Na estrada (por Paulo-Roberto Andel)

estrada

O começo

“Sala sem ela tem janela/ inclina em cerca de atenção/ ela vem e ninguém mais bela vem em minha direção”

Minha vida tem sido espalhada pelas estradas do Rio de Janeiro e, em algumas efemérides e pilantragens, pelo Brasil. Tudo começou há muitos anos, quando eu era escoteiro e passei a viajar regularmente por conta dos acampamentos. Depois, fiz muitas trilhas com Ricardo Valença e Leo Prazeres. Desde então, vivo com o sentimento de que preciso voltar regularmente à estrada, sentir o vento cortado pelas janelas do veículo, buscar à vista o que vem depois do horizonte. Por conta dos acontecimentos recentes, o Fluminense tornou-se um time da estrada; assim sendo, persigo-o como um vagabundo iluminado de Kerouac – e procuro na estrada o meu amor e minha vida.

Os amigos fiéis estavam prontos para a partida quando nosso Jota trouxe o ônibus. Num súbito, senti uma tristeza enorme, tão enorme que não caberá nestas linhas e que por ora fica para outra estrada. Mas não era hora de tristeza e sim de estrada, de Fluminense em campo em Volta Redonda contra o Resende. Minha amiga Marô me amparou e trouxe risos. Quando passamos pela UERJ, aí sim tive algum alívio sincero porque lembrei de Luciene Magnani e Martha Rocha, as musas do passado que fizeram Zeh Catalano me chamar de miserável outro dia. Ou lembrar que tantas vezes eu briguei com Caldeira naquele prédio e hoje ele é um querido irmão presente. De toda forma, continuei triste pelo que não cabe falar, mas a estrada e o Fluminense saberiam oferecer o melhor de si.

Aos poucos, a estrada trouxe carinho ao meu coração ainda triste. E pensei em Vale do Sol, Arcozelo, dormir na lama com zero graus na Serra dos Órgãos, Parque de Itatiaia, o fogo de conselho, os caminhos. Ainda sou um escoteiro mesmo sem Deus a me amparar. Agora sou um viajante solitário mesmo com o mundo ao meu redor. Marô falou tantas coisas divertidas e sábias que acabou sendo o melhor entretenimento. E gostei dos jovens leões da Fiel cantando e rindo, Bruno Vargas cantando e rindo, uma pedaço da minha dor solitária ficou felizmente entorpecido, quero dizer, arquivado. Carlinhos fazendo piadas. Os jovens leões como Gabriel, corações que são granadas sem pino como naquele inesquecível gol de Fred no tetracampeonato. Corações cheios de amor e dádivas como o meu, já tão cansado mas desconfiado de tantas estradas pela frente.

O jogo

Nada nos oferece facilidades. E Fred saiu carregado no começo de todos, para tensão geral. Mesmo assim, fomos melhores apesar de não criarmos as melhores chances do primeiro tempo, ainda que existissem. Cavalieri foi uma parede e, quando não chegou a tempo, o travessão foi nosso segundo goleiro. Depois, o jogo ficou decidido no começo da segunda etapa, parecido com a tempestade de Moça Bonita.

Quero dizer que Wagner foi um leão contra o Resende. Com altos e baixos, já tem sido assim desde o fim do ano passado. Ele e Rhayner trouxeram a campo a garra que sempre marcou o Fluminense, às vezes desperdiçada neste 2013. Tendo Edinho e Valencia como tanques de guerra, o time combateu com força. Deixemos Bruno para outra estrada.

Só os medíocres de alma xingaram Rhayner a valer antes. Não é um jogador de gols. É um jogador de alma, de briga, de luta, nosso Marcão a 200 quilômetros por hora. E foi premiado com um grande gol, daqueles que fazem o grito da torcida soar diferente, uma batida seca, o espanto e a fé. Rhayner merecia este gol pelo empenho que vem demonstrando. Os gols têm o cheiro de Fred, de Sobis ou garoto Michael (que veio a campo no lugar do artilheiro-maior e abriu o marcador logo depois da volta dos vestiários). Quando Rhayner disparou pela direita, deixou três para trás e levantou, o menos importante foi cravejar na súmula o gol contra do goleiro Mauro. Era o fim de um jejum, o fim de um tabu, tudo completamente Fluminense aos olhos de Skylab. Com o placar definido, aí perdemos uns seis mil gols como de costume. E, quem diria, Rhayner saiu para dar vez a Deco. O Luso acertou ao menos um passe genial que Sóbis chutou por cima, três ou quatro maravilhosas jogadas de efeito e mostrou que apenas os fãs de Alaércio querem o fim de sua carreira. A noite estava tão boa em campo que até Fábio Braga, substituindo Valencia, quase marcou gol. Até um olé tranquilo.

