O outro Maracanã (por Paulo-Roberto Andel)

MARACA
1Qualquer, mas qualquer jogo mesmo no meio de semana, lá ia eu pela rua Figueiredo Magalhães até a lanchonete Sumol, esquina com Barara Ribeiro. Um hamburguer e um suco, dieta ideal para uma mesada humilde, depois era seguir até a galeria do Cinema Condor, onde havia um ponto de ônibus. Com sorte, Kátia passava por lá e desfilava sua gostosura, nem me olhava – hoje é minha amiga querida, esposa, sócia e parceira de churrascos humorísticos – o que o tempo não faz – é que o tempo não para. Ás vezes Luizinho me acompanhava, noutras era Jorge Pinto. Todos preferiam o ônibus 435, que desce direto pelo túnel de Santa Bárbara, corta caminho e ainda passa em frente à bela e charmosa sede do Fluminense. Nunca me incomodou o 434, com seu trajeto bem mais abrangente e sinuoso – certa vez, foi escolhido via JB o ônibus de percurso mais charmoso do Rio e, pensando bem, a escolha foi justa. Quarenta minutos de caminhada, o sambódromo nem era sambódromo e tinha estruturas tubulares em vez de arquibancadas, “generosamente” cedidas por João Mendes – Brizola acabou com a farra do aluguel permanente. Praça da Bandeira, engarrafamento de sempre. Via-se o Maraca, dava-se a volta pela Turfe Club, ponto em frente à lateral da UERJ – um dia eu ainda vou estudar aí! – e não é que as coisas acontecem? Depois você podia comprar laranja com ou sem casca – esta, mais cara. Em volta do estádio havia bancos de praça onde podia-se descansar antes da abertura dos portões. Sempre uma preliminar: Delei, Delano, Zezé Gomes e Paulinho arrebentavam. Na partida principal, nem sempre. Havia certa crise quando o Fluminense não era campeão num ano, por incrível que pareça.

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Cheguei cedo num domingo à tarde para Fluminense e Bangu, jogo vazio – nos anos 80, a tricolebagem já era uma realidade mesmo sem transmissão da tevê. As torcidas organizadas prepararam um movimento de… greve: não entrar no estádio em protesto contra a má fase do time e a omissão da diretoria. Acontece que cheguei cedo demais, tão cedo que fui o primeiro torcedor a entrar na geral – e um dos únicos, até que o saudoso Zezé da Força Flu veio conversar com os fura-movimento. – Oi, rapaz, tudo bem? Você sabia que a gente está fazendo uma greve? – Sim, Zezé, mas eu vim cedo demais e não tinha ninguém na porta – por isso entrei. – Ah, tudo bem, mas fica de olho porque quarta-feira tem jogo e a greve vai continuar. Me deu um abraço, um sorriso, partiu. Zezé era magro, bem magro, de óculos, sempre perto de Antonio. Tempos em que as torcidas eram respeitadas e tinham até programa na televisão: “Conversa de arquibancada”, originalmente apresentado por Hamilton Bastos e, mais tarde, Denis Miranda (que usava peruca). Seu Armando e Zezé falavam do Fluminense; Luiz Carlos, Amâncio Cézar (um de meus melhores professores na faculdade) eram os vascaínos; Niltinho, pelo Flamengo e o inesquecível Russão pelo Botafogo. Era normal você cumprimentar e ser amigo de torcedores de times rivais. A adidas patrocinava os quatro grandes e ninguém tinha faniquitos por isso. Sim, problemas também, sem dúvida, mas se imaginarmos que a cada clássico eram cento e vinte ou trinta mil pessoas no estádio… Rádio era com Jorge Curi e Waldyr Amaral – Saldanha, Vianna, Kleber, Loureiro. Ainda tinha Garotinho, Apolinho, Denis, Doalcei. Sempre falavam do “garoto do Caramanchão”, Zandonaide, meia vascaíno – só fui entender a brincadeira (séria) vinte anos depois. O apelido foi dado pelo Denis: digamos que aconteceu o “amor que não ousa dizer seu nome” entre um jovem atleta e um jovem repórter chancelado pelo sistema Globo em plena tarde deserta de São Januário. Quem acabou com o troca-troca e botou pra quebrar? Eurico. Nem tudo o que vimos por ai aconteceu só por conta da “ética” e da “moralidade”.

