Sobre por que a gestão Abad é decepcionante (por Marcelo Savioli)

Amigos, amigas, é uma grande honra poder apresentar meu artigo de estreia no Panorama Tricolor. Trata-se de uma casa que conta com nomes admiráveis.

Recebi o convite do Paulo-Roberto Andel e, apesar de lisonjeado, tive que medir bem a decisão de aceitá-lo. Estive à frente do O´Tricolor.com durante seis anos, que foi o projeto ao qual me dediquei, tentando entregar à torcida do Fluminense uma informação com forte ingrediente interpretativo e analítico. Meu propósito sempre foi além de entregar notícias. Minha busca foi formar tricolores bem informados e com massa crítica para compreender o clube e a conjuntura econômica, financeira, política e esportiva, formar opinião e tomar decisões sobre o futuro do Fluminense Football Club.

Tive que deixar o O´Tricolor.com por uma questão de tempo e qualidade. Na falta do primeiro, a segunda ficou bastante prejudicada. Essa coluna no Panorama é a oportunidade de, dentro do tempo disponível, produzir algo que instrumentalize o meu propósito de sempre, contribuindo com a minha humilde opinião para tentar ajudar o Fluminense a vencer esse difícil momento que vivemos.

Indo ao tema em questão, tenho que reconhecer aqui que a gestão Abad me decepcionou. Sinto-me decepcionado porque foi aquela em torno da qual criei maior expectativa, fosse pela qualidade do debate que antecedeu a eleição de 2016, pela manifesta consciência das partes envolvidas daquilo que precisa ser feito, pelos projetos apresentados, fosse, enfim, pelos primeiros passos que foram dados, apesar das notícias que davam conta dos inúmeros esqueletos deixados pela gestão Peter Siemsen.

O que eu sempre digo é que em política o ponto de partida para qualquer ação, análise ou decisão é aquilo que nós acreditamos individualmente. Eu tenho a minha própria visão de Fluminense e venho lutando por ela há anos, mas não é disso que eu quero falar, pelo menos não por ora.

O que eu quero tratar aqui é a relação entre expectativa e avaliação, aproveitando esse fio condutor para analisar a história recente do Fluminense. A nossa guia será a minha visão, a minha expectativa perante essa visão e a minha análise de três períodos recentes: primeira gestão Peter Siemsen, segunda gestão Peter Siemsen e gestão Abad.

Primeira Gestão Peter Siemsen

Eu sempre digo que é preciso que nós tenhamos a nossa visão daquilo que queremos mudar, mas é preciso que tenhamos também uma percepção correta daquilo que nós é oferecido.

Durante a eleição de 2010, eu participei intensamente da cobertura política, por meio do Fluminense & Etc, com direito até a debate eleitoral. Foram duas entrevistas e outras conversas com Peter Siemsen, ao final das quais eu tinha uma ideia clara do que um mandato de Siemsen representaria para o Fluminense.

As promessas de Peter estavam bem claras: equacionamento da dívida, revitalização e um projeto para Xerém, internacionalização da marca, democratização do clube, criação de um departamento e políticas de marketing efetivas, ampliação das receitas com sócios, revitalização da sala de troféus, adoção de mecanismos mais modernos de controle administrativo e construção do CT.

Faltava nisso tudo três aspectos estratégicos principais: construção de um estádio alternativo, com a marca Fluminense, profissionalização da gestão e modernização de metodologias e gestão do futebol profissional. Eu não posso, no entanto, reclamar que Peter não tenha atendido a essas três premissas, porque ele não prometeu, não estava em seu programa de governo.

O que eu poderia cobrar de Peter era a construção do CT, mas era nítido que isso não aconteceria no primeiro mandato. Quanto às demais promessas, eu pude constatar pessoalmente cada ponto. Peter cumpriu praticamente tudo que prometeu. Recolocou o Fluminense no Ato Trabalhista, encaminhou o parcelamento da dívida fiscal, revitalizou Xerém, melhorou os métodos administrativos, criou um belo museu do Fluminense, fez um bom trabalho de internacionalização da marca, lançou novos programas de sócio, aumentando as receitas, democratizou o clube do ponto de vista da participação do torcedor, posicionou a marca Fluminense – “Nós somos a história” – e, de quebra, conseguiu um excelente contrato com o Consórcio Maracanã.

Segunda Gestão Peter Siemsen

Quem me acompanha deve ter percebido minha insatisfação com o processo eleitoral de 2013. Peter acabou praticamente aclamado após um processo eleitoral quase sem disputa. O pior de tudo, no entanto, é que, além de não ter tido disputa, não houve debate sobre o que o Fluminense precisava para os próximos anos, sobretudo num momento em que éramos ameaçados pela súbita fragilidade da parceria com a Unimed e o projeto de espanholização do futebol brasileiro comandado pelas Organizações Globo.

Peter assumiu dois compromissos no segundo mandato: construir o CT e ajudar na reorganização política do futebol brasileiro. Sobre a reorganização política do futebol brasileiro, acho que não preciso acrescentar nada. Foram muitas ações que redundaram em praticamente nada. Quanto ao CT, temos, até Deus sabe quando, uma estrutura construída pela metade.

A minha ilusão era de que se investisse na profissionalização da gestão do clube, mas isso ficou só na doce ilusão. Aliás, antes houvesse ficado. O que se sucedeu foi uma série de políticas, que não tinham qualquer integração umas com as outras. O contrato com o Maracanã foi sendo progressivamente destruído até chegar ao que temos no presente. A reorganização da dívida ruiu ante uma gestão absolutamente temerária, sobretudo após o fim da parceria com a Unimed.

Quando houve o fim da parceria com a Unimed, tínhamos a expectativa de que finalmente, sem a dinheirama correndo solta, houvesse um investimento na qualificação da gestão do futebol. O que vimos foi uma sequência de desatinos.

Ainda que ninguém esperasse um salto do clube em termos de gestão, o segundo mandato de Peter conseguiu a proeza de ter três vice-presidentes de marketing e a pasta de finanças ficar desocupada por mais de um ano.

Em outras palavras, uma verdadeira anarquia, cujos piores desatinos só viríamos a conhecer após o fim de seu mandato. Aliás, analisando o saldo das duas gestões Peter Siemsen, podemos dizer que o Fluminense foi deixado pior do que tinha sido encontrado. Ainda que muito do que foi conquistado no primeiro mandato tenha sido preservado, o desastre financeiro que foi deixado supera qualquer mérito, ainda que não se possa suprimi-los da análise.

Gestão Pedro Abad

Abad prometeu investir na profissionalização do futebol e na integração conceitual e metodológica entre Xerém e o futebol profissional. Prometeu adotar uma política financeira austera, investir na construção de um estádio e aproveitar mais a base no time principal.

Vou logo adiantando que eu não votei na última eleição e eu não teria votado nessa proposta. Tudo que está aí é muito importante, mas não chega à metade do que o Fluminense precisa. O Fluminense precisa de um planejamento estratégico, precisa ser profissionalizado, ter uma gestão moderna e um projeto econômico arrojado, que seja atrelado a políticas de Marketing agressivas. Tudo isso só é possível com profissionais capacitados e experimentados no comando do clube.

No entanto, Abad se uniu ao grupo de Cacá Cardoso, que já se associara ao grupo que vinha com Pedro Trengrouse, que propunham exatamente essa transformação que eu tanto almejava. Daí surge a grande expectativa com relação à gestão Abad, sobretudo quando vi os primeiros movimentos, com a contratação da Ernst & Young, a divulgação do projeto do fundo de investimentos e a contratação de profissionais de mercado para as diversas funções de direção no clube.

Passados quase dois anos, a única coisa que temos na gestão Abad é a austeridade financeira, à qual não se pode sequer atribuir algum mérito, porque era uma questão de vida ou morte. Todos que defendiam a modernização da gestão do clube o abandonaram e o que sobrou foi um pensamento medíocre, que consiste em reduzir ao máximo as despesas (com o que, por falta de outras opções, eu concordo) e vender jogadores por valores depreciados para pagar dívidas. As promessas de modernização do futebol profissional ficaram pelo caminho. A integração de Xerém ao futebol profissional a nada mais atende que aos anseios comerciais. Enquanto o Sub-17 pratica um estilo de jogo, o Sub-20 pratica outro e o profissional não pratica nenhum, porque aquilo que vimos em 2018 não é futebol.

Eu vou parar por aqui, porque teremos a oportunidade de analisar muito do que foi falado aqui de forma mais individual e aprofundada, sobretudo a questão do futebol. No próximo artigo, pretendo falar especificamente sobre o futebol com Fernando Diniz e a atual política de vendas e contratações.

Para concluir, reitero o meu agradecimento ao Paulo e a toda a equipe do Panorama pelo convite. Tenho certeza de que estarei muito tempo por aqui, caso não seja despejado, claro. É uma grande honra poder estar entre gigantes.

Saudações Tricolores!

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

1 Comments

  1. Uma análise muito inteligente.
    Seja bem-vindo ao Panorama. O canal ganha muito com sua presença.
    Saudações tricolores,

    Ernesto Xavier

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