Para embalar de vez (por Mauro Jácome)

100 - 01102013 - Para embalar de vez by . Hoje, um clássico. Quarta-feira? Estranho, muito estranho. Domingo é o dia de clássico. Até a música, que virou hino das torcidas, convoca: “Domingo, eu vou ao Maracanã…”. Óbvio que essa música não foi feita para um jogo comum. O nosso futebol está assim: danem-se os torcedores, a tradição, a arrecadação, os telespectadores. Dane-se a poesia.

No encontro de logo mais, um jogo de dois times que começaram o campeonato de forma oposta e, neste momento, estão em situação oposta da oposta do começo. Entenderam? Sigam em frente. Não tem importância.

O que nos interessa é que o Fluminense de Luxemburgo melhorou muito. As linhas estão mais compactas. O ataque ainda recebe poucas bolas, mas quando chega, Rafael Sóbis tem sido decisivo. Cavalieri é, novamente, goleiro de Seleção. A volta de Jean, mesmo não sendo, ainda, aquela versão de 2012, só de deixar o Diguinho fora do campo, torna-se um grande reforço.

Com relação à forma de jogar, meu amigo historiador-tricolor Alexandre Magno Barreto Berwanger resumiu: “O Fluminense tem que botar correria contra o BFR, que está com a língua de fora. Nada de deixá-los impor o ritmo de ficar tocando a bola, como fizeram contra o CRF pela Copa do Brasil. Sistema defensivo atento e o resto partindo para cima!”

Simples assim. Leia isso Luxemburgo e sejamos felizes!

Um pouco de história

Ao falar de Fluminense versus Botafogo, é impossível não rememorar o histórico jogo de 27 de junho de 1971.  O polêmico, para os botafoguenses, gol de Lula, aos 43 do segundo tempo, rende mais de 40 anos de discussão. E vai chegar aos 100, 200, mil anos, enfim, enquanto houver um ser humano na face da terra. Não há um tricolor que esteja lendo esta coluna que não saiba de cor o que aconteceu naquele dia. Em vez de repetir a repetição da repetição e ficar no eterno “mimimi”, ganhamos mais voltando ao tempo e remontando o cenário da época.

No dia anterior ao jogo, o famoso botafoguense Armando Nogueira descreveu o sentimento das torcidas em relação à grande decisão. A seguir, um trecho da sua coluna “Na Grande Área”, no Jornal do Brasil, em que, nas entrelinhas, mostrou-se preocupado com a mudança do clima de “já ganhou”, que impregnara a atmosfera de General Severiano, para um céu de pesadas nuvens negras enviadas lá das Laranjeiras:

“A facilidade com que o torcedor muda de opinião é simplesmente espantosa: há 20 dias, em cada 10 amantes do futebol, apenas um achava que o botafogo não podia se considerar campeão da cidade; hoje, em cada cinco, no máximo, um acredita em vitória do Botafogo, domingo, na decisão com o Fluminense. De fato, o time do Botafogo vem baixando de rendimento, mas, sinceramente, não o vejo assim condenado na hora da decisão. A verdade é que na partida do título os times se nivelam, pois o pressuposto é de que haverá de lado a lado a mesma determinação de vitória, o mesmo desprendimento. Não é de se esperar que o time do botafogo entre em campo, amanhã, subestimando o adversário. Semelhante pecado ele não está mais em condições de cometer. Custou e pode custar domingo porque se perder o jogo com o Fluminense, o time do botafogo terá perdido um título que não soube conquistar no melhor momento de sua trajetória no campeonato.” JB, 26/06/1971

Na edição do Jornal do Brasil seguinte ao título, Oldemário Touginhó destaca o espírito de decisão do time tricolor e critica a soberba alvinegra:

