Será que a SAF vai assumir a dívida do meu clube? (por Wagner Victer)

Outro dia participei de uma áspera discussão em um dos diversos grupos de tricolores que faço parte, onde um dos membros defendia de maneira efusiva, possivelmente pautado pelo que é publicado por uma leitura não integrada ao contexto das Sociedades Anônimas e ate repetido em blogs, lives e sites, de que o novo sistema de Sociedade Anônima de Futebol – SAF, além de “pagar para entrar” na operação, estaria também assumindo as dívidas do Clube antigo que está adquirindo.

Acho até que tenho sido áspero nas respostas e, de forma pouco educada, muitas vezes desqualifiquei com convicção contundente as opiniões que defendiam essas teses. Sem querer utilizar o discurso do atual Presidente do Fluminense, que teria dito que “para entender de futebol é necessário ter dado pelo menos dois treinos”, muitos que analisam tais assuntos da formatação da nova SAF até mesmo sendo advogados, se baseiam em meros prints da nova legislação, porém nunca assinaram sequer um balanço patrimonial e suas demonstrações financeiras, ou mesmo fizeram uma rígida negociação para acertos de balanços e retirada de ressalvas com auditores independentes realmente qualificados.

O nível de desinformação ainda é imenso e a nova legislação da SAF requer um mínimo de vivência no funcionamento de Sociedades Anônimas, assim como na criação de modelos societários que, basicamente como define o próprio artigo primeiro da Lei 14.193/2021, também deve estar em consonância com a Lei das SA (6.404/76).

Alguns, a meu ver, têm uma visão ainda romântica e amadora, alocando o discurso de herdar dívidas baseado no artigo 9. da Lei da SAF, dizendo que após 10 anos a SAF seria solidária em relação aos passivos remanescentes do Clube antigo, caso esse não venha saldar as dívidas durante esse período fixado.

Portanto, a resposta que dou para o título da matéria é: obviamente que não! A SAF não incorporará as dívidas do clube original, que ficam com a instituição antiga, já que muitas dessas SAF’s poderão abrir venda de parte das suas ações no mercado ou então trazer fundos de previdência, teriam que, desde o “ano zero”, começar o provisionamento contábil da eventual solidariedade que poderia acontecer após 10 anos e, claro, essa virtual provisão mereceria ser atualizada de ano em ano diante das eventuais reduções de passivos por pagamentos pelo clube original ou por renegociações. Esse modelo simplista, como querem acreditar claramente, iria “sujar” o balanço inicial de abertura da SAF e, com isso, dificultar qualquer captação de recursos e também afastar investidores.

O compromisso claro portanto da SAF perante o clube antigo é o previsto no artigo 10, incisos I e II. Ou seja, de forma anual, pagar 20% das receitas da SAF, que possivelmente serão relevantes, e 50% dos dividendos, que possivelmente serão muito pequenos nos anos iniciais.

Nessa estratégia, mas sem responsabilidade, a SAF terá de auxiliar o Clube original e enquadrar parte dessas dívidas nos “regimes especiais na Justiça” para pagamentos (cíveis e trabalhistas) que serão feitos a partir dos recursos repassados ao clube antigo. Até para garantir a integridade desses repasses, acredito que será estabelecido pela SAF uma conta em separado, ou chamada “escrow account” para evitar que os valores transferidos sejam utilizados indevidamente pelo clube antigo ou penhorados por terceiros e, com isso, que venham realmente fazer frente aos passivos que ficarão.

Uma outra forma que poderá ser feita, para a aceleração do equacionamento dos passivos que ficam com o clube antigo, seria que em comum acordo as partes façam uma securitização dos valores a serem pagos, especialmente os 20% da receita, a partir de um patamar aceitável e, com isso, antecipar esses valores ao clube antigo pela SAF, que devidamente estará sempre acompanhando o pagamento da dívida, porém sempre mantendo a dívida como responsabilidade única e registrada no balanço do clube antigo.

A melhor constatação para consistência da minha afirmação é que já no primeiro balanço da SAF, e logicamente dos clubes antigos, isso poderá ser plenamente percebido não só por aqueles que ainda acreditam no canto da sereia, mas também pelos que não conhecem muito do tema, pois poderão ver que a dívida estabelecida ficará no clube antigo e não no balanço da SAF, que possivelmente terá apenas registro de acompanhamento no relatório dos acionistas com a informação do trabalho que está sendo feito em conjunto com o clube antigo. Ou seja, o balanço da nova empresa (SAF) não terá dívida incorporada, passivo ou provisões e a dívida ficará irremediavelmente com o clube antigo. A solidariedade do passivo tão esperada portanto será uma mera peça de ficção.

Para aqueles, portanto, que não vivem o dia a dia de uma relação societária podem até acreditar em algo diferente, como aliás muitos acreditam e defendendo com veemência. Um exemplo que em breve poderá ser constatado é o Botafogo, o qual especularam que iria receber 400 milhões pela venda da sua marca, mas tenho a certeza que na prática só receberá cerca de 50 milhões e os outros 350 milhões serão feitos como aporte da operação para a SAF e, mesmo assim, ao longo do tempo e não de forma imediata. Lembro que nesse tema durante o anúncio tinha botafoguense comemorando que tanto o seu clube original iria eliminar suas dívidas como também iria receber 400 milhões, e ainda teriam investimentos significativos de reforços no plantel do clube.

O que é importante entender é que a SAF mão é uma solução mágica! É apenas uma das soluções para salvar os clubes, mas não é a única! Existem outras soluções eficazes baseadas numa boa gestão. O fato é que, para alguns clubes que se afundaram profundamente, talvez a SAF seja a única saída, como nos casos de Cruzeiro e do Botafogo.

Outro ponto importante é que certamente as novas SAF’s devem ser exigidas a partirem desde já tendo uma empresa de auditoria independente bastante sólida e de confiabilidade, padrão Big Four (PWC, EY, Deloitte e KPMG).

Da mesma forma, devem ter que estabelecer as novas regras de novo Mercado no Brasil, montar um Conselho de Administração de pelo menos cinco participantes, sendo um dos Conselheiros independente para atender o percentual de 20%. Dessas vagas normalmente uma delas seria dada para o clube antigo, tanto do Conselho de Administração quanto no Conselho Fiscal.

É bom destacar que o clube antigo ficará com somente 10% das ações, que realmente é algo inexpressivo do ponto de vista de uma ação societária mais firme, apesar de proporcionar direitos significativos para acionistas minoritários como prevê a Lei 6404/76 e os princípios normalmente adotados e aceitos pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM.

Esse assunto é muito bom de discutir e é muito bom que existam os primeiros clubes como o Botafogo e Cruzeiro que servirão de aprendizado, tanto nos erros como acertos, mas o que tem surgido de “especialistas” no tema e que estão distantes da realidade de como se tramita ações como essa é uma loucura, e isso está acirrando bastante os ânimos nos grupos onde o futebol é discutido e nas lives.

A boa notícia que trago aos torcedores do Botafogo é que soube que meu grande amigo e especialista em direito societário, Dr. Francisco Müssnich, está ajudando na negociação pelo lado do Botafogo antigo. Isso é uma grande garantia para a torcida do Botafogo já que o amigo Chico é um dos mais experientes e que mais respeito nessa área de direito societário.

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1 Comments

  1. No seu comentário vc faz crítica dizendo q trata se de um negócio ruim. No final faz salvas a um profissional q fará/participará dos trâmites no Botafogo.

    Esse profissional exaltado por vc ser capaz de fazer apontamento para não realização do negócio? Ele pensa como vc?

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