Pro Helio (por Paulo-Roberto Andel)

EU E HELIO

Eu queria que você estivesse aqui, Helio. Afinal hoje é teu aniversário.

Sei que estaria reclamando porque perdemos o Fla-Flu, jogamos mal o primeiro tempo e seria uma vergonha perdermos para aquela escalação.

Mas era muito importante que você estivesse aqui.

E que dia para ir embora, hein? Logo aquele, um dos maiores jogos de todos os tempos, o gol do Washington de cabeça na Libertadores, você foi embora de fininho. O mundo lá fora gritando de alegria e você dormindo para sempre. Por que não esperou mais um pouco? Uns três ou quatro anos, só para vermos juntos aqueles incríveis desafios de 2008 mesmo e 2009 também. Mais um pouquinho, e dois brasileiros que tanto sonhávamos.

Um dia você me levou a um Fla-Flu. Vários deles. Depois eu comecei a ir sozinho aos Fla-Flus e nunca mais parei. O futebol ganhou minha vida para sempre. E você me deu muitos álbuns de figurinhas, botões, lembranças.

Eu queria que você estivesse aqui.

E que pudéssemos rir na mesma mesa pobre com o luxo da pizza Bella Blu depois de um jogo às cinco da tarde no Maracanã.

E que você falasse de Escurinho, Pinheiro, Castilho, reclamasse do Rubens Galaxe, elogiasse o Edinho.

Não deu tempo de falar porque você foi embora depressa, mas eu já estava escrevendo coisas do Fluminense, tantas que algumas viraram livros, outras vão virar e, sinceramente, quando você deu no pé eu fiquei tão louco que simplesmente nunca mais parei de escrever. Mil e oitocentos dias, não devo ter ficado de folga em vinte. E pensar que eu comecei a escrever sozinho, você e minha mãe se assustaram, depois riram também. Os tempos voam e rugem. Eu nunca mais voltei para casa, nunca mais encontrei minha casa.

Eu queria que você visse como as coisas mudaram para nós, mas uma parte da turma reclama como nunca – não, definitivamente eles não sabem o que é dor. Nenhum deles ficou como você, sem poder andar, sem poder ir ao Maracanã, procurando na televisão a infância perdida com Ademir Menezes, Rodrigues, Telê. Depois, você continuou nesta mesma busca já adulto, eu criança, nós dois entre os verdes contra os cem mil flamengos naqueles 4 x 1 monumentais do Palmeiras em 1979, lembra? E junto com o Campo Grande? O Goytacaz? O América, o Bangu, o Olaria? Tivemos nossos momentos divertidos. Provavelmente foi você quem conduziu o caminho de várias coisas que tenho escrito. Eu não tenho raiva deles de jeito nenhum: às vezes, os sacaneio e com alguma razão.

Pois é, Helio, agora eu sou um homem triste e também feliz às vezes. Faço algumas pessoas felizes, acho. Sei que o que passou jamais voltará. Nunca mais. Não sei o tempo que me resta, nem o que deve ser feito; contudo, tal como você sabe muito bem, eu não quebro facilmente. Certas heranças são inevitáveis. Faço tudo como se uma bomba-relógio estivesse a explodir no meu pescoço em segundos. Não tenho a menor noção de onde isso vai dar e, se cabe a verdade, eu não quero saber, nem olhar para o lado ou para trás. Fico com um de meus poemas preferidos, onde é melhor queimar do que apagar aos poucos. E é o que tenho feito: queimado, queimado.

Parece que eu fiz o que você esperava de alguma forma. Pessoas pelo caminho gostam de falar teu sobrenome Andel quando se trata de alguma conversa barata sobre o Fluminense. Não sei explicar ao certo, não tenho técnicas, não sou um literato: respiro fundo, aperto as teclas e depois vejo o resultado. É muito mais jazz do que qualquer outra coisa. Vem de dentro. Ah, sim, e que para você nunca mais brigasse com a bolinha mãe, coloquei um hífen entre meus dois nomes, pondo fim ao confronto.

A gente nunca falou direito sobre 1995, nem sobre os rebaixamentos, nem a nossa ressurreição e, no momento em que o Fluminense vinha nas alturas, te abateram em pleno voo, não sei dizer quem.

Então me tornei um viajante solitário, nunca mais encontrei minha casa – nunca! – e tenho gasto um bom tempo tentando fotografar o que é o Fluminense, ao menos do jeito que eu vejo. Nenhum tom professoral, nenhuma autoridade imbecilizada e prepotente: vou aos jogos e tento as fotografias com as palavras. É assim que as coisas acontecem. Espero que continuem.