Nenhuma super-partida, nenhum grande convencimento. Apenas o caminho da humildade que sempre nos marcou – exceto, novamente, os medíocres que primam pelo tom professoral e o gigantismo patético de suas certezas ocas. Ao contrário de quem vê o Botafogo campeão antecipado, eu afirmo: o Fluminense brigará por este título nas próximas semanas. Crescer no momento certo, sem arroubos nem faniquitos. As carpideiras rancorosas estão inconsoláveis.

Minha crença mora num time que ainda não jogou seu melhor futebol e que também mora no essencial: estou do lado dos loucos, dos mal-ouvidos, dos admiráveis maníacos, dos fiéis, daqueles que empenham o amor e o coração como bandeiras nas arquibancadas, daqueles que vivem o Fluminense com a paixão louca do sexo, da carne, do desejo e do amor sereno. Estou do lado dos combatentes daqueles que têm a mesma velha opinião formada sobre tudo, que sabem tudo e, por isso mesmo, não sabem onde têm o nariz. Estou com os tricolores que têm os corações em chamas, corações que queimam ardorosamente em avidez pela surpresa, pelo imprevisível, pelo quase imponderável, pela subversão do óbvio, corações que não esperam a alvorada para dispararem feito canhões do Forte Imbuhy. Tudo isso nos faz pequenas estrelas Vega em mil órbitas, navegando pelas estradas em busca de um grande amor como o Fluminense, mesmo que um coração esteja dilacerado em vão. Eu sou a mosca na sopa dos assépticos grandes analistas de plantão que veem o tricolor como algo menor, que xingam o que não conseguem combater com argúcia, que empenham verdades de aço montadas em alicerces de papel molhado, que se deitam nas verdades ocas incapazes de explicar o desejo incinerante de uma arquibancada tricolor. Na estrada de volta, cada minúscula luz de barraco ou casebre, cada pequena chama, cada colina debaixo da noite profunda, cada plaquinha trouxe-me um sentimento de chegada, um tom lúdico no caminho, como se eu estivesse nos braços esplêndidos da minha amada fiel. Cada pequena chama ardendo numa mensagem de amor ao tricolor, o amor que não se mede, o permanente amor de um poeta por uma bailarina à ribalta, o amor das nossas cores que vestem o concreto das arquibancadas, o amor das noites ao luar perto da fogueira no conselho, o amor que não precisa de explicação e nem mesmo materialidade. Chegamos bem ao Maracanã depois de duas horas – era a estrada.

A noite sem fim

Pedi um bife com arroz e fritas. Depois uma pizza. Queria pesar uma tonelada. Fechamos a conta no restaurante, Marô pegou seu táxi, deixei Carlinhos na porta de casa e, feliz com o Fluminense mas triste com o mundo, andei como um admirável maníaco, um louco varrido, um mal-ouvido sem rumo nem vocação mas apaixonante até para mim mesmo no perigoso caminho da madrugada que vai da São Francisco Xavier à Praça da Bandeira – e até os sofridos moradores das ruas tiveram medo à toa – que louco passaria tranquilamente a pé por ali, sozinho na madrugada e desarmado? – santo homem sem um deus certo e com tanto amor às veias? Vi a madrugada do Maracanã e sonhei com sua volta, sonhei com Assis e Renato, vi o Cefet e pensei na genialidade de Elika e Nelson. Pequenos bandidos bateram continência à toa – sabiam que ali não estava um amador. Eu precisava de Leo ou Caldeira a meu lado mas não os tinha. Então, mais adiante, parei sozinho num botequim dos arredores da praça. Logo conheci duas garotas espetaculares, verdadeiