Só nos resta viver, Fluminense (por Paulo-Roberto Andel)

Tive uma boa sexta-feira, não posso reclamar. Encontrei velhos amigos, almoçamos bem, voltei para casa, descansei, fiz lives e dormi subitamente. Dormi bem, aliás, como raramente tem acontecido.

Acordei e vi que meu amigo Leo Moretti já está no Maracanã.

Agora são oito e meia de sábado, o dia da grande decisão. Parece um domingo de antigamente. Então volto a mais de quarenta anos e me lembro da aflição que era minha expectativa por um jogo do Fluminense no Maracanã. Eu fazia as compras da padaria, frios, leite, pão e todos os jornais possíveis. A manhã toda se passava e meu pai não dizia uma palavra sobre o Maracanã.

Um bom presságio era quando ele pedia para que, mais tarde, eu fosse comprar lasanha na Trattoria Torna da Anita Garibaldi para almoçarmos. Era um ótimo sinal que invariavelmente confirmava o melhor do dia, uma ou duas horas depois: “Paulo, tome banho pra gente comer e ir ao jogo”. Eu quase tremia só de imaginar a chegada ao Maracanã, a torcida caminhando a partir da Praça da Bandeira, os trens abarrotados de gente tricolor. Às vezes nem era tão cheio mas não importava, porque o sentimento era o mesmo. Só de pensar em subir na rampa e ver as salas das torcidas, as bandeiras, imaginar a nuvem espessa de pó de arroz… Tudo era Fluminense.

O tempo, senhor implacável, transformou todas as vivências em lembranças, de modo que agora estou aqui como uma testemunha, o sobrevivente, o torcedor solitário. Quarenta anos talvez sejam muito pouco para a história, mas são o bastante para uma pessoa. De toda forma, aquela aflição pelo jogo jamais mudou. Era o Fluminense, era o amor. Já se foram mais de dois mil finais de semana e o sentimento permanece. De lá para cá, o Flu conquistou vitórias e títulos colossais, perdeu outros, enfim viveu. E hoje, num sábado em vez do domingo, mas no inesquecível horário de cinco da tarde, o Fluminense volta a campo para uma missão arrebatadora: conquistar o único título que falta em sua enorme galeria de troféus, quinze anos depois da primeira oportunidade.

Então me abstraio, volto a ter doze anos de idade e sonho com o escudo do Fluminense piscando e se repetindo no velho e maravilhoso placar de lâmpadas, com o mar de bandeiras tricolores e o time entrando em campo todo de branco. Paulo Goulart, Edevaldo, Tadeu, Edinho – ídolo maior! – e Rubens Galaxe; Deley, Gilberto e Mário; Robertinho, Cláudio Adão e Zezé. À beira do campo, Nelsinho. E aquilo que eu carregava comigo nunca mais me deixou.

Futebol é risco e tudo pode acontecer. É preciso estar sempre pronto para tudo. Mas acontece que, quando vem uma grande decisão, eu sempre volto a ter doze anos de idade e o meu time vence tudo, tudo. É quando o homem maduro cede a vez ao garoto que só pensa em subir a rampa do Maracanã e gritar “Nenseeeeee!” como nunca antes. E esse jogo significa muito, muito, para centenas de milhares de garotos ricos ou pobres, todos apaixonados pelo Fluzão. O Fluminense hoje está no carro de luxo e na gare, no metrô e no caminhão, nas vielas populares e nas alamedas sofisticadas, ou seja, por toda parte.

Assim sendo, caros amigos, para quem já viu o Fluminense derrotar (muito) o Flamengo de Zico, o Vasco de Roberto, o Corinthians de Sócrates e mais escretes fabulosos de Cruzeiro e Atlético, de Grêmio e Internacional, de São Paulo e Palmeiras, mais o grande Santos e tantas outras respeitáveis agremiações, que me desculpem por ora, mas não há adversário que não possa ser vencido pelas três cores da glória eterna. Em brilhante achado do nosso amigo Marcelo Diniz, o que buscamos neste sábado é a paz eterna, que nos foi tirada desde a injustiça de 2008, mesmo que depois tenhamos feito jornadas fantásticas e vitoriosas. Só nos resta viver tudo logo mais em busca da paz, e é o que todos faremos.

Boa sorte a todos os tricolores do mundo.

Agora, eu vou pedir licença a vocês porque, em algum lugar que não sei explicar, meu pai está dizendo para descer e comprar a lasanha. É um bom presságio. É o melhor de todos os presságios.

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Em memória de Paulo Anchieta Goulart (1955-2023) e Antônio José Gouveia (Zezé, 1957-2008), ícones do maravilhoso Fluminense campeão carioca de 1980.

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