se ela não existisse, jamais teríamos passado os dissabores de outrora, além de ter muito mais conquistas do que as que obtivemos no período em questão.

Nunca é demais lembrar: aconteceram – e acontecem – muitos erros, de modo que santificar ou demonizar os lados é, no mínimo, falta de acuidade política ou ignorância sobre a história.

Unido, o Tricolor sempre será muito maior do que as vaidades do poder, seja ele o constituído ou em busca de constituição.

Unido.

A malandragem é a união, a compreensão, o diálogo, o respeito ao contraditório, a capacidade de autocrítica.

A malandragem não está no rancor, nas ilusões ocas do transitório poder, na verborragia pedante, na agressividade criminosa por ameaças, na propriedade particular da suprema verdade, no culto à personalidade do mecenato com estampa de coronelismo.

A malandragem no caso é um processo coletivo.  Ricos, pobres, pretos, brancos, gordos, magros, situação, oposição, independentes. Tricolores. Todos tricolores. Todos têm capacidade para acertar. Todos erram em algum momento. Líderes naturais, não impostos. Participação.

Quem já viveu muita coisa sempre tem muito a ensinar, até mesmo nos erros. Não existe Jovem Guarda sem Velha Guarda.

Política de clube é agregação, não sectarismo.

E tudo isso reflete no palco principal: o gramado.

A malandragem é jogar a hipocrisia no lixo, perceber que estamos todos no mesmo barco e que qualquer divisão, no campo ou nas arquibancadas, é nosso maior prejuízo. Já temos inimigos demais para nos digladiarmos de forma tão primitiva.

O tamanho da conta? Neste mesmo Carioca 2015, onde estamos pontualmente felizes e satisfeitos com essas quatro vitórias. Pense nos últimos 30 anos, o que os adversários ganharam, o que nós ganhamos e o saldo. O Fluminense tem a estampa para ajudar a reconstruir esse campeonato e não destruí-lo. O fim do Carioca é o fim da importância dos clássicos, basta refletir para não matar a galinha dos ovos de ouro.

Este escritor torce para que tudo caminhe bem e tenhamos o luminoso caminho que merecemos. É o que tem feito desde 1978.

Por isso, aposta num improvável entendimento geral, amparado em frase definitiva de Jorge Luis Borges: “A um verdadeiro cavalheiro, só interessam as causas perdidas”.

É pedir a Deus um pouco de malandragem.

Afinal, o Fluminense tem a vocação da sagacidade do malandro, não a flácida empáfia do otário.

Nota: a se confirmarem os atos e reflexos da terceirização do programa Sócio Futebol, comentados publicamente ao fim da edição desta coluna, a malandragem aqui proposta vira uma inutilidade enorme.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: google

#SejasóciodoFlu

2 Comments

  1. Hora de união.Mais tem gente que não sabe o que é isso,gostaria de saber quem é o ( o fogo amigo) ,a favor de Rubens e Eurico que coloca uma faixa idiota para aparecer na tv.Vergonha 2013-2014 ,fora Peter. É hora de união e de se associar ao clube

  2. Para mim a parte mais importante:

    A malandragem é jogar a hipocrisia no lixo, perceber que estamos todos no mesmo barco e que qualquer divisão, no campo ou nas arquibancadas, é nosso maior prejuízo. Já temos inimigos demais para nos digladiarmos de forma tão primitiva.

    Que todos tenham consciência disso.

    ST

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