Só entende quem namora (por Paulo-Roberto Andel)

maos-dadas

Em alguma reunião, convescote ou botecada dos anos 50 ou 60, dois gigantes das letras brasileiras conversam sobre o amor. Mais precisamente Vinicius de Moraes e Rubem Braga, o poeta dos poetas com o cronista dos cronistas:

– Ah, Rubem, é tão bom comer um papo-de-anjo ao lado da mulher amada!

– Você está louco, Vinicius? É muito melhor comer a mulher amada ao lado de um papo-de-anjo!

A mordacidade de Rubem sempre foi implacável. Ninguém conquistaria uma mulher como Tonia Carrero no auge da beleza se não tivesse tal timing. Note-se que Vinicius também foi um conquistador dos maiores, mas perdeu a peleja aqui relatada.

O que mencionei acima tem a ver com o que quero dizer em termos da opção que cada um faz em termos de vivenciar o Fluminense. Temos torcedores de todos os tipos e comportamentos; no entanto, embora nossa turma seja de milhões de pessoas, este ano ainda não conseguimos encher um estádio sequer. Temos potencial para isso, mas não acontece. Sim, existe a televisão, existe o desconforto das distâncias, custos e horários, mas mesmo quando tais fatores não eram relevantes o esvaziamento já existia. Não me cabe “condenar” quem não vai ao estádio até mesmo por preguiça ou acomodação: apenas lamento quem deixe de viver a vida do futebol ao vivo, na pele. É que eu prefiro a mulher amada ao papo-de-anjo. E quando você estiver lendo estas linhas, eu estarei em São Paulo para ver a Pauliceia – ou fazendo de tudo para ir – ou tentando qualquer jeito -, pensar no meu amor de longe em pleno Dia dos Namorados e adentrar o Canindé – tomara! – para ver o meu amor em campo.

Particularmente, desde criança optei por não ser um torcedor de sofá. Sempre quis estar perto, em cima do laço dos acontecimentos. Na minha juventude, nem tinha sofá e televisão, ora! Bom, depois que minha vida mudou e me tornei um escritor de verdade, ir ao estádio ficou ainda mais importante: assim como Joel Silveira e o próprio Rubem Braga foram cronistas na Segunda Guerra Mundial – suma importância -, homens do front, eu busquei também o meu espaço de cronista de futebol assim. A vida em riste, o jogo aos olhos próximos, captar a humanidade em volta. Sinceramente, o tipo de trabalho que tento fazer não é compatível com telões e grandes polegadas, salvo exceções mais do que necessárias.

Outra coisa: o PANORAMA sempre foi, é e será marcado pela pluralidade democrática de opiniões, mas uma coisa é bastante clara: nosso pensamento de equipe é sempre apoiar a presença dos torcedores no estádio haja o que houver. Somos cronistas e torcedores, torcemos para um time grande e time grande tem que ter torcida no estádio. Ponto. Há quem veja diferente, o que é democraticamente aceitável. Entretanto, nossa linha coletiva de trabalho aqui é o torcedor presente no estádio. Time grande sem torcida simplesmente não existe: quem discordar disso, basta apontar um único exemplo. A torcida precisa ser uma cachoeira e não a água de bidê que faz cócegas. Futebol não é Big Brother.

A turma que foi para Macaé merece todo meu respeito e me orgulho de ter estado lá. Foi uma partida memorável, não pela técnica mas pela emoção, pelo âmago da questão. Era o Fluminense de veias abertas e vísceras expostas. Paixão, tesão e medo, até mais uma das viradas inesquecíveis que colecionamos. Ora, ver isso ao vivo não tem preço! Em tempos de internet, há quem prefira ver a namorada na rede social, no bate-papo virtual ou mesmo numa foto digital: minha opção é pelo beijo a dois, pelo toque da pele, pelo carinho, pela paixão à vista, pelo afago e o sexo explícito presencial. Nada contra quem curte viagens solitárias nos campos do amor. Mas do que eu digo só entende quem namora. E namorar de verdade não é apenas tem alguém para chamar de namorado ou namorada. É muito mais do que isso. É SENTIR o frio na barriga só de pensar em quem se ama. Ver, tocar, desejar. Ser incapaz de pensar em outro alguém. Tudo isso fala de vida pessoal mas tem a ver com o que eu penso do Fluminense – e se não fosse assim, não teria completado 35 anos ininterruptos nas arquibancadas. Namorar é mais do que querer o outro, transar com o outro, é muito mais: é ter o outro na saliva, na memória e dentro do peito a cada batida de um coração apaixonado. Nem que seja uma única noite, namorar tem que mexer não só com o corpo e as secreções, mas com a alma. O futebol também.

