Na UTI (por Mauro Jácome)

84 - 04082013 - Na UTI

Na UTI

O futebol brasileiro deu entrada na UTI, na sexta-feira, com a goleada imposta, pelo Barcelona, ao Santos. Quando falo de futebol brasileiro, refiro-me ao doméstico, ao praticado pelos clubes. Não ao da Seleção.

O resultado foi humilhante não só para o time paulista, mas para o futebol brasileiro como um todo. Vários outros times daqui passariam por vexame semelhante. Quatro, cinco, seis, talvez, não oito, mas seriam preocupantes do mesmo jeito. Esse é o ponto central.

Em outras oportunidades coloquei que o futebol que o Brasil praticava está na Europa e o que eles jogavam está aqui. Não digo com relação à questão tática, pois nunca fomos exímios estrategistas, mas tecnicamente. Um simples e sintomático exemplo tivemos na última Champions League. Uma das coisas mais combatidas por aqui é o excesso de volantes destruidores. Por lá, os quatro semifinalistas mostraram que já saíram dessa doença e baseiam sua saída de jogo em meio-campistas com qualidade técnica: Schweinsteiger, Xavi/Iniesta, Gudogan, Xabi Alonso/Khedira. Por aqui, Paulinho era uma exceção. Tanto é que já se foi.

A reversão da tendência não é fácil. Ainda mais porque a questão dos volantes é só a ponta do iceberg. À mente vêm outras questões, muitas outras.

Nossas quatro últimas revelações – Neymar, Lucas, Bernard e Paulinho – seguiram atrás do cheiro do dinheiro. Aqui, ficaram como as estrelas do Brasileiro: Fred, Alex, Zé Roberto, Seedorf, Scocco, Juninho Pernambucano, Júlio Batista, Ronaldinho Gaúcho. Complicado, muito complicado.

Os técnicos, receosos de perder o emprego com uma sequência de três, quatro derrotas, montam seus times de forma a, primeiramente, garantir o cargo. Para a maioria não há o “segundamente”, param por aí mesmo. As consequências dentro de campo são nefastas. Fora de campo, nas entrevistas, a empáfia come solta.

Um fator que influenciou na configuração atual foi o crescimento da importância da preparação física nos anos 70. Principalmente, com os resultados nas Copas de 74 e 78. Lá atrás, percebeu-se que o Brasil estava muito aquém no condicionamento físico se comparado ao resto do mundo. E tome exercícios. A tal ponto que, hoje, o Brasil tem uma das melhores preparações físicas do mundo. Por um lado, foi bom, por outro, muitas outras coisas foram deixadas de lado.

A construção de jogadas ofensivas fica a critério da qualidade e da improvisação, tal qual acontecia lá nos anos 50, 60 e 70. Afinal, não era razoável treinar Pelé, Garrincha & Cia nesses aspectos por motivos óbvios. No entanto, os tempos são outros. Hoje, treina-se muito a bola parada de escanteio ou faltas laterais à área, mas fica-se por aí. Para a improvisação, característica forte que marcou o futebol brasileiro, é preciso qualidade técnica, mas estamos em franca decadência. Portanto, a bola aérea cresce em importância a cada dia.

Cadê os batedores de falta? Raro vermos um belo gol de cobrança de falta. Aquela bola que vai lá no ângulo, onde a coruja dorme. Isso é sintoma de falta de qualidade técnica, de pouco ou nenhum treinamento. Os bons batedores na bola não têm tempo, têm que ficar alçando bola na área.

Comemora-se quando a média de público chega aos 20 e poucos mil. No entanto, há tantos fatores a expulsar o torcedor do campo, que os poucos que comparecem podem ser chamados de heróis. Nem carece de exemplos, mas nesta semana tivemos absurdos nos jogos entre Fluminense e Cruzeiro, na quarta, e Botafogo e Vitória, na quinta. Com públicos em torno de 18 mil, muitos torcedores só conseguiram entrar intervalo ou mais tarde. Sem saudosismos, mas nos anos 60, 170 mil pessoas compravam ingressos na hora do jogo e, ao começar, no mínimo, 160 mil já estavam lá dentro. Hoje, temos tecnologia, pode-se comprar pela internet, passar o próprio cartão na roleta, fazer opt-in, pererê-pererá. Profunda contradição. Aqui em Brasília, o Flamengo vem atuando com frequência. Na sexta-feira anterior ao jogo contra o Vasco, numa tomada aérea da TV, a fila para compra de ingresso tinha uma dez pessoas, no máximo. Por outro lado, a fila para a troca de ingresso para quem comprou pela internet era enorme. E pagaram 10 reais a mais por uma tal taxa de conveniência. Vai entender.

Para encerrar a relação de problemas e não transformar isso aqui num muro das lamentações, aponto outro sintoma: o fim da formação de jogadores por times tradicionais. Ainda, times que ganham, sistematicamente, torneios de categorias de base, mas que revelam poucos jogadores de importância no cenário nacional, contrariando o lema de que é mais importante formar do que vencer torneios de base.

Repito que a solução não é fácil, mas tenho certeza de que a chave do sucesso passa, necessariamente, pela união dos clubes brasileiros e pela imposição conjunta de suas legítimas vontades. Não se devem esperar ações das Federações e da CBF. Falta-lhes vontade política, pois são responsáveis, em grande parte, pelo estágio atual do nosso futebol.

Revisão: Rosa Jácome

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Foto: www.globoesporte.com

3 Comments

  1. Concordo, Mauro!
    Foi humilhante não só para os santistas, mas para todos os outros, também.
    O atlético que se prepare, pois o Bayern não perdoa. rsrsrs
    Isso, óbvio, se eles passarem pelas semifinais do mundial.
    ST4!

  2. Isso aí, Mauro! Este “oito a zero” foi uma porrada no horroroso status quo do futebol brasileiro!

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