Por favor, uma sorte ao ponto! (por Mauro Jácome)

 

O Fluminense está com sorte. Sorte de campeão. Joga mal, mas a sorte ajuda e o Fluminense ganha. Abel mexeu mal, mas deu sorte de por o jogador que entrou fez o gol. Sorte para cá, sorte para lá. Mas sorte existe? E o azar?

Não sei se sorte existe. Tem horas que penso que sim; outras, não. Talvez, rotulemos de sorte os fenômenos que não sabemos explicar. Existe mesmo a tal sorte de campeão? Não seria porque aquele que trabalha muito, que tem uma equipe qualificada dentro e fora de campo, que monta as estratégias corretas, que consegue aliar qualidade e competitividade, consegue atingir um estágio de excelência e, assim, os acontecimentos seriam resultado dessa fórmula?

Joga mal, mas a sorte ajuda… Ajuda mesmo? Com o mesmo raciocínio do parágrafo anterior, não seria porque o time atinge um estágio tal que uma, duas ou três situações de jogo bastam para derrubar um adversário perigoso?

Abel mexeu mal, mas o jogador que entrou decidiu. Isso é sorte ou o técnico é visionário? Provavelmente, nem uma coisa, nem outra. Há muitos parâmetros envolvidos numa substituição, num jogo, num campeonato. O técnico vê coisas, mais, sabe de coisas que nós, somente torcedores, nem imaginamos. Erram? Óbvio. Mas se o técnico tivesse feito exatamente o que queríamos, daria certo?

Se a sorte realmente existe, ela pode até dar as caras aqui ou ali, mas não acredito que ela tenha fôlego para jogar trinta e oito partidas. Acho o Fluminense um baita time. Queria ver o time trucidando os adversários, mas não é fácil saber que se tem a responsabilidade do favoritismo. Ainda mais nesse estágio do campeonato. De um lado, parte da mídia, adversários, torcidas rivais, todos torcendo e jogando para te derrubar. De outro, sua própria torcida, seus dirigentes, seus companheiros, esperando que você faça o que eles querem que você faça. Não é fácil.

Às vezes, tento me colocar no lugar de um Fred e me ver entrando em campo, olhando para arquibancadas, parte cheia, parte vazia, e imaginar o que passa na cabeça dele. Saber que há milhões de olhos, espalhados geograficamente por todos os lugares, esperando que você resolva. E ainda, equilibrar isso com o seu próprio consciente, e inconsciente, cobrando o sucesso. Não é fácil.

Penso nas coisas que devem passar na cabeça do Thiago Neves. Chegou depois de vários episódios conturbados. A saída, a ida para um rival, a luta pela sua volta, a desconfiança de parte da torcida, as vaias. “o que posso fazer para convencer, para agradar a todos? Como sair ovacionado de campo?”. As cobranças dos torcedores, da imprensa, dele mesmo. Não é fácil.

Para nós, ao contrário, tudo é fácil, afinal, temos um controle remoto mental que usamos o tempo todo com que tentamos controlar e direcionar o destino. No entanto, o desenrolar dos fatos foge à nossa vontade. Tem vezes que o objetivo final coincide com nossos anseios, mas, mesmo assim, durante o caminho esse controle remoto falha insistentemente. Aquela bola que caiu na marca do pênalti, nos pés do Fred, só ele e o goleiro, não entrou porque o aparelhinho falhou quando apertamos o play. Não adianta insistir, apertar várias vezes, o nosso camisa 9 chutou em cima do goleiro, na trave, na lua. Ou então, no momento em que o Cavallieri está frente a frente com o adversário, se prepara para a defesa, e o controle não responde ao stop.

Enfim, o destino está aí, estava lá atrás, estará ali, mais tarde, amanhã, depois, em dezembro. Campeão? Eu acredito, afinal, todos trabalham, e bem, para isso. E se existe sorte, que seja.

 

UM POUCO DE HISTÓRIA – O que já se escreveu sobre o Fluminense

Folheando o livro do João Saldanha “Meus Amigos”, uma coletânea de crônicas publicadas em diversos jornais (Última Hora, Jornal dos Sports, O Globo, Jornal do Brasil) durante sua carreira de jornalista, encontrei uma que relata o convite que recebeu do então presidente Francisco Horta para ser treinador do Fluminense.

Além de jornalista, para quem não sabe, João Saldanha foi técnico e dirigente do Botafogo de Garrincha, Nilton Santos, Didi & Cia. Depois, foi o responsável pela montagem da maior seleção brasileira que eu vi: a seleção de 70, ou, como era chamada na época, “as Feras do Saldanha”. Diga-se de passagem, tempos em que torcer pela seleção era tão natural quanto torcer pelo time do coração.

No jornalismo esportivo, fez parte de uma geração de ouro, que sabia de futebol na sua essência. Turma que não ficava se apegando a “polêmicas”, e discutindo a periferia do futebol.

Aviso aos Navegantes

Francamente eu não estava tocando no assunto por questões de ética e por discrição. Refiro-me ao noticiário sobre minha ida para o Fluminense como treinador.

Bem, debaixo da fumaça tem fogo. É um velho ditado muito válido. Como muitos sabem, sempre gostei de futebol e grande parte de minha vida esteve sempre intimamente ligada às coisas do futebol. Viagens de vários milhares de milhas, marítimas e terrestres, fiz por minha conta para assistir ao que eu julgava seria um grande jogo de futebol. Na Europa, aqui na América do Sul e por todo o Brasil de todas as maneiras e a qualquer hora. Era só me dar na veneta e eu metia o carro na estrada de barro ou pegava trem ou navio. Raramente avião porque nem sempre tinha lugar a não ser reservado com muita antecedência. E fazia isto porque podia e me aprazia ver bons jogos. Logicamente quando fiquei mais por dentro do futebol, na imprensa e no clube, acompanhei e vi de perto mais jogos da boca do túnel ou de cima da tribuna profissional. Sempre gostei de ver bom futebol. E não escondi meu entusiasmo quando o Fluminense, liderado por seu atual presidente, resolveu mandar brasa e levantar o chocho futebol carioca. O Vasco tinha dado uma de azar com o Tostão e baixou a crista voltando a uma política de encolha.

Botafogo e Flamengo botaram o rabinho entre as pernas e li com tristeza declarações enfáticas dos presidentes destes clubes tais como: “nenhum jogador vale este dinheiro…”. Então o futuro do futebol carioca era bem nebuloso e nada animador.

Por isto saudei e estou saudando com todo o entusiasmo a política do Fluminense em remexer o futebol carioca. Pena que isto não possa atingir mais todo o futebol brasileiro que está cada vez mais longe dos clubes. Pois se estes decidissem, formariam uma Liga que pudesse defender seus interesses e organizar e manter grandes equipes sem ter de vender para pagar a conta do armazém por causa dos jogos políticos e deficitários das Ligas atuais.

Já faz algum tempo, num almoço informal, batemos longo papo com o presidente Horta, do Fluminense, e ele me convidou para técnico do Fluminense. Meus afazeres e compromissos impedem totalmente a aceitação do honroso convite. Prometi ficar na moita e fiquei. Mas o negócio apareceu não sei como e eu fui furado. É isso aí. Sobre o aviso aos navegantes, não há aviso aos navegantes.”

 

Mauro Jácome

Panorama Tricolor/ FluNews

@PanoramaTri

Imagem: cnavp.blogspot.com

Contato: Vitor Franklin

Revisão: Rosa Jácome

2 Comments

  1. Grande João Saldanha, botafoguense aguerrido e também torcedor do Grêmio Portoalegrense (ele tinha um programa de esporte na TV, cuja vinheta era o hino do grêmio assobiado. Eu escutava a canção quando criança e acha linda, sem saber que era o hino do simpático tricolor gaúcho). Não sabia que ele fora convidado pelo Flu, mas teria sido um honra para nós ter um ilustre brasileiro e conhecedor de futebol nos ajudando. Difícil seria nos jogos contra o alvinegro, pois seu coração provavelmente o trairia.
    Bons tempos.
    Saudades da Hebe Camargo, tricolor paulista, grande mulher, grande artista e grande ser humano, que até na morte nos ensinou a viver. Eu sabia pouco sobre ela, mas aprendi neste final de semana o quanto uma pessoa pode ser grande se há generosidade em seu coração.

    1. Gostava muito de ouvir os comentários do Saldanha. No Fla x Flu de 83, daquele gol do Assis, o repórter da Tupi (Ronaldo Castro) entrevistava o Carbone momentos antes do gol, dando por encerrada a fatura. O Carbone respondeu mal-humorado: “O JOGO NÃO ACABOU. AINDA VAMOS GANHAR”. Logo em seguida, o Doalcey narra o gol. Nos comentários de fim de jogo, o Saldanha manda repetir umas dez vezes o lance: a entrevista com o gol em seguida. Ele delirava com aquela coincidência.

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