Tratado sobre miopia futebolística e outras miopias (por Marcelo Savioli)

Amigos, amigas, como o meu trabalho no O Tricolor está, pelo menos por ora, suspenso, estou aproveitando para reduzir o ritmo de trabalho, recobrar as forças e, de quebra, acompanhar o noticiário do Fluminense como voyeur.

As últimas declarações do Celso Barros sobre o trabalho do Diniz foram de cair a dentadura da boca. A gente pode esperar qualquer sandice vinda do torcedor, até porque eu, como torcedor, já proferi várias e ainda profiro, normalmente já mal intencionadas e para irritar os amigos vascaínos, flamenguistas e botafoguenses.

Dizer que o Fluminense pode jogar o futebol mais bonito do mundo, mas que sem resultados não dá é típico de quem sofre de miopia futebolística. Esse tipo de aberração destruiu o futebol brasileiro a partir da segunda metade da década de 1980. Sorte nossa que temos técnicos como Diniz, e tantos outros que andam ganhando espaço no futebol brasileiro, que percebem no futebol bem jogado um atributo e não um defeito a ser extirpado em nome da competitividade.

Não existe essa relação entre jogar bonito ou feio e obter resultados. Existe a relação entre criar mais oportunidades de gol e estar mais perto da vitória. O Fluminense cria mais ou igual aos seus adversários em todos os jogos. Por essa razão, vencemos três dos últimos cinco sem deixar dúvidas sobre nossa superioridade, e perdemos dois com todo direito de reivindicar melhor sorte, porque poderíamos até mesmo ter saído vencedores, atuando contra dois times que estão entre os quatro ou cinco melhores do Brasil no atual momento.

O resultado não é o único parâmetro de avaliação em futebol, exceto para quem sofre de miopia futebolística ou já tem decisão tomada e espera somente uma oportunidade para viabilizá-la. Porém, ainda que se vá analisar o resultado, é primeiro necessário que se estabeleça metas realistas. Metas realistas devem levar em consideração a capacidade que a equipe tem de alcançá-las e o tamanho dos obstáculos que tem pelo caminho.

É completamente absurdo um dirigente levantar uma questão como essa num momento em que temos pela frente uma série de boas oportunidades de pontuar e, ao mesmo tempo, uma série decisiva contra o indigesto time do Corinthians pela Sul-Americana.

Um dirigente de futebol à altura da função, remunerada ou não, deveria estar avaliando o nível de desempenho da equipe, jamais exercendo esse tipo de pressão sobre o treinador após uma derrota fora de casa para um time como o Atlético. É totalmente desfocado da realidade. É como se o referido dirigente desconhecesse quais foram os caminhos e descaminhos que nos trouxeram até aqui.

O Fluminense vem mostrando, ao longo da temporada, que a qualquer momento pode deslanchar e obter grandes resultados em relação ao que temos no presente. Eu hoje ouvi isso de um botafoguense, que, por acaso, assistiu ao jogo de sábado. Mas a miopia futebolística não enxerga longo prazo, não enxerga projeto futebolístico, não enxerga nem os interesses do clube e seu futuro. Não por acaso, eu sou levado a lembrar do que aconteceu com Abel Braga em 2013. Abel fazia um ótimo trabalho, que só precisava de apoio e algumas peças para encaminhar um bom trabalho de reformulação, mas os interesses eram outros. Fecharam a torneira e uma sequência de derrotas interrompeu o trabalho. No final do ano, não fosse o Flamengo e o episódio André Santos, teríamos passado o Reveillon de 2013 para 2014 na Série B.

É muito difícil, diante de certas atitudes, acreditar que o bem do Fluminense seja o propósito de algumas pessoas. Não encaixa. Aliás, como a gente vive no Brasil a era da verdade virtual, que você primeiro cria a tese, tenta preencher com os fatos e, se esses não ajudam, troca por outros que nunca aconteceram, e ainda chama quem discorda de esquizofrênico, a gente pode esperar qualquer coisa, e com o Fluminense não é diferente.

Então, a gente vai ter que aturar o Celso Barros e sua visão amadorística de futebol – tomem como elogio – por mais três anos e meio. Se bem que, na visão dos apoiadores, isso não chega a ser problema, porque se a gente não gostar do que está vendo é só colocar o bloco de destruir reputações na rua que, com muitos xingamentos, ofensas, agressões e desrespeito a gente tira e bota no lugar a antítese do que está lá, que é a negação virtual da verdade virtual, que, no final das contas, ninguém sabe ao certo como vai resolver o problema, mas que vai, vai.

Então, a impressão que fica é de que derrubar o Diniz está acima do Fluminense, não importando se reviveremos 2013 mais ali na frente.

Mas, em se tratando de miopia, eu devo chamar atenção para o fato de que o bonito atrai, vende, gera receitas e lucro. Porque as pessoas gostam do que é bonito, do que é capaz de arrancar aplausos e lágrimas. O trabalho de Fernando Diniz, assim como a forte equipe que tem, apesar dos buracos que teimam em aparecer onde víamos chão firme, são ativos valiosos para o Fluminense atual, que deveriam estar recebendo todo o apoio e crédito de uma direção que conseguisse perceber o Fluminense como produto.