Torcedores têm todo o direito de ver jogos com seus parentes, familiares, amigos, o que for. Infelizmente eu não tenho essa possibilidade porque meus parentes são falecidos. Aliás, quando meu pai faleceu no dia 21 de maio de 2008, uma hora antes de ver Fluminense 3 x 1 São Paulo pela Libertadores, golaço de Washington, eu optei em não ir ao estádio para ficar ao lado dele e tomei a decisão mais acertada de toda a minha vida – raríssima por sinal em se tratando da decisão que era. Mas na condição de homem maduro, eu sei lidar com as ausências – não teria quinze anos para sempre e, com isso, a presença permanente da família ao lado, uma pena. Ninguém é obrigado a ir ao estádio – e nós, que vamos, não somos obrigados a repartir nossa felicidade com quem não faz questão dela. Ressalte-se: há uma diferença clara entre os torcedores que não PODEM ir e os que fazem QUESTÃO de não ir. Favor não confundir ovo com geleia. Quem não quer, que não vá; se vai perder lições de vida inesquecíveis, aí é problema de cada um.

Volto a Macaé. A torcida aplaudiu Rhayner mesmo depois da expulsão bisonha. Sabem por quê? Simples: o jogo que se vê no estádio não é o mesmo da televisão – esta tem mil câmeras e ângulos diferentes, mas repete as imagens que se quer e quando se quer. Quantos lances de dedicação do Rhayner a torcida da televisão não viu? Vários. Houve quem dissesse que os que aplaudiram Rhayner são burros. Eu devolvo a burrice e atesto: quem o crucificou pela televisão é de uma ignorância atroz, espléndida bandeira desfraldada da mediocridade. Ninguém estava aplaudindo Rhayner por ter sido expulso e infeliz num único lance, mas sim pela dedicação, pelo respeito à camisa, pela compra da nossa briga, por entregar todo o seu suor ao Fluminense – ao contrário de quem não sua em casa nem no sofá e depois resolve encher o saco de quem discorda apenas por não ter nada de importante a dizer. Não preciso lembrar o que foi a catarse depois do gol do garoto Denilson: homens, mulheres e crianças abraçados chorando nas arquibancadas, assim como um dia eu vi a mesma coisa em 1995 e escrevi um livro inteiro por causa de uma cena. Nada paga essa emoção: ver o amor das pessoas brilhando nos olhares depois de um gol do Fluminense. Hoje, nem sabemos se o pentacampeonato será uma realidade ou não; contudo, se vier a ser, será possível depreender que tudo nasceu naquele domingo frio de Macaé à noite, onde tudo parecia tão perdido e o Fluminense mostrou-se redivivo como sempre.

Neste momento meu coração dorme no Rio de paixão. Ah, Dia dos Namorados. Não se fala mais de amor em Gotham City. Estou longe, longe, quatrocentos quilômetros de distância e mil anos-luz do que eu tanto queria. Mas e daí? O meu amor é meu, o que tenho guardado comigo de tão especial e sincero é meu. Alguma coisa há de acontecer no meu coração quando eu cortar as veias da Pauliceia – assim tanto espero! -, as ruas do passado e depois rumar para o velho estádio da Portuguesa – que um dia foi do São Paulo – na marginal Tietê. Para quem ama, quatrocentos quilômetros não são nada, absolutamente nada.

Vinicius de Moraes sabia tudo. Rubem Braga também. Eu fico com o cronista: é muito melhor comer a mulher amada ao lado de um papo-de-anjo.

Melhor ainda: que tal misturar os dois? Ou juntar chocolate com cereja?

Por essas e outras é que eu farei tudo para estar no Canindé.

Ninguém é obrigado a ir e cada um vê como pode ou quer. Mas eu prefiro vivenciar o meu amor ao vivo, ao lado de meus amigos fieis e dos admiráveis maníacos que não medem esforços para viajar, se deslocar, contam tostões suados, tudo em prol desse amor de Fluminense. É como se fôssemos garimpeiros: estamos sempre em busca de uma pequena pepita mesmo quando tudo indica que ela não virá. Não? Só entende quem é maníaco ou perturbado nos degraus de concreto.