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Torneio dos Campeões de 1982. Enquanto rolava a Copa do Mundo que perderíamos para sempre, os times precisavam jogar para ter renda. Entre um domingo e outro, jogos todos os dias. O ingresso era muito barato. Nossa turma de colégio levava a bola, jogávamos golzinho na geral antes dos jogos – os chinelos eram as traves – ou duas caixas pequenas de leite CCPL. Só clássicos. Num sábado à noite, mais uma vez o Fluminense em má fase, a torcida fez o enterro simbólico do presidente Silvio Kelly (ainda vivo, felizmente) dando a volta na geral. Morri de medo: nunca tinha visto um caixão de perto em minha vida, mesmo que de mentira. Corinthians 1 x 0. A crise continuava: éramos ridicularizados diariamente, circo nas Laranjeiras, futebol de automóveis. Menos de um ano depois, teríamos o melhor time do Brasil.

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Os escoteiros entravam de graça no Maracanã. Houve um Fla-Flu em 1983, o primeiro desde que tínhamos vencido a Taça Guanabara em cima do América e também o primeiro depois da traição imperdoável do treinador Claudio Garcia, craque da nossa camisa: campeão no domingo pelo Flu, comandou o treino da Gávea na segunda. Eu só tinha olhos para Eliane: loura, linda, sempre com Dona Wanda, ultra tricolor, era a única menina que eu conhecia e sabia ser apaixonada por futebol. Fizemos um a zero, eles viraram o jogo e urraram como nunca. Saímos tristes do estádio: era como se a traição de Garcia tivesse sido a vencedora. Ninguém sabia o que Benedito de Assis seria capaz de aprontar no fim do ano.

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Minha entrada no mundo adulto: Vasco 2 x 3 Fluminense, Copa União de 1988. Eles tinham um timaço e eram os melhores do campeonato. Nós vínhamos claudicantes. Dois jogos. O primeiro vencemos por um a zero, gol contra de Zé do Carmo, muito xingado depois por meu amigo Xuru na Pizzaria Bella Blu da Siqueira Campos. Segundo jogo, Maracanã a mil, logo marcamos com Donizete num gol estranho, eles empataram num golaço de Bismarck, sem-pulo depois de passe genial de Roberto. Fim do jogo, Wright marca obstrução dentro da área, dois toques, 20 jogadores perto da trave, o zagueiro Leonardo fez 2 x 1 para eles. Prorrogação. Zé Maria mete 1 x 0. Nosso time cheio de gás, os craques vascaínos extenuados. Washington desce pela esquerda, Acácio sai, um leve toque por cobertura e explodimos. O Flu chegava às semifinais do brasileiro. No dia seguinte, Xuru sentiu a derrota e me chamou para irmos torcer pelo Grêmio contra a Gávea. Pedro Brito foi também. Cuca na cabeça, Grêmio 1 x 0, uma semana de glórias.

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Não tenho a menor dúvida de que o Maracanã ficou lindo de morrer, como diria Ibrahim Sued. E também não tenho dúvidas que este é o segundo Maracanã, a era de 2013 até não sei quando. A primeira, que foi de 1950 até cerca de 2000 e, depois, com o fim da geral em 2005, alijou os menos abonados, os humildes, os engraçados, os que escreviam as linhas do espetáculo nas arquibancadas. Daqui a pouco querem tirar as organizadas. Sessenta mil pessoas batendo palmas em marcha nipônica. As pessoas estão na sala de jantar; estão ocupadas em nascer e morrer. Quem protesta contra um sistema econômico agressivo e estúpido é tido como bandido. A força do nosso futebol estava nos estádios cheios. Sim, o novo Maracanã é lindo mas quem irá ocupá-lo por completo? A massa era de pobres, não há novos-ricos dispostos a tal. Vida que segue torta.

Fomos um Rio.

O Fluminense é o último colocado em público presente.

Fácil perceber quem é o verdadeiro otário nessa história.

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

3 Comments

  1. Boa Andel! Porém, acho que curtiremos o novo Maracanã, pois resistiremos às imposições do mercado.

  2. Texto bem bacana, Paulo.
    Quem viu, o ‘velho maraca’ viu. Quem não viu, só nas imagens de arquivo.
    Veremos como será, o de ‘2013 ‘.
    ST.

  3. Belo texto Andel,

    Esse duelo pelas oitavas da Copa União de 1988 é inesquecível, assim como o golaço de Washington, eles terminaram a fase classificatória muito à frente dos demais clubes, eram os favoritos, só que como de costume (até então), deu Fluminense.

    ST

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