Mas a miopia não deixa perceberem isso. O importante é tirar de lá o Diniz. E como nós estamos no Brasil, não importa o que vem depois. Tem que derrubar, porque qualquer coisa é melhor. Qualquer coisa não é melhor que nada. Qualquer coisa é qualquer coisa e quem tem seriedade no que faz não substitui alguma coisa por qualquer coisa, mas por um projeto que seja melhor. Mas no Fluminense o que é melhor parece que não é melhor para todo mundo, mesmo que o melhor seja o melhor para o Fluminense.

Só que a nossa torcida é um terreno fértil, porque nós também sofremos de miopia. E sofre de miopia forjada e agravada por uma mídia que vende infortúnios aos lotes, mas não vende as verdadeiras causas nem as soluções. A quem só o caos interessa, para que vender soluções?

Ah, porque o Mário prometeu grandes contratações e um patrocinador master. Vamos falar a verdade? Alguém acreditou, na situação financeira em que o Fluminense está, que viriam no pacote o Neymar e o Cristiano Ronaldo? Alguém? Nós podemos esperar o que foi prometido. Fred com 40 anos, sem performar há seis ou sete, ganhando 800 mil, Thiago Neves ganhando 700 mil e o Fluminense bancando tudo com a própria falência, como vinha sendo feito há alguns anos. E o pessoal ficou muito zangado porque o Abad, mal e porcamente, conseguiu dar um equilíbrio aceitável entre receitas e despesas.

E o patrocínio master? Será que há alguém suficientemente ingênuo de acreditar que um patrocínio master vai resolver alguma coisa? Tinha gente que queria que o Fluminense aceitasse enxovalhar sua maior propriedade de Marketing com a marca de um master a lhe pagar módicos R$ 9 milhões. Um clube que no ano passado faturou R$ 300 milhões, que teve o sétimo maior faturamento do Brasil, vai resolver o que com R$ 9 milhões?

Só que a miopia não deixa ninguém perceber isso e as pessoas ficam com os olhos brilhando quando falam em patrocinador master. Não existe isso no Brasil. Com o mercado atual não tem patrocínio à altura do Fluminense. Eu vou ficar cobrando isso da diretoria? Eu quero é que se preserve as coisas boas deixadas pela gestão passada, que é a gestão financeira responsável e o futebol todo bem estruturado. Mas com isso ninguém se importa.

Quer patrocinador master? Quer dinheiro? Mostra seriedade, profissionalismo. Apresenta um projeto sério. Cadê o projeto da Ernst & Young, que o Abad engavetou? Cadê o projeto das Laranjeiras, que será um enorme ampliador de receitas e redutor de despesas? Cadê o projeto de reforma do estatuto que impõe novas normas de governança, que suprimem o poder semi-imperial do presidente em favor de uma gestão profissional?

O Fluminense precisa amadurecer e parar de pagar mico. É vergonhoso o noticiário a que somos submetidos diariamente. São anos de palhaçada e isso não é circo, é o maior clube do Brasil, uma das maiores grifes esportivas do mundo.

Eu vejo as coisas que são debatidas, como são debatidas, o que as pessoas fazem à frente do Fluminense, a forma doentia como se faz política, como se ganha e perde eleições, eu daria urros de felicidade se o clube pelo menos parasse de andar para trás. Até quando dá um passo à frente é para afundar mais adiante, porque é um surto de miopia e infantilidade que não passa nunca.

Às vezes eu fico lembrando, lá pelos idos de 2015, 2016, quando a turma fazia aquelas enquetes perguntando se o Peter já podia ser considerado o melhor presidente da história do Fluminense. Se não é infantilidade, é má fé.

Agora eu vejo gente dizendo que “agora que nós temos uma gestão séria” e me vem o Celso Barros dizer uma sandice dessas? É isso que o pessoal chama de sério? Mas se tem uma coisa que eu não faço é avaliar trabalho de ninguém com dois, três meses, ainda mais em se tratando de gestão, porque você não consegue visualizar o que está sendo feito dentro dos gabinetes. Então, a gente vive de sinais, mas mesmo esses podem ser ilusórios. O problema é que tudo que é construído com ódio, difamação, agressões físicas e verbais, manipulação e mentira já carrega um fardo pesado demais até para fazer a travessia, se é que há algum interesse em pelo menos atravessar a rua.

Enfim, desculpem se eu exagerei no tom ou nas palavras.

Saudações Tricolores!

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

#credibilidade

5 Comments

  1. Eu acho que ficou leve…
    Todo apoio ao Diniz !
    Espero que seja capaz de resistir à tormenta pelo bem do Fluminense.
    ST

  2. Muito bom o texto, falou tudo que acontece no Fluminense a anos. Sem projeto não salvação para o nosso clube, a miopia futebolista que tomou conta do Flu não é simples para ser resolvida, precisa de dedicação e um projeto muito bem elaborado.

  3. Onde eu assino ? Sensacional da primeira à última linha. Saudações Tricolores !

Comments are closed.