Naquela mesa com Carlinhos (por Edgard FC)

Não está sendo fácil este momento recente da partida do velho Carlos Alberto, o CAAC grafado em caixotes e mais caixotes, por anos a fio nas fileiras do CEASA (central de abastecimento hortifrutigranjeiro), conhecido por muitos como Russo, ou simplesmente Carlinhos, ou ainda, Maluco.

Sim, meu pai foi doravante mais que nada um apaixonado pela vida. Adorava alegrar o ambiente com tiradas e piadas e mais que tudo, um voraz e louco torcedor das três cores que traduzem tradição, o nosso Fluminense, o único Tricolor que importa.

Aos domingos, pós-feira e correndo contra o relógio, chegava em casa, amarrava seus bandeirões, junto a fogos e pó-de-arroz e rumava ao Maracanã, junto a amigos de sangue grená a apoiar, cantar e torcer para, dentre outras equipes, a Máquina Tricolor, contada em verso e prosa por ele a mim, desde que me entendo por gente.

Esses dias, em um golpe de vista, vi meu pai sentado à mesa aqui de casa onde tomávamos café – outra paixão deixada a mim por ele – e falávamos de Fluminense, da vida, das mazelas, alegrias e tudo o mais, ‘naquela mesa ele contava histórias que hoje na memória eu guardo e sei de cor’

Além da Máquina, sempre citou tantos jogadores que admirava, lembrava transversalmente de um tal Luis Artime, que era artilheiro por onde passava, porém no Fluminense de 1972, que acabara de contratar o Gérson (canhotinha de ouro) não conseguiu o mesmo sucesso que obteve em todas as outras equipes que atuou, incluindo os recentes títulos em 1971 pelo Nacional (Uruguay) da Taça Libertadores e Intercontinental (o que forçam ser o mundial).

Também outros jogadores tratados com carinho e orgulho por seu Carlos eram Cafuringa, Romerito, sempre chamado de Don Romero e Rivelino, o Riva. Dizem alguns, meus tios incluídos, que meu pai à época cultivara seu bigode espelhando o craque Roberto Rivelino, que desfilou nos gramados envergando o pavilhão Tricolor. De terno e gravata, com carinho e com afeto.

Porém, por um trauma vivido dentro das fileiras do ‘Maior do Mundo’, uma pedrada que atingira um outro torcedor à sua frente, meu pai se afastou dos estádios, deixou esmorecer esse entusiasmo de idas ao Maraca, passando a acompanhar o Flu desde o radinho, TV e leituras de jornais. Aliás, comecei a ler por intermédio dele, em casa, os jornais que dividíamos todos os dias.

Minha primeira ida ao Maracanã foi, contrariando o velho, em um fatídico dia dos pais, 12 de agosto de 2001 contra o Vitória da Bahia, um bucólico empate em 1 a 1, com um golaço de Yan de fora da área aos 12min para nós, e um empate azedo de Valdson aos 85min, de pênalti esquisito. Foi uma experiência com uma miscelânea de emoções: saí com o coração extremamente revoluteado, mas a conexão com as paixões se acentuou ali.

Tomei para mim como missão de vida levar o velho ao estádio, depois de tantos anos e a superar o trauma que o afastou dessa alegria. Muitas negativas, histórias tergiversadas para fugir do encontro, mas finalmente consegui, infelizmente foi em um dia esquisito para o nosso Fluminense, um FLA x FLU de 2010 pelo Campeonato Carioca, em que demos um banho de futebol no primeiro tempo, marcando 3 a 1, gols de Alan, Conca e Cássio, com Adriano marcando para eles. E no segundo tempo assistimos atônitos e com olhares incrédulos a virada para 5 a 3, com golos de Kleberson, Vagner Love e mais dois de Adriano. Mas o meu foco esteve em estar com meu pai no Maracanã pela primeira vez juntos. Saímos dali renovados e com a certeza de que teríamos melhor sorte no porvir, e tivemos: fomos campeões brasileiros ao final do ano.

Quero terminar com a lembrança dele de querer sempre ver o Fluminense atacando o adversário, peguei dele essa zanga de ver o Fluminense recuado e encolhido. Ele xingava e ficava sempre irritado com essa postura, jamais admitia ver o Tricolor se enclausurando e com medo dos adversários, para seu Carlos o FLU deveria mandar no jogo sempre, fosse matar ou morrer, era o que repetia. E eu concordo.

Vai na luz pai, eu daqui seguirei este legado pelo Fluminense, jamais deixarei de me indignar com as injustiças sociais como você e jamais aceitarei tranquilo ver o nosso FLUMINENSE se adestrar seja por quais interesses que estejam por trás.

“Naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim”.

5 Comments

  1. Edgar bela vivência. Força. A vida é eterno ciclo de términos e inícios.
    A máquina tricolor foi inesquecível.

  2. Texto que me deixou emocionado. Força para continuar seu caminho pela vida. As boas lembranças de seu pai vão alegrar seu coração.

  3. Belo texto generoso e de reconhecimento de vida juntos. Solidarizo-me com sua dor da perda. Um forte abraço, Edgard.

  4. Bela homenagem ao tio Carlinhos, parabéns Edgard!

    Vc foi felizardo por ter seu pai por tanto tempo ao seu lado e tenho certeza que foi tudo muito intenso.

    Te desejo força para seguir em frente.

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