O Fluminense não pode ser ridículo (por Paulo-Roberto Andel)

Eu tinha sete para oito anos em 1976, quando meu pai passou a me levar mais para o Maracanã. Todo mundo me abraçava e me levantava. Os idiotas da objetividade querem me dizer que o meu time ganhou pouco. Quase meio século depois, basta você olhar o poster e entende o que foi o mais emblemático time da história do Fluminense, a Máquina Tricolor. Foi com ele que tivemos a maior média de público da história do clube, mantida até hoje. Foi assim que eu comecei a viver o Fluminense nos últimos 50 anos.

Assim como todos os grandes clubes do mundo, o Tricolor tem façanhas apoteóticas e cicatrizes também. As maiores eu vivi já adulto, com quase 30 anos de idade, num terrível período que ficou em três anos, doeu e passou. O Fluminense vai fazer 120 anos, logo se sabe que aquilo não diz a história do clube.

Muito antes de eu nascer, o Fluminense já era campeão mundial com Castilho, Didi e Telê. Era a outra Máquina avassaladora do fim dos anos 1930, o melhor time do continente. E em fins dos anos 1910, os tricampeões tricolores cativaram o Rio.

Um clube que atravessou mais de um século desafiando definições, montando times humildes que se mostraram imbatíveis, que venceu campeonatos nos últimos minutos das decisões. O clube que sempre causou temor em seu maior rival, especialmente nas mesmas decisões. A seu lado, uma torcida de time grande, acostumada a cobrar e ganhar.

O Fluminense foi assim durante muitas décadas, até que, por uma série de fatores, nos últimos anos se apequenou. Desistiu de sua vocação de mosca na sopa para ser um figurante. Muitas vezes, limitou-se a não ser rebaixado nos últimos tempos. Contratações patéticas foram mostradas como grandes soluções, enquanto as promessas de craques da base foram rifadas por mariolas.

Vivemos tempos de enganação e tristeza. Até o rival, que mal prevaleceu contra nós em decisões, passou a nos esmagar feito paçoca. Por fim, o corte final: só a Libertadores importa, o resto é um lixo. É só rasgar 120 anos de história.

Depois de um campeonato com partidas muito ruins, o Fluminense conseguiu uma daquelas façanhas de antigamente e, embora jamais tivesse se credenciado a disputar o título brasileiro, conseguiu a vaga para a Libertadores 2021. A boa colocação tomou ares de título, por incrível que pareça para um clube que tem muitos títulos de verdade. E então o sonho recomeçou.

Acontece que, apesar de ter um elenco bem menos pior do que o de temporadas anteriores, o Fluminense está longe de ter um time brilhante, favorito. Tem jogadores razoáveis, alguns bons, um ídolo no final da carreira e um veterano com vaga cativa. Mesmo assim, mesmo com evidentes limitações, o time poderia jogar melhor se tivesse um treinador. Se tem, não parece. Não se trata de desrespeito a Roger, jogador com bela história no clube. É apenas a constatação de que o ex-jogador é infinitamente melhor do que o sujeito que fica à beira do campo, gritando loucamente porque não vê as jogadas que não ensaiou ou as alternativas que não treinou. Há seis meses o Fluminense é literalmente um bando em campo, e sua grande façanha até aqui em 2021 foi ganhar do River Plate pós-covid no Monumental, isso dias depois de ter sido surrado pelo Flamengo na final do Carioca. De resto, o que se tem é uma tonelada de teorebas e discussões inúteis sobre peças, opções, alternativas e escalações de um time que, com dez minutos em qualquer partida, parece um bando de desconhecidos que nunca se viram.

Diante disso, é assim que o Fluminense começa a disputar de verdade o título mais improvável de sua história, enfrentando o Barcelona de Guaiaquil pelas quartas de final da Libertadores. Chegar a esse patamar não exigiu o menor esmero técnico e tático do Fluminense, que por sinal inexiste. É montado como um time pequeno, covarde, que se encolhe e espera as reticências para tentar ganhar um jogo, fruto de um treinador extraterrestre e de uma diretoria desalinhada da realidade.

Só os idiotas resolvem escolher quem é “tricolor de verdade” e quem não é. Uma estupidez sem tamanho. Todos os tricolores torcem pelo Fluminense. O que diferencia uns de outros é a noção de grandeza do clube, de sua história e vocação, de sua capacidade. É a diferença de quem já viu o Fluminense gigantesco e de quem comemora quinto lugar – isso dava porrada em 1982. É entender que o Fluminense não pode ser ridículo, porque sua obrigação é a grandiosidade. É entender que o Fluminense não pode ser coadjuvante nem figurante de competição alguma: basta estudar a história do clube minimamente. É entender que camisa, tradição e Ai-Jesus não jogam mais sozinhos, que o tempo passou e que ficamos para trás.

É difícil pensar no que pode mudar em três dias para salvar um trabalho fracassado e trágico como este de Roger. Só resta torcer, mas ninguém pode ser obrigado a ver a indigência técnica do Fluminense na TV e aplaudir. Ninguém é obrigado a fazer coro de idiota. Torcida não é claque. Quem gosta de claque é dirigente. Torcida aplaude e vaia, depende do que for apresentado. Torcedor não é marionete.

O problema maior não é o Barcelona, mas sim o nosso futebol anêmico, insosso, que não faz cosquinhas, que não ameaça ninguém. A cada novo fracasso, desculpas ridículas gravadas em vídeo. Para seguir em frente vamos precisar de mais do que temos visto há meses. Muito mais. Também vale para a Copa do Brasil. No Brasileirão, nossa posição já é crítica e exige providências.

Que a torcida do Fluminense volte a ser o que foi um dia, combativa, atenta e exigente. Isso é fundamental para que a maior camisa do futebol brasileiro não entre em campo vestindo um time pequeno. Repito: o Fluminense não pode ser ridículo, por mais que seu treinador e dirigentes insistam com essa postura exótica. Tanto faz se é num jogo qualquer ou nas quartas de final da Libertadores. O escudo exige respeito.

3 Comments

  1. Muito se fala do gol decisivo do Roger na CB 2007. O que se esquece é que após a cobrança dum escanteio, Adriano Magrão dominou uma bola difícil no lado direito da grande área e acossado por dois marcadores, limpou a jogada e passou pra Roger livre no lado esquerdo, tendo só o goleiro pra deslocar e marcar o gol da vitória. Foi decisivo? Óbvio. Mas foi muito bem pago pra isso, não fez mais que obrigação e turbinou o seu final de carreira com isso. Já o Magrão, não foi valorizado como deveria…

  2. Como sempre, um Paulo Roberto ponderado, objetivo e coroado de emoção. Sou mais velho e vi no final dos 50, e todo 60, um Fluminense vitorioso, combativo e ganhando Taças GB, Cariocas, Rio X São Paulo etc. As Máquinas dos anos 70, 80 e do novo Século. Como dissestes não nos é permitida a vulgaridade. Abraços

  3. …Muito boa a sua crônica, Paulo. Como sempre, um excelente HISTORIADOR.

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