Os boleiros da minha infância (por Marcus Vinicius Caldeira)

1.

Não me lembro a primeira vez que chutei uma bola de futebol. Mas, lembro-me muito bem das primeiras peladas que joguei. E eu era um fominha como se diz na gíria do futebol.

Morava em um prédio de classe média alta, na Rua Conde de Bonfim depois da Rua Uruguai. Tinha um playground enorme e um belo dia um síndico resolveu fazer uma quadrinha de futebol lá. E gradeou um espaço no play, colocou duas traves e fez as marcações. Estava pronta a nossa Terra Prometida, nossa quadra de pelada a quem apelidamos carinhosamente de Galinheiro.

Tínhamos por volta de dez anos, e jogávamos com 3 na linha e um no gol ou então dupla de praia.

Era muito bom.

2.

Modéstia à parte, quando moleque eu jogava muita bola. Depois quando virei adolescente meu futebol caiu (a bebida acabou com ele; mil risos). Fiquei mais duro, menos veloz, sei lá. Mas, quando moleque era sinistro. No Galinheiro todo mundo era bom de bola, mas se destacavam o tricolor Eduardinho, Marcelo, rubro-negro, e eu.

Tínhamos uma formação imbatível: Carlinhos no gol e na linha, eu, Eduardinho e Andrezinho. A linha toda tricolor e Carlinhos (filho do Seu Arcelino, português dono da Casa Boa Esperança na Tijuca), vascaíno.

A bola era a famosa dente de leite. Só jogávamos com ela. Pelada braba, das boas.

Devo ter feito mais de mil gols no Galinheiro (mil risos). O dia nas férias escolares era assim: às dez começava a primeira sessão de peladas e ia até o meio-dia. Depois. Às 16 horas, começava a segunda sessão de peladas e ia até umas seis e meia. E tinha muita gente ´para jpgar, muita “de fora” como dizíamos na época.

Velhos tempos que não voltam mais.

3.

Minha família era oriunda de Olaria. Eu dividia meu tempo no playground do prédio da Tijuca e na casa com quintal gigante de meu avô e ruas de Olaria. Uma dádiva.

Em Olaria ainda tem a Quadra Azul. Uma bela quadra de futebol de salão. E lá tinha o time do Pichal. Como não era de lá só jogava quando estava lá. E era muito bom fazer parte do time do Pichal. Jogávamos contra as ruas: rua Bela, Nova, Sintra e por aí vai. E tínhamos um uniforme bonito.

O craque era o Wander. Moleque loirinho jogava muita bola e gente boa demais. Fazíamos uma boa dupla e eu me amarrava em jogar com ele.

O subúrbio era ouro para as crianças.

4.

Voltando à Tijuca.

Eduardinho estudava no Colégio São José que era famoso pelo seu campão gramado e pelo seu campeonato de dente de leite com camisas de time de futebol.

Teve um ano que o time dele era o CSA de Alagoas e treinava no campo do Batista (onde eu iria completar meu segundo grau) que era ao lado do nosso prédio.

Ia assistir os treinos e confesso que ficava com inveja. Queria estudar no São José só por conta daquele dente de leite.

5..

Não fui para o São José. Minha mãe era uma obstinada. Cismou que seu filho iria estudar no Colégio São Bento, o melhor colégio do Brasil. Não éramos ricos, mas, meu pai como gerente de informática de uma grande multinacional tinha condições de bancar o colégio. E passei na admissão do São Bento em primeiro lugar disputando com mais de duzentas cabeças umas vinte vagas. Feito que levarei orgulhoso até o dia de minha despedida desse mundo.

O São Bento tinha um campão de terra, seis na linha e um no gol e um campeonato incrível no conselho de classe. Enquanto os pais estavam no conselho havia um campeonato formado entre as turmas pelos melhores de cada turma em cada série. Cada série tinha quatro turmas e digo, todas as turmas formavam grandes equipes.

Demorei a me adaptar no colégio. Muito riquinho elitista, sempre fui meio de esquerda (mil risos). A minha turma era a 51, e o craque era Alex Palma, flamenguista roxo e marrento. O time titular era formado por João, Manoelzinho (filho do grande violinista Manoel da Conceição), Girafa, Cabral (fez o primeiro anúncio do McDonalds no Brasil) e outros que não me lembro. Eu era muito tímido e não tinha vaga nesse time, uma vez que a turma vinha junta desde a primeira série.

Pois bem. Um belo dia, esperando o horário do ônibus, fiquei jogando pelada no campão. Joguei muito aquele dia. João bateu para o Alex e lá estava eu escalado para jogar pela 51 no campeonato do conselho de classe.

O clássico era 51 x 53 e fizemos a final. Na 53, tinha o Estrela e os gêmeos Badin. Jogavam muito. A bola era a Naranjita da Adidas. Oficial da Copa de 82. Para meu azar, fomos para disputa de pênaltis e eu coloquei a minha cobrança na trave e em seguida, Carleto desperdiçou. Perdemos o campeonato naquele conselho e o Alex ficou me enchendo o saco o resto do ano.

6.

Outro esquadrão histórico no São Bento foi da 61 na sexta série. Turma boa demais. Nunca fui tão feliz no São Bento como naquela turma. O craque era o cara que mais vi jogar bola (o outro era o Cavina, que conto mais tarde) quando moleque: José Augusto. Canhoto, sem sacanagem, pegava a bola e não tinha “cristo” que tirasse dele. O que mais gostava nele que diferente do Palma, não era marrento, e jogava mais que este e zoneávamos muito no colégio.

Me lembro da formação até hoje: eu, Marinho (tijucano como eu e o irmão dele era da base do Flamengo, a mesma de Marcelinho, Djalminha e cia), Walfrido (jogava para caralho), Muniz (recém chegado da França), Orelha e Leite. Esse time era imbatível. Fomos campeões em todos os torneios dos conselhos de classe. Todos.

Sinto saudade dessa turma onde quase fomos expulsos do colégio por conta do álbum de figurinhas Ping-Pong da Copa do Mundo de 82.

Sinto saudade mesmo.

7.

Não terminei meus estudos no São Bento. Fui para o Batista que era ao lado da minha casa. Voltei a estudar em colégio misto depois de 5 anos e imagine, um pré-adolescente depois de anos em colégio só convivendo com homem estudar ao lado de meninas, algumas lindas demais… Porra nenhuma, só queria saber de futebol.

O Batista tinha um belo campo de society de seis na linha e um no gol. Jogamos muito ali.

O craque do colégio era o Leonardo Cavina. Jogava muito. Muito mesmo. Gente boa, nunca vi uma pessoa feia de dar dó pegar tanta mulher quanto o cara. Malandro, uma lábia, dançava bem e jogava para caralho.

Tínhamos um time e jogávamos jogos contra pela Tijuca. Era eu, Léo, Perdigão (meu compadre até hoje) e outros que não me lembro. Se o jogo estava apertado a gente dava a bola para o Léo e ele resolvia. Fora de brincadeira. O Santos Anjos era nosso saco de pancada e com pessoal do São José a pancadaria estancava sempre. Léo teve chance de seguir carreira no Flamengo, mas, não queria nada com nada.

Hoje, já partiu desse mundo, cedo demais.

8.

O Batista levava esporte a sério e dava 25% de desconto na mensalidade para quem fizesse parte do time. Ainda tinha o campo gramado do Sheppard com medidas semioficiais para onze jogadores. Eu jogava no time de campo e salão. Já não era mais o craque de outrora e pensava mais em beber cerveja do que qualquer outra coisa. Mas, ali joguei com muita gente boa de bola: Nagib (ele mesmo, o do Manual do Pão Duro, tricolor doente), Rodolfo, Dante, Chico, Dinho, Guedes (excelente ponta direita), Felipe, o Bisnaga, que jogava muito principalmente salão pois tinha dribles curtos mortais e um amigo de turma que tenho contato até hoje, o Carlos Eduardo, o Alf. Esse jogava muito e foi jogar até em Portugal.

Fim.

Grandes recordações de uma de minhas paixões, o futebol. A outra é a música. Jogo pelada até hoje e estou numa encruzilhada. Fraturei a mão numa pelada e como estou tocando firme e forte com o Grupo Cultural Exaltação ao Samba de Enredo, estou pensando em pendurar as chuteiras.

O que será uma grande tristeza. Gosto muito de jogar bola. Fiz isso minha vida inteira.

Pensando bem, não vou conseguir.

Tem uma proteção para as mãos aí?

 

 

 

 

4 Comments

  1. Muito bom! Pensei num parênteses, tipo: era reserva do Nagib no salão e no campo…
    Mas hoje descobri o porquê, eu não bebia…

    1. kkkkk… Boa. Nagib, nunca vou esquecer a gente “tomando emprestado” milho em VItória quando fomos jogar lá. Tempos bons.

  2. Me levou à infância e adolescência. Grandes peladas e imes contras pelo subúrbio do Rio. Joguei até em Olaria num campo atraz do Antigo Paes Mendonça da Brasil.

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