Eu queria que você estivesse aqui para ver o nosso Fluminense.

Amanhã brigamos por uma vaga na segunda fase da Libertadores. Não é sensacional diante de tudo o que passamos?

Não tenho escolha. Irei sozinho. Terei amigos por perto. Algumas mulheres lindas. De alguma forma, você vai estar lá.

Agora eu sou uma bandeirinha do Fluminense nas arquibancadas, daquelas mixurucas, sem importância, mas que também fazem a cor do espetáculo. Uma pequena bandeirinha a tremular na noite de São Januário. Uma dor enorme, que ninguém conhece, e versos que desaguam no mar bravio em plena tempestade.

Eis o seu legado.

Beijo de sempre.

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

9 Comments

  1. Perfeita a analise do Luiz Pereira. Me emocionei com tuas palavras, pois lembrei-me de meu pai que o meu maior admirador quando joguei futebol aqui em Floripa pelo Avai e tb pelo Figueira. Ele se chamava Nelson e estava sempre presente.

  2. Grande Andel,

    Que texto emocionante, do fundo dos sentimentos existentes em seu coração. É impossível não se deixar levar por cada palavra, por cada emoção contida em cada linha.

    No seu último texto ousei discordar de alguns pontos de você (o que é raríssimo). Novamente, terei que discordar de alguns outros pontos, meu amigo.

    Não, você não está sozinho, sem seu saudoso pai. Realmente, não lhe é mais possível compartilhar da presença dele, assim como eu não posso contar com a de minha amada mãe.

    Entretanto, hoje, você tem uma legião de tricolores, de amigos tricolores desconhecidos, de pessoas que te admiram, que aguardam ansiosamente cada novo texto seu, ou mesmo que ficariam felizes em te encontrar nos estádios do Brasil e te dar um abraço.

    Pessoas que aprenderam a valorizar e apreciá-lo, caro Paulo-Roberto Andel, um dos mais novos e excepcional escritores da crônica esportiva segmentada, assim como o excelente João Garcez.

    Não se sinta sozinho neste mundo, pois, somos centenas ou milhares de tricolores que aprenderam a gostar de suas crônicas, de suas análises sempre muito equilibradas e corretas, que nos levanta após um tropeço ou uma péssima atuação de nosso Tricolor.

    É isso aí, meu amigo, hoje você possui uma imensa família Tricolor, que aprendeu a gostar muito de você como grande tricolor e pessoa.

    Um grande abraço, até a vitória à noite contra o perigoso Caracas.

    Luiz

  3. o senhor pode não acreditar, mas seu velho leu este texto e com certeza gostou 🙂
    obrigado por existir e ser este merrrrda! :))
    grande abraço!

  4. Muito legal. Como disse no capítulo de domingo de 1984, sempre que volto ao passado para tratar de Fluminense, encontro com meu pai. Invariavelmente. Pelo visto, você também. Na quinta, você com seu Hélio em SJ e eu com meu Mundico na TV. Parabéns pela carta. Obra-prima.

  5. Que a paz, que a alegria, que o conforto que vem de Deus possa inundar seu coração e conte comigo para o que precisar …

    Um abração nos dois !!!

    Jorand

  6. Parabéns Andel, belíssimo texto, emocionante.

    Off:

    Diego Cavalieri e Jean convocados para amistoso da seleção dia 24/04, pra variar, mesma data de um jogo de competição de clubes, oitavas-de-final da Libertadores.

    Ou o Fluminense se articula para jogar nas duas datas restantes reservadas (01 e 08/05) ou vamos perder muito de nossa força, provavelmente contra o tijuana, lá no méxico.
    E aí, esse excremento de seleção brasileira, que já explodiu meus ovos há muito tempo, pode custar a eliminação do Fluminense na Libertadores.

  7. Andel,

    Dos mais belos textos que já passaram por aqui. O mais emocionante, sem dúvida.

    E tenha certeza de que ele estará lá nas arquibancadas. Quando o Flu precisa, todos estão.

    O Fluminense, mais que alimentar as saudades, faz presente novamente a vida e os sonhos.

    Parabéns pelo texto. E pela história. Amanhã estaremos todos em São Januário!

  8. Com certeza foi um grande homem! Amanhã, estará ao nosso lado nas arquibas diferente deste bando de pela-sacos tricolebas que não irão porque é São Januário! Ui!

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