É o Fluminense mesmo ou é a sede de poder que não pode esperar? (por Marcelo Savioli)

Amigos, amigas, vou tentar ser direto sobre o tema, porque ele parece extenso e cheio de armadilhas.

O presidente Pedro Abad reuniu algumas lideranças políticas do clube para angariar apoio para um projeto de antecipação da transição política marcada para novembro de 2019. Abad convocaria uma Assembleia Geral para propor a mudança de cláusulas do estatuto, de modo a permitir que os sócios do Fluminense, em outra Assembleia Geral, possam, provavelmente em março, eleger um novo presidente, que teria um mandato único de quatro anos.

Abad alega que tal procedimento serviria para pacificar o clube, por meio da eleição de uma nova liderança respaldada pelo voto. Vale aqui lançar a observação, só para começo de conversa, que Abad assumiu a presidência do Fluminense em dezembro de 2016 respaldado pelo voto. Isso não fez, todavia, com que a oposição houvesse respeitado o resultado das urnas, pois a campanha virulenta nas redes sociais teve início no dia seguinte.

A primeira coisa a ser questionada, portanto, nessa decisão é o próprio propósito. Quem garante, afinal, que os derrotados não adotarão a mesma postura nada republicana? Aliás, não seria a própria decisão de Abad uma espécie de rendição aos maus perdedores, só que com um verniz de orgulho preservado?

Tirando essas considerações, uma troca de governo realmente seria uma boa aposta para pacificar o clube. É por essa, não por outra razão, que temos eleições a cada três anos. Não é por outro motivo que temos eleições marcadas para novembro. É para que um presidente legitimado pelo voto da maioria seja substituído por outro em iguais condições. Antecipar a troca de poder em alguns meses, às custas de tantas Assembleias Gerais, é algo que poderia tirar o Fluminense da inércia, substituindo-a por um novo projeto ou por um novo equívoco, só que agora prolongado por mais quatro anos. Tudo isso, em troca de uma paz que pode não durar nem o tempo dos festejos e Assembleias.

Não por outra razão, antes mesmo da reunião convocada por Abad, eu sugeria aqui que o novo presidente saísse da aclamação de uma chapa única, que estivesse subordinada a um projeto em comum, do qual toda a comunidade política do Fluminense fosse signatária.

Por que eu bato tanto nessa tecla? Porque o Fluminense não precisa de um salvador da pátria. O Fluminense precisa de um projeto que o coloque de uma vez por todas no século XXI. Desculpem-me os mais empolgados, mas eu não consigo ver nada além de uma espécie de arranjo político, que eu não sei se terá realmente o Fluminense como beneficiário. Ou vocês ouviram alguém falar de uma agenda em comum definida na tal reunião?

Ora, se eu sou da oposição e o presidente do clube abre as portas para que todos participem de uma reunião para ajudar a mudar os rumos, eu diria a ele que continuasse sentado na sua cadeira presidencial e cumprisse seu mandato.

Como assim? Muito simples. Senhor presidente, nós vamos aqui debater uma agenda mínima para o clube nos próximos onze meses que o senhor se comprometerá a cumprir. Em seguida, nós vamos formular um projeto detalhado para os próximos 20 anos, para o qual todos colaboraremos e com o qual todos nos comprometeremos.

Esse, para mim, seria o papel de líderes responsáveis. Seria o papel do próprio presidente. Seria o caminho de quem tem compromissos com o clube e não com o poder. Só que, em vez de nós termos em questão um projeto, nós teremos um duelo entre duas a três candidaturas, dependendo da conjuntura, cada uma com um projeto diferente. Com o detalhe que não haverá tempo para que esses projetos sejam debatidos. Teremos, portanto, um verdadeiro oba oba eleitoral, com as torcidas virtuais trocando insultos e palavras de ordem.

Tudo bem, nós estamos no Brasil e é assim que as coisas não funcionam mesmo. Mas já que estamos em Bananópolis, por que não passar, também, por cima do Estatuto? Para quer respeitar leis, normas, regras, estatutos e essas baboseiras todas? Não bastasse acabar com a possibilidade de necessário e inadiável debate, a ideia de Abad, para ser viabilizada, terá que mudar as regras do jogo. Vale ressaltar que dependendo de onde e contra quem seja tal tipo de manobra, ela é considerada golpe por alguns. Vale lembrar, também, que em 2013, a mídia quis mudar as regras do jogo para rebaixar o Fluminense.

O Estatuto do Fluminense Football Club diz que qualquer decisão que mude o código eleitoral do clube só terá vigência a partir do mandato subsequente. O objetivo é evitar que se utilize do mecanismo da Assembleia Geral para mudar regras em benefício daqueles que ocupam momentaneamente as posições de poder no clube. Isso é o que o Peter queria fazer em 2016, quando queria mudar a cláusula que obriga o sócio a ter pelo menos 5 anos de contribuição para concorrer à presidência. O objetivo era dar condições a Pedro Antônio de concorrer.

Naquele caso, o objetivo era beneficiar um projeto pessoal. Nesse caso, Abad diz que busca o benefício do clube. Pode ser que, embora não pareça tanto, seja verdade. O que fica difícil explicar é para que tanta mudança para antecipar a eleição em oito meses, suprimindo o debate do processo eleitoral e mudando as regras do jogo. Pior que isso, correndo o risco de tumultuar ainda mais a vida política do Fluminense com eventuais embargos jurídicos.

Acho que todas as questões já estão postas e eu espero que elas tenham ficado claras. O mandato de Abad pertence a ele e é legítimo. Cabe-lhe cumpri-lo até o fim ou, por qualquer razão íntima, renunciar. Que fique claro que eu não estou aqui cobrando renúncia de ninguém. O melhor para o Fluminense, na minha opinião, é que Abad cumpra seu mandato e a oposição se comporte com responsabilidade e maturidade, dando uma trégua e se preparando para apresentar alternativas de poder viáveis para o clube, com muito tempo para debatê-las e ganhar o apoio dos eleitores.

Essa é a melhor alternativa, mas se todos querem tanto “salvar” o Fluminense, que, a começar pelo presidente, comecem a construir um plano para tirar o clube desse atoleiro em que praticamente todos ajudaram a colocá-lo. Comprometam-se todos a seguir um projeto. Unam a torcida em torno dele e comecem a pô-lo em prática lá, independente de quem está controlando a torneirinha.

Eu espero que a torcida do Fluminense não se deixe iludir por manobrar mirabolantes, dotadas de complexidade plástica, mas nenhuma efetividade, que é o mesmo que mudar tudo para deixar tudo como está.

***

Eu tive o prazer de ver jogar com a camisa do Fluminense artistas como Rivelino, Carlos Alberto, Conca, Deco, Fred, Paulo César, Branco, Thiago Silva, Romerito, Assis, Deley, Búfalo Gil e tantos outros. Logo, devo ter alguma autoridade para falar sobre o tema. Gum é um dos grandes da história do Fluminense. Se tivemos um Time de Guerreiros um dia, é porque tivemos Gum. Ter sido duas vezes campeão brasileiro fazendo, em ambas as ocasiões, parte da zaga menos vazada, é algo que desmistifica o produto do senso comum.

Seja lá o que tenha levado ao rompimento, para mim será sempre uma referência. Por onde eu for, direi que eu estive entre aqueles que viram o Guerreiro em combate e que isso é um privilégio para qualquer tricolor.

Saudações Tricolores e feliz Ano Novo a todos!

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

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