Não vai ter Copa! (por Walace Cestari)

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À primeira vista pode parecer o grito descontente que ecoa em inúmeras manifestações que se sucedem nas cidades brasileiras, mas não. A menos de um mês da Copa do Mundo, o país não está minimamente preparado para receber o evento. Obras e mais obras prometidas viraram – quando não apenas maquetes – canteiros gigantescos de obras, transtornos e abandonos. Assim, não vai ter Copa.

Em que pese a discussão se a realização de uma Copa do Mundo é benéfica ou não ao país, que claramente precisa de investimentos em educação, saúde e infraestrutura básica para seus cidadãos, o fato é que o Brasil candidatou-se a receber o evento. E, obviamente, a razão está mais na propaganda que em qualquer relação custo-benefício.

Vencer a escolha para sediar a Copa do Mundo, especialmente em se tratando do “país do futebol”, gera frutos imediatos na popularidade de qualquer político. Isso explica o porquê que vários prefeitos e governadores se engalfinharem em uma disputa para poder ser uma das cidades-sede. A própria quantidade de sedes foi uma imposição do governo brasileiro à Fifa, que desejava menos deslocamentos das seleções.

Além da visibilidade que traz uma Copa, a possibilidade quase infinita de promessas que podem sem feitas aos eleitores é uma enorme tentação aos políticos nacionais. Assim, não faltaram projetos mirabolantes, reformas geniais e obras fantásticas que foram apresentadas como soluções quase mágicas para problemas como mobilidade urbana, aeroportos, segurança e muitos outros.

Mas a realidade brasileira é dura. Em um misto de incompetência com desonestidade, os projetos foram minguando, as reformas diminuídas e as obras restringindo-se ao essencial para os jogos. Em rota inversa, o orçamento foi inchando, as previsões subindo e os gastos saindo completamente de controle. Necessidades – não só para os brasileiros, mas para turistas estrangeiros – foram deixadas de lado, pois construir estádios era uma prioridade. Afinal, não se faz Copa com hospitais.

E, na grande cara-de-pau que caracteriza o cenário político nacional, os tais investimentos privados desapareciam, dando lugar ao dinheiro público, derramado de forma irresponsável na realização do que se reduziu ao previsto. Estádios de um bilhão de reais em locais onde não há nem sequer equipes de futebol que possam usá-los. As promessas sumiram-se no vazio das trapalhadas e desculpas apresentadas sucessivamente em forma de novos prazos que jamais seriam cumpridos.

Enquanto isso, o tempo, senhor paciente de toda a desgraça, corria contra a imagem do Brasil. Há tempos, houve figuras públicas que imortalizaram o lema “rouba, mas faz”; os políticos da atualidade inauguraram a modalidade “rouba e não faz”. Menos de 50% das obras previstas estão em curso e muitas delas não estarão prontas no momento dos jogos. Uma vergonha brasileira para um mundo inteiro, mas uma vergonha muito maior em relação à sua própria população.

Vidas ceifadas em estádios, desorganização e desculpas. Em São Paulo, o estádio da abertura estará inacabado, com problemas de transmissão e comunicação. Chegar lá também não será fácil, pois as obras de mobilidade não aconteceram e o próprio aeroporto ganhou um novo terminal inaugurado pela metade. No Rio, um superfaturamento de mais de 67 milhões para o estádio que já foi orgulho do carioca.

Cuiabá sofre com problemas viários e seu estádio ainda carece da colocação de oito mil cadeiras. Os brasilienses imaginavam andar em um VLT que jamais saiu do papel, mas veem, na paisagem do Planalto Central, erguer-se o estádio que estourou em três vezes seu orçamento. Em Curitiba, cujo clube local já possuía uma moderna arena, o orçamento incial de 80 milhões saltou para 330 milhões.

O corredor de trânsito da cidade de Recife custou 35% a mais do que o previsto. Em Porto Alegre, das quinze obras iniciadas, apenas seis serão entregues antes do Mundial. O elefante branco de Manaus apresentou problemas logo nos primeiros jogos e vai passar por uma “reforma de acabamento”. Faltam arquibancadas móveis ao estádio de Natal, da mesma forma que faltará o novo terminal do aeroporto de Belo Horizonte. Até o que foi inaugurado não está pronto: prova disso é que algumas estações do novo sistema de ônibus da capital mineira não terão condições de uso na Copa.

No Ceará, as obras do aeroporto só terminam em 2017, uma situação quase igual a que ocorre em Salvador. Na média, mais de dois bilhões por cidade, sem que haja qualquer benefício real percebido pela população. O padrão Fifa, que deveria significar qualidade, virou a desculpa para um assalto sem precedentes ao erário.

Talvez por tudo isso haja um desânimo generalizado na população. Timidamente algumas ruas vão se enfeitando, mas sem qualquer euforia pelo maior evento do futebol que se iniciará em menos de trinta dias. Nós, que gostamos de futebol, assistimos a tudo isso estarrecidos e entristecidos. De repente é como se a culpa fosse nossa, como se houvesse cumplicidade entre nós e os vilipendiadores do patrimônio público.

Gostar de futebol não faz ninguém desejar a fome do próximo, corroborar com os baixos salários pagos aos professores, ou apoiar o sucateamento de nossos hospitais. Sofremos, como toda a população, com as mesmas mazelas. O futebol não pode se prestar nem ao endeusamento político de aproveitadores, nem ser o álibi de ladrões. O futebol não tem culpa da corrupção endêmica que assola o país desde antigos tempos. Ver a Copa não é apoiar o roubo e a incompetência nacional. Resistamos nas arquibancadas – das quais nos roubaram as memórias de infância – ainda que não pareça para muitos resistência.

Que as ruas se encham de protestos, de greves, de cartazes e palavras de ordem. Que as ruas se encham também de torcedores. Que possamos cobrar a responsabilidade de quem é responsável. Que possamos admirar a arte nos pés das maiores estrelas do esporte. Seria assim aqui ou em outro lugar. As vozes se levantam contra a Copa, quando os seus maiores inimigos verdadeiramente vestem terno e gravata e, pelo tanto que roubaram e não fizeram, vamos acabar assistindo o grito de protesto virar realidade: não vai ter Copa.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: baixada.org

2 Comments

  1. Texto realístico com um porém: o dinheiro para a realização das obras de infraestrututa saiu do governo, conforme orçamento; mas para acabamento das arenas, saiu do BNDES. Esse dinheiro deverá ser cobrado futuramente, apesar dos juros subsidiados, tendo em vista que é um dinheiro para prover o desenvolvimento, seja econômico, social ou industrial. Teremos de ficar de olho para impedir anistias outorgadas pelo Congresso Nacional para os clubes proprietários das arenas. ST

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