A vitória da organização

“CAFURINGA dá um passe para oliveira que cruza sobre a área. Marco Antônio pula, jogando-se contra o goleiro Ubirajara, que só consegue tocar de leve na bola. Esta sobra para Lula, que, de perna esquerda, marca o gol da vitória: Fluminense 1 a 0 (…) O Botafogo se desespera com o resultado: jogadores e dirigentes se revoltam contra o juiz que falhou ao deixar de marcar a falta de Marco Antônio. (…) Acontece que não foi o gol de Lula que tirou o título de campeão do botafogo e sim sua desorganizada direção de futebol. O time começou bem o Campeonato, fazendo um primeiro turno excelente, mas logo ao iniciar o segundo turno estava totalmente descontrolado. (…) Por isso mesmo, ainda no Galeão, antes de embarcar para a Suíça, no domingo à noite, Zagalo e Parreira afirmavam que, enquanto o Botafogo brincava de passear de avião, na Esquadrilha da Fumaça, eles estavam correndo o pé nas curvas e ladeiras da Estrada das Paineiras. (…). No Fluminense, o trabalho foi sempre na base do sacrifício. A Comissão Técnica jamais deixou de sonhas com a queda do líder e a possibilidade de, um dia, tentar a decisão do Campeonato jogando com o Botafogo. (…) No Botafogo, as piadas eram o mais importante. A direção achava que a vantagem de pontos em relação ao segundo colocado era suficiente para assegurar o título. Foi assim até a penúltima rodada. (…) Possuir apenas bons jogadores, no entanto, não é o suficiente para se tornar campeão, como pensava a direção do clube. O Fluminense procurou chegar à final lutando com todas as armas: treino individual, conjunto e até tribunais esportivos, quando necessário. É assim que se faz um campeão.” JB, 29/06/1971

O zagueiro Assis relata o sentimento dos jogadores tricolores que estavam dentro de campo naquele dia:

Flu diz no JB que vitória foi sempre esperada

“Em momento algum nós deixamos de acreditar na conquista do gol. Mesmo quando as luzes do estádio foram acesas, mostrando que faltavam apenas cinco minutos, nossa convicçção pela vitória era imensa. (…) cantando para a gente quantos minutos faltavam para o final era Félix, que a toda hora pedia tranquilidade, nas certeza também de que o gol viria.”

A perda de um título considerado como garantido (dias antes da decisão, Paulo César posara com a faixa de campeão) mexeu com a turma de General Severiano e o desespero tomou conta:

Botafogo pede hoje à FCF anulação do jogo com Flu

“O Botafogo entrará hoje à tarde com um ofício na Federação Carioca de Futebol, pedindo a anulação de sua partida contra o Fluminense, quando perdeu de 1 a 0, alegando que houve erro de direito, na arbitragem do Sr. José Marçal Filho. O advogado do Botafogo, Aníbal Fonseca, afirmou ontem, que ‘o juiz estava em cima do lance e não marcou a falta de Marco Antônio porque não quis, pois a fotos provam que ele viu tudo. Marçal não cumpriu as regras do jogo, deixando de apontar a irregularidade ocorrida no gol. Vou provar tudo isso no recurso’.”

FICHA TÉCNICA

FLUMINENSE 1 X 0 BOTAFOGO

Campeonato Carioca – 27 de junho de 1971 – Maracanã

Público: 142.339

Árbitro: José Marçal Filho

Gol: Lula aos 43 minutos do segundo tempo.

Fluminense: Félix; Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; Silveira e Didi (Flávio); Wilton (Cafuringa), Cláudio, Ivair e Lula. Técnico: Zagallo

Botafogo: Ubirajara; Carlos Alberto Torres (Mura), Brito, Osmar e Paulo Henrique; Carlos Roberto e Nei Conceição; Zequinha (Paraguaio), Nilson, Careca e Paulo César Lima. Técnico: Paraguaio

Para finalizar as lembranças de um grande título, nada melhor do que transcrever o depoimento de um torcedor tricolor que esteve presente naquele dia:

