Tricolor ou Alvinegro? (por Paulo-Roberto Andel)

Publicado em Roda Viva 1, página 14, Vilarejo Metaeditora, 2017

Em 1982 eu conheci o Luizinho na escola, Luiz Manuel na certidão de nascimento. Logo ficamos amigos, pois ele morava bem perto da minha casa, na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana – eu morava na Rua Siqueira Campos.

Ele era magro, magriço, alourado e alguns anos mais velho do que eu, embora estudássemos na mesma série. Um tremendo jogador de bola no futebol de areia e, se a memória não tiver me traído, tinha um irmão chamado Bill. Nunca estudamos uma lição sequer juntos, o nosso negócio era ver gol.

Mal começamos a conversar e logo estávamos vendo os todos os jogos do Fluminense no Maracanã. Naquele tempo não havia a moleza de hoje, com internet, TV a cabo, N transmissões. Ou você estava em todas, ou tinha que ficar muito ligado no Globo Esporte e nos Gols do Fantástico: se perdesse, babau.

Era batata: quarta, sábado ou domingo, ou nos três, ele batia lá na porta de casa, pegávamos ou 434 ou 435 e atravessávamos Zona Sul e Centro até chegar ao palácio do futebol. Um tempo de vacas magras para o Fluminense, que foi até bem no Campeonato Brasileiro, mas penou no Carioca. Não importava: éramos 100% assíduos.

Luizinho era crítico demais, até por ser bom de bola, e fazia questão de dizer que queria ver o Fluminense melhor. E resmungava divertidamente que não aceitava ver seu pai como sócio do Flamengo, até metido com coisas de diretoria e conselho, não me lembro exatamente o certo, mas era por esse caminho.

Quando chegou o final do ano de 1982, houve a infeliz e obrigatória mudança de escola, de modo que simplesmente perdemos contato: ele sumiu. O mais incrível é que, como éramos uma turma que se via na rua, na escola, eu não tinha o telefone do Luizinho, nem o endereço. Ele simplesmente desapareceu: nunca mais me procurou, nunca mais o vi na rua, nem na praia e nem em nenhum outro lugar, inclusive o Maracanã, onde ele era uma presença permanente. Desapareceu e ninguém sabia me falar de seu paradeiro.

Exatos vinte e cinco anos depois, houve um encontro de ex-alunos da escola onde eu e Luizinho estudávamos, com direito a festa, churrasco, gente boa, esquisita, visita às salas de aula – eram pequenininhas, muito menores do que eu imaginava à época! – e… nada do Luizinho. Praticamente ninguém se lembrava dele, exceto um colega comum nosso que se surpreendeu quando narrei para ele nossas idas ao Maracanã – o sujeito jurava de pés juntos que o Luizinho era 100% botafoguense, de forma tão veemente que eu não consegui entender nada. Afinal, se era mesmo o caso, o que o jovem alvinegro vivia fazendo no Maracanã tomando banho de pó de arroz? Ok, naquele tempo era até comum para os torcedores de um time assistirem jogos do outro, mas o Luizinho foi comigo a pelo menos umas vinte partidas do Flu, gritou gol, comemorou, xingou os erros, o cacete.

Não conseguimos chegar a nenhuma conclusão definitiva sobre o time do menino magriço que vivia perto da Fôrça Flu.

Depois da festa, já se passaram outros dez anos, o Fluminense ultrapassou o céu e o inferno, aí está para desafiar todas as definições e eu não tenho uma única informação sequer sobre o paradeiro do Luizinho. Nada. Nada. A única coisa que sei é que, por quase um ano, tive nele um correto irmão que me acompanhava sempre nos momentos em que eu era um garoto mais feliz: um jovem tricolor no Maracanã.

Se ele era tricolor, e tudo parecia apontar para isso, era mais um dos nossos admiráveis maníacos que até hoje perseguem o Flu onde ele estiver.

Se o seu coração batia mais forte por General Severiano, uma coisa é certa: nunca vi um suposto adversário respeitar tanto as cores, as coisas e a liturgia tricolor num campo de futebol.

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