Time de bêbado não… (por Jorge Dantas)

 

…tem dono.

Lá estava ele, sentado no meio-fio desconsolado, a bandeira descansando inerte e abandonada junto à sarjeta, olhar perdido, sem coragem de prosseguir.

Seu time havia perdido o jogo e as esperanças de ser campeão esgotaram-se naquela tarde-noite, num dia quente de verão. O sol há muito tinha se posto e a Lua era a única testemunha de sua desilusão.

Mas, Horácio tinha que voltar para casa, retomar a vida, encarar a mulher e os filhos. E, no dia seguinte, os amigos, as manchetes dos jornais, a TV e tudo mais que o faria relembrar de sua pequena tragédia.

Resolveu que não ia voltar pra casa. Decidiu encher a cara para esquecer o infortúnio. Não perdoaria nunca aquele time, favorito antes, derrotado depois. Não queria saber o que Doralinda, sua mulher, faria com as cervejas e os quitutes que comprara para festejar o campeonato. Não queria saber dos fogos, das bandeirolas e nem do cachorro que tinha o nome do seu time. Queria esquecer, apagar aquele dia da memória, fugir para outra dimensão onde ninguém o conhecesse. Não estava disposto a enfrentar o seu dia seguinte.

Sem forças, ergueu-se do chão, enrolou a pequena bandeira e seguiu para o boteco mais próximo cambaleante, olhar perdido. Jogou a bandeira na primeira lata de lixo que encontrou, tirou a camisa do clube e pediu um trago. Tomou de uma só vez, como fazem os plantonistas de balcão. O álcool desceu queimando sua garganta, os olhos se esbugalharam e um calor subiu até a raiz do cabelo. Pediu outro e mais outro. Bebeu e começou a se sentir dopado. Mais dois goles e deixou de ser deste mundo, pairou no ar e sentiu as mãos tremerem. Não era mais senhor de si, não tinha lembranças, nem sabia mais quem era, nem onde estava. Não sabia por que estava bebendo e nem seu próprio nome.

Saiu do boteco cambaleando, seguiu pela rua, dobrou a esquina e aninhou-se perto do portão de casa. O cachorro logo deu conta de seu dono e começou a latir balançando o rabo. Horácio foi parar ali por acaso, estava perdido, sem memória. Doralinda escutou os latidos e foi à janela. Viu Horácio escorado no portão chamou-o pelo nome, mas nenhuma resposta. Correu, pegou o brutamonte pelo braço, apoio-o em seu corpo e o levou pra dentro. Deu água, café, chá de boldo e o deitou na cama, suado, fedido, bêbado. Chorou de dó e de tristeza. Queria um marido igual ao de todo mundo, sóbrio, trabalhador, exemplo para os filhos.

Dia seguinte, cabeça explodindo, Horácio levantou, tomou café e perguntou quanto tinha sido o jogo. Doralinda calou-se, os filhos também. Falaram da viagem com as crianças e da horta que estavam plantando no fundo do quintal. Horácio insistiu sobre o resultado do jogo, Doralinda atirou-lhe o jornal no colo. A manchete estampava: seu time ganhara o jogo, fora campeão. Horácio não entendeu nada. Por que havia bebido, então? Ficou sabendo pela mulher que no caminho de ida para o estádio tomara todas, sentara-se na calçada e não vira o jogo. Ficara do lado de fora. Em seu delírio, imaginou que seu time fora derrotado. Bebera de novo para esquecer.

Esquecido, voltou pra casa. Não vivenciou aquele momento de felicidade, não comemorou, não viu a festa de seu time. Sem graça, envergonhado, olhou para Doralinda e os filhos e prometeu nunca mais beber.

Jorge Dantas

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

4 Comments

    1. Caros Márcio e Rods,
      só em saber que vocês deram um pouco do seu tempo para ler a crônica, assim como outros amigos, já me lisonjeia e muito.
      Bom saber que uma ou outra palavra sua toca alguém de forma positiva.
      Por isso leio tudo que é pubçicado no Panorama. Só tem fera!
      Abraços

  1. Aê Dantas! Belo texto, almost um poema. Permita-me acrescentar a moral da estória: “Abel Braga adora uma promiscuidade e, por isso, bebe”. 😛

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