Paulo Goulart (por Paulo-Roberto Andel)

Oi, Paulo,

Acabei de te rever depois de tantos anos numa entrevista feita pelo querido Valterson, que tão bem tem cuidado do passado do nosso Fluminense. E é desse Fluminense que eu quero falar: o do passado. O de trinta anos atrás ou mais.

Quando eu era criança, você tinha acabado de subir para os profissionais. E eu lembro que não era mole: afinal, só de goleiros, o Flu tinha Wendel e Renato, craques de seleção brasileira. Isso foi em 1979 e eu ainda estava engasgado com os 4 x 0 que sofremos no Fla-Flu do ano anterior, num Maracanã de muita chuva. Ninguém sabia ao certo, mas aquela garotada da qual você fazia parte – o Edevaldo, Delei, Mário, Robertinho, Zezé – ia fazer história com a nossa camisa, muitas vezes branca, derrubando adversários favoritos e ganhando o título do Rio em 1980 como o perfeito réquiem para o inesquecível tricolor Cartola.

Volto a 1979. Meu pai ainda me puxava pela mão e me dava cachorro-quente. O vendedor de refrigerante parecia um astronauta, todo de branco, capacete, tanque nas costas, super-herói andando de degrau em degrau por entre a multidão apaixonada. Você usava camisa cinza, eu gostava disso. E era diferente de todos os outros jogadores do Flu, pois usava bigode apesar de ainda muito jovem. E te chamavam de Paulinho, Goulart veio depois.

Era o Fla-Flu outra vez. O favorito dos favoritos contra o nada. Assim éramos tidos pelos que comentavam ou escreviam, exceto os lúcidos como Saldanha e Chirol. Nelson, nosso grande Nelson, era nossa muralha de defesa, mas já em sua despedida. Cem mil pessoas em meu sonho de criança no Maracanã, minha realidade no Fla-Flu. Eu tinha medo por causa do jogo anterior, mas meu pai disse para que eu ficasse tranquilo. E então fizemos um grande gol com o Rubens Galaxe, num chutaço. Mais tarde, Pintinho fez outro gol, usando a cabeça e descemos para o vestiário. Ainda continuei preocupado, é que criança nem sempre tem a exata noção das coisas. Na verdade, o jogo era nosso, todo nosso.

Depois, o Fluminense continuou bem. Do outro lado, gritaram como se fosse gol duas vezes: uma quando Zico entrou em campo e outra, quando o árbitro marcou um pênalti contra a gente. Pênalti era gol certo, eu achava, todo mundo. Do outro lado, eles gritavam de um jeito como se já tivessem virado para 3 x 2, do jeito que os vascaínos – merecidamente – fizeram contra a gente sábado passado. Cinquenta mil pessoas comemorando um gol que jamais aconteceria.

Eu lembro que o Zico chutou a bola no canto esquerdo baixo quando ouvi um urro e alguém me jogou para cima: você defendeu a bola para escanteio e todo mundo do time veio te abraçar. Aquele outro lado que era festa virou velório. As nossas cinquenta mil pessoas foram do inferno ao céu. No decorrer dos anos, vi esta cena muitas e muitas vezes, mas a primeira da minha vida foi quando você defendeu aquele pênalti. O jogo poderia ter terminado naquele lance e seria tudo perfeito, mas ainda teve o Cristóvão que, com seu primeiro toque na bola com nossa camisa, deixou o saudoso Manguito no chão, fuzilou o ângulo esquerdo do Cantarele e eu fui a criança mais feliz do mundo naquele estádio. No dia seguinte, meu ídolo João Saldanha escreveu no Jornal do Brasil que o valente foi o Fluminense, que você e o Pintinho foram dois monstros em campo. Depois tomaríamos uma goleada do Botafogo e o ano não terminaria como dos melhores, mas e daí? Meses a seguir, juntando a garotada a Claudio Adão e Gilberto, Edinho já estava, ninguém seria mais campeão do que o Fluminense. E ninguém pegaria mais pênaltis do que você.

Tantos anos se passaram, o Fluminense continuou eterno e com sede de vitórias. Vi na tua entrevista que aquele pênalti foi o momento inesquecível da tua vida.

Queria te dizer o seguinte: eu vi Benedito de Assis fazer os gols apoteóticos, eu vi o Fla-Flu do centenário onde Renato e o teu sucessor Wellerson voaram baixo no maior jogo de todos os tempos. Eu sofri e ri. O inferno da terceira divisão virou a luta pelo pentacampeonato brasileiro que começa daqui a pouco. Eu vi tudo isso e muito mais.

Contudo, num dia, numa noite de domingo de 1979, 14 de outubro, eu fui a criança mais feliz do mundo inteiro – e isso só foi possível porque você foi um monstro do Saldanha, pegou o pênalti que ninguém achava possível e levou o Fluminense ao infinito. E o que se vê quando se é criança fica para sempre, mesmo depois do sempre. Ainda tenho um goleiro de time de botão, feito em madeira, com o teu nome. Foi a minha primeira grande felicidade como torcedor do Fluminense: sair de um Fla-Flu vitorioso, com goleada numa partida inesquecível. Trinta e quatro anos depois, não me esqueço.

Obrigado por tudo, Paulinho. Obrigado, Paulo Goulart.

http://news.google.com/newspapers?nid=0qX8s2k1IRwC&dat=19791015&printsec=frontpage&hl=en

http://www.idolostricolores.com.br/node/104

http://www.youtube.com/watch?v=IvwCWUkRnQ8

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

7 Comments

  1. “Paulinho” foi o goleiro da Maquininha bicampeão carioca de juvenis (a categoria juniores ainda não havia sido criada), um timaço dirigdo pelo Pinheiro, que contava ainda com nomes como Edvaldo, Carlinhos (LE), Mário, Robertinho, Gílson, Zezé e no início de 1975, com o Edinho, base do time campeão carioca de 1980, ao qual se juntariam logo nos anos seguintes, Tadeu e Deley. Naquela época a torcida chegava no Maracanã antes das 15 horas, para acompanhar o primeiro espetáculo, com o segundo começando às 17horas! Criações de Pinheiro pouco lembradas na atualidade, ele que é um dos símbolos do Fluminense!

  2. Seus textos são sempre sensacionais!
    Tu me emocionastes, cara!
    Eu, que nesse referido jogo, tinha apenas alguns meses de vida.
    Tomara que o nosso grande Paulinho Goulart, leia essa belíssima homenagem!
    Pra cima do huachipato!
    ST4!

  3. Nas peladas de minha infância, no bairro de Olaria, subúrbio do meu querido RJ, apesar de meu grande talento com a bola nos pés, também gostava de agarrar. E sempre fatasiava que era o Paulo, nessa época o Goulart e mais um pouco a frente, o Vítor. Saudades…

  4. Quase quebrei a cabeça ao pular para comemorar um penalti defendido pelo Paulo Goulart contra o Vasco. Bati com a cabeça na mesa comemorando. hauhuaua

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