Onde os fracos não têm vez – II (por Paulo-Roberto Andel)

 

David Gilmour, depois de duas horas de concerto, esfola a guitarra num solo lancinante enquanto uma grande tela de transmissão pisca lâmpadas e emite uma forte luz branca. Ao último acorde de “Run like hell”, a canção que por muito tempo fechou os memoráveis concertos do Pink Floyd, acontece uma enorme explosão, um tiro de canhão. Todas as luzes também explodem em branco e apagam-se. A partir de então, o silencio é definitivo e os expectadores vibram com um final de concerto apoteótico. Para meus olhos e ouvidos, esta foi a trilha sonora do jogo tricolor de ontem no Chile, contra o Huachipato, quando aos 21 minutos do segundo tempo Carlinhos cruzou da esquerda, Fred foi Romário como sempre em primoroso passe de peito e Wellington Nem acertou o chute mais forte de sua vida como profissional: uma bomba indefensável para o goleiro Veloso. Com a metade da segunda etapa à frente, ficou claro que o Fluminense não perderia o jogo nem que o inferno congelasse. Os corneteiros da imprensa sentiram ali que o ai-jesus era inevitável: as cornetas viraram potenciais – e dolorosos – supositórios, o que se confirmou ao fim quando Wagner entrou em campo e, com menos de 30 segundos em jogo, acertou chute diagonal da esquerda e confirmou a vitória tricolor. Nenhum Hipoglós  ou pomada erva-de-bicho os redimiria.

Finalmente em 2013 estreamos. A escalação já era um prenúncio: os campeões de 2012 presentes um a um, sem nenhuma invenção de Abel – aliás, com todos os méritos pela virada de ontem. E jogamos um primeiro tempo muito bom, perdendo um caminhão de gols. A máxima do futebol é quase lei: quem não faz, leva. O Fluminense foi muito superior, Fred teria marcado facilmente não fosse um impedimento mal marcado, Nem teve uma chance, duas e a capital, ao chutar na trave com o gol vazio após excelente passe do Neves. Numa jornada em que todos jogavam com regularidade, por ironia quem esteve abaixo do esperado foi Deco – e isso dá uma ideia do poderio tricolor: quantos times do mundo poderiam navegar bem numa partida sem o Luso, craque maior? Pois bem, então o Huachipato achou seu gol no apagar das luzes, única jogada em que ameaçou concretamente, conseguiu a vantagem e todos nós nos sentimos desconfortáveis frente às televisões, rádios, computadores e mandingas – o querido Walace viu tudo de perto. Marcamos com qualidade: Edinho e Jean voaram, Neves fez uma das suas melhores partidas desde o retorno – mesmo que ainda tímida em relação ao passado. Não era justo terminar os 45 minutos com derrota, mas aconteceu. E depois mudou para melhor. Repito: o gol do Huachipato foi um vacilo isolado na partida.

O Vieira foi o anfitrião de sempre, exceto pelo fato de nosso garçom oficial Ivan estar em merecidas férias. Pedimos um filé aperitivo. Luciano parecia preocupado com a segunda etapa quando brinquei: “O Fluminense vira isso fácil” – era uma irônica alusão ao comentário do grande João Saldanha no intervalo de Portugal 5 x 3 Coréia pela Copa do Mundo de 1966. Os lusos tinham o timaço de Eusébio e Coluna, mas tomaram de três dos coreanos. Quando perguntado sobre as chances portuguesas na partida pelo locutor, Saldanha não titubeou: “Portugal vira isso fácil”. Num súbito, Lucio apareceu em grande vibração: descobrimos que somos vizinhos, os prédios bem próximos, ele via o jogo no balcão do bar e veio para o nosso lado – “Lá o pé-frio está muito forte”. Juntos, vimos a virada que sucederia.

Voltamos para a conclusão do jogo sem nenhuma mágoa ou insegurança. O Fluminense parecia melhor ainda do que no primeiro tempo e aí acossou o Huachipato de vez. Um, dois, três lances. Quando Euzébio se contundiu, Abel lembrou dos velhos tempos, mandou a cornetagem às favas, lançou Rhayner no jogo e incendiou o campo com velocidade. Logo em seguida, o golaço de Nem foi um soco no queixo do time chileno, encaminhando o nocaute. E muito antes da virada definitiva já estava escrito que viraríamos o jogo: nossa correria assustava os chilenos que, por sua vez, também ameaçavam em esporádicos contra-ataques. A quinze minutos do fim, Wagner entrou com tudo, marcou 2 x 1, aplicou o nocaute e finalmente jogou como nos tempos de Cruzeiro. Quem percebeu a briga pela bola no lance, com Jean, Nem e o próprio Wagner, viu ali o time que se recusava a perder em 2009, o frio e calculista campeão de 2010 mais o explosivo vitorioso de 2012. Atônito, o Huachipato não tinha forças suficientes para se recuperar; quanto tentou, Cavalieri foi a parede de sempre. Em seguida, tocávamos a bola com nervos de aço e assim foi até o término da partida.

Em futebol, uma semana vale um ano. O time de quarta-feira retrasada, destroçado pela imprensa, mais os rançosos e os escribas patetas, é o mesmo que ontem voltou a ser líder do grupo na Libertadores, onde só os visitantes venceram. O torcedor tem direito de criticar, é mais do que natural. Agora, quem é pago para subverter as coisas do time em estúdios e redações é digno de boicote e risos de pena. Quanto ao tricolor, é o mesmo time que agora vai para a decisão de vaga na Guanabara contra o Vasco. O jogo ruim contra o Grêmio foi colocado em seu devido lugar: o de um acidente de percurso.

A guitarra de Gilmour é lâmina afiada e mortal.

O Fluminense está firme: é líder na Copa Libertadores, onde os fracos não têm vez.

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Contato: Vitor Franklin

4 Comments

  1. Boa crônica, Andel!
    Excelente lembrar sempre, essa banda histórica que foi o pink floyd!
    Eu como roqueiro gostei deveras!
    ST4!

  2. Andel, ontem foi bom de ver o time jogar, achei o melhor jogo do ano! Me deu um pouco de medo no fim da partida, pois os jogadores não trocaram os passes com a devida calma, forçando muito em lançamentos desnecessários. Quase todos os jogadores estiveram bem em campo, o ponto negativo do time fica por conta do lateral Bruno que mais uma vez não acertou nenhum cruzamento, já faz tempo que perdi a esperança nesse jogador, as cores do Flu não combinam com ele ! rsrs

    S.T

  3. Boa Andel,
    É Isso Ai!!

    Só Não Consigo Ficar Tão Tranquilo Quanto Vocês No Fim Do Jogo.
    Carlinhos Não Me Permite.

    Quando Nem E Jean Funcionam, O Time É Outro.

    O Gol Do Huachipato Me Lembrou O 3º Gol Que O Flu Tomou Do Atlético Mineiro No Ano Passado.
    Já Nos Acréscimos, Com A Lateral Livre Para O Adversário Fazer Um Passe Para Dentro Da Área, Onde Um Dos Zagueiros Marcava A Marca Do Pênalti, Esperando A Hora Do Intervalo.

    O Que Importa É Que Ganhamos E Isso Sempre É Ótimo Em Todos Os Aspectos.

    Sds Tricolores,
    Bruno.

    1. Paulo comenta:

      Ô, Bruno, eu ficava tranquilaço naquele sofrimento contra Serra, Villa Nova e Anapolina na série C, não tinha como não ficar tranquilo agora.

      O Fluminense tem a esperança em suas cores.

      Braxxx.

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