Paixão mútua (por Ernesto Xavier)

CriançaEra um domingo de agosto, fazia frio pela manhã e a família estava reunida na mesa. A mãe foi à cozinha fritar ovos, que levavam o cheiro até a sala. O pai com o jornal nas mãos era observado pelo garoto de 10 anos, que vez ou outra se distraía com um boneco que tinha ganhado de presente um mês antes em seu aniversário. A irmã mais nova, com seus 7 anos ainda tentava acordar o corpo cheio de sono. Não gostava de acordar cedo.

Aquela era a preparação para um dia feliz, diferente. O garoto comeu rápido, como se quisesse passar logo a uma etapa adiante e que se alimentar era apenas uma obrigação chata o qual queria se livrar o mais rápido possível. A irmã aos poucos acordava. Se sujou um pouco com o iogurte por displicência. O pai e a mãe perguntavam a eles como tinha sido no cinema no dia anterior com a família do vizinho, cujo filho estudava com Gabriel, o garoto. Tinham se divertido demais. Os pais haviam aproveitado os raros momentos sozinhos para namorar um pouco. O tempo passava e ainda se sentiam os adolescentes de tantos anos atrás.

Naquela tarde partiram juntos ao Maracanã. Estacionaram o carro no Nova América, compraram sorvete para as crianças, uma camisa nova do Fluminense para Júlia, a garota. Gabriel só queria chegar ao estádio. Não se importava com mais nada.

Era uma tarde de dia dos pais. Para eles era o dia da família Oliveira. Estavam juntos e felizes… O que mais importava? O 2 a 0 que se seguiu, com 1 gol em cada tempo, foram os detalhes mais gostosos de um dia tão simples e marcante. O pai se sentia completo no dia dedicado ao “cargo” que ele tinha mais orgulho de ostentar. “Foi um golaço, né pai?”, “Quando a gente volta, pai?”, “O Fluminense é o melhor time, né pai?”.

O pai olhava o álbum com as fotos tiradas naquele dia. Sentia saudade de conseguir carregar as “crianças” no colo. Onze anos depois já não tinha mais essa possibilidade. Era novamente dia dos pais. Na mesa do café somente ele e a mulher. Ainda se amavam como antes. Já não tinham mais crianças. Júlia saíra cedo com o namorado e passaria o dia na casa da família dele. Gabriel estudava em uma universidade em Belo Horizonte e não poderia vir ao Rio, pois teria uma prova importante na manhã seguinte. Pai e filho se falavam quase todos os dias. Geralmente sobre futebol. Era o assunto em comum que mais os agradava.

O Fluminense jogaria naquele dia contra o Cruzeiro, em BH. Com o álbum de fotos recostado sobre as pernas ele olhou para o relógio que marcava 9 horas. Levantou, foi ao quarto, abriu o armário, escolheu uma camisa do time de mangas compridas, já que fazia frio, pegou a chave do carro, a carteira e o celular. Deu um beijo na esposa e saiu.

– Eu te amo, tá? Você vai me entender.

Ela o conhecia como ninguém.

– Me dá 5 minutos? Vou com você.

Pegaram a estrada e algumas horas depois estavam em frente ao apartamento de Gabriel. Buzinaram e ele desceu correndo as escadas como se não os visse há 10 anos.

– Vamos ver o Flu ser campeão? – disse o pai.

– O Fluminense é o melhor time, né pai?

– É sim, filho. Vamos logo porque eu tenho que comprar os ingressos ainda.

Os anos passavam e a satisfação por ser pai continuava a mesma. Eram cúmplices, mas nada os unia mais do que aquela paixão mútua.

Muitas rodadas se seguiram até o final do ano. O Fluminense seria campeão? Talvez. O que importava para eles era amar.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @nestoxavier

Foto: shopmasp.com.br

SPRIT

1 Comments

  1. Nunca tive esses momentos porque nunca morei no Rio, mas consegui me imaginar nas duas situacoes, tanto a do pai como a do filho, otimo texto, Parabens!

Comments are closed.