“O ano de 71 foi um marco para o Tricolor. Vínhamos da conquista do Brasileiro de 70 e, no Campeonato Carioca, lutando para chegarmos perto do líder Botafogo. Na verdade, a torcida alvinegra só falava na comemoração. Ouvia de seus torcedores que a dúvida era se seriam campeões invictos ou não. Paulo César já tinha posado para a Placar com a faixa de campeão carioca daquele ano. A Sele-fogo era cada vez mais endeusada e as sandálias da humildade Tricolor cada vez mais firmes. Acontece que o Botafogo começou uma sequência de derrotas (cada vitória valia 2 pontos) e empates de última hora; enquanto o Flu, na reta final, só ganhava de seus adversários. Chegou-se à última rodada com o alvinegro a um ponto apenas na nossa frente. Pela manhã, eu e meu avô (minha razão de ser Tricolor) lemos Nelson Rodrigues, que sempre estimulava todos torcedores a ir ao Maracanã apreciar o Flu. Chegando ao estádio, nossa torcida já era maior. Tarzan, o chefe da torcida deles, quis se posicionar no meio campo, a fim de dividir a arquibancada. O que foi em vão, pois a massa Tricolor expulsou os intrusos e tomamos a maior parte daquele setor. O jogo era igual. Defesas de ambos os goleiros e jogadas maravilhosas dos dois times. Ao final, Tarzan gritava é campeão. Olhei para meu avô e falei para irmos embora. Sua sábia resposta ainda hoje ecoa em meus ouvidos: “o jogo ainda não acabou”.  Veio o abençoado gol de Lula, até hoje contestado. Embora eu veja o gol como legal, é bom não se esquecer que, no turno, o Botafogo nos ganhou com um pênalti inexistente. Ironicamente, Zagalo era nosso técnico. O mesmo Zagalo que o Botafogo dispensou no início daquele ano. E deu a volta olímpica conosco. Mais um ano do Flu com um título.” – Marcos Borges, 59 anos. Frequenta o Maracanã desde 1964.

 

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @MauroJacome

Foto: uol.com.br

Fontes: almanaquedabola.com.br e Acervo do Jornal do Brasil

Pré-revisão: Rosa Jácome

6 Comments

  1. (continuação)
    Aí eu me virei para o meu lado e comentei com meu irmão, olhando na direção da torcida deles que comemorava:
    – Será que dessa vez não teremos sorte…?!?!
    Mal comentei, olhei para o campo, mais um ataque nosso, sai o cruzamento e “GOOOOOLL …GOLLLLLL … GOLLLLL
    O jogo acabou e continuávamos a GRITAR e PULAR…e agora era nossa vez:
    “É CAMPEÃO, É CAMPEÃO, É CAMPEÃO”…
    Viagem de volta, voltei rouco para casa, feliz da vida…

    *** Service disabled. Check access key in…

    1. Muito legal, Geraldo. Por isso, sou contra o fim dos estaduais. No entanto, vão morrer se continuarem com a quantidade de times e formatos atuais. Todas as rivalidades brasileiras foram criadas nos estaduais, não no Brasileiro. Por outro lado, esses estaduais insanos matam o calendário. Nem tanto o céu, nem tanto o mar. Não é porque estão mal feitos que devem acabar.

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  2. Sobre a decisão de 1971, saí de Volta Redonda de ônibus junto com meu irmão Ricardo para ir ao jogo. Estávamos animados pois tínhamos visto o inesquecível Fla 2 x 3 Flu de 1969, e depois em 1970 a decisão vitoriosa contra o Galo.
    Ou seja, apesar de todo o favoritismo do Bota, achávamos que seríamos campeões mais uma vez.
    Bem o jogo correu, o tempo passou e lá pelos 40 do final, quando as luzes da arquibancada se acenderam, a torcida do Bota começou a gritar: “É CAMPEÃO, É CAMPEÃO, (continua…

  3. Muito estranho, um clássico desses, o Clássico Vovô, ter em seu horário uma quarta-feira às 21h00. Ou seja, nem televisionado pela TV aberta poderá ser, já que este horário é dito “nobre” para noveleiros. Um clássico desse, apenas para quem mora no Rio e pode ir ao Maracanã, quem estuda ou trabalha à noite foi esquecido, assim como tricolores e botafoguenses que não moram lá, estão fadados aos canais a cabo ou bares, na quarta-feira. Já era pra pai de família sem tv a cabo. Dane-se as…

    1. Isso deveria ser um escândalo e a CBF deveria vir a público se explicar sempre que um clássico desta magnitude fosse marcado para o meio de semana. Hoje também tem Santos e São Paulo, mas na Vila Belmiro é explicável, porque o máximo de torcedores que o estádio comporta é 20.000, e olhe lá!

  4. A torcida do Botafogo ficou na sua bandeirinha de córner.
    Mais de 70% dos mais de 160.000 presentes (não escrevipagantes) eram tricolores!

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