Em se tratando de Fluminense, nada é impossível.

Só entende quem namora.

Eu sou assim, você lê como quiser. Já volto.

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

7 Comments

  1. Eu sei que vou te amar, por toda a mnha vida eu vou te amar… A espera de viver ao lado seu, por toda a minha vida! Fluzão meu amor eterno!!

  2. Andel,

    Seu texto vai maravilhosamente bem (como de costume) enquanto envolto na tradicional poesia e a favor da democracia, mas cai num maniqueísmo contraditório quando classifica como ignorante atroz e medíocre quem “não estava lá suando” e discorda da sua opinião nesse caso específico de nosso atacante de 3 pulmões e 1 neurônio. Eu por exemplo discordo por ter opinião própria, e não apenas por não ter nada de importante a dizer.

    Faço esse comentário na verdade por entender e apoiar o discurso pró-estádio, uma vez que passei a vida inteira estando neles para ver o Flu jogar. Mas entendo bem os que atualmente não podem ou simplesmente não conseguem ir em função das dificuldades de viajar 360km e passar 12 ou 13 horas ausente da familia e dos afazeres da vida para ver um jogo de futebol.

    Vou dizer novamente que sou a favor do estádio e inclusive apoio essa campanha, mas não é de hoje que observo que a forma como os amigos defendem essa causa é um tanto exacerbada. As palavras muitas vezes são duras, e o invés do incentivo pela presença, vejo muitas vezes o movimento cair para um discurso de “auto-glorificação” pelo esforço (que eu realmente acho louvável) e até de segregação dos que não estão lá pela “falta de compromisso”. Acredito que criar esse mito (acho que isso está involuntariamente acontecendo) impede que seu público pense melhor a situação, pois isso trava a análise crítica de quem está acompanhando o Panorama por se sentir um tanto “excluído”, como acredito que foi o caso do companheiro de vocês que fez o texto a favor da tv, bem intencionado mas um tanto infeliz.

    Enfim, espero que você(s) entenda(m) meu comentário como uma critica construtiva, pois é realmente apenas o que é. Abraços.

    1. Andel: Betinho, lamento; se você comprou a minha prosa como “maniqueísmo contraditório”, perdeu-se num sofisma barato. Sempre mais cômodo atirar pedras quando não se mostra o próprio telhado, tudo em nome da democracia. Minha prosa nesta casa, com telhado visível, é em primeira pessoa – eu não sou porta-voz de ninguém. Uma leitura mais atenta e menos pontual te ajudará a desfazer o equívoco crasso da exacerbação a respeito de se ir ao estádio. Aqui mesmo: “Houve quem dissesse que os que aplaudiram Rhayner são burros. Eu devolvo a burrice e atesto: quem o crucificou pela televisão é de uma ignorância atroz, espléndida bandeira desfraldada da mediocridade. “. Você cometeu um erro de inferência em sua análise sobre o que eu escrevi, espero que também aceite isso como uma crítica construtiva. Sobre o ex-cronista, nada a declarar. Abraço, ST

      1. Tá bem, mas eu fui um dos que – indiretamente – disse pela televisão que os que aplaudiram Rhayner são burros. Continuo achando isso, e a colocação do texto para mim foi clara de que pela televisão era mais fácil não entender o sentido do apoio, era encher o saco sem suar a camisa.. rs. Mas enfim, tudo bem.

        Pelo menos naquele jogo o resto do time provou que tem dedicação, respeito à camisa, compra da nossa briga e além disso ainda joga bola. Abraços

        1. Andel: Uma pergunta inevitável: o que você vem fazer no site dos burros? Ahahahahahahahahahahahahaha.

  3. Amor é tudo isso e mais… talvez seja por isso, que “cegamente” não enxerguei o que havia por trás das palmas ao Rhayner – a garra dele… por isso critiquei os aplausos da torcida… mas nada como um dia atrás do outro para “clarear as ideias” e poder enxergar as situações por outro prisma.
    Excelente texto para reflexão… “pra variar, né?”
    ST!

  4. Excelente crônica, poeta Paulo Andel! Rsrsrsrs

    Rumo à liderança!

    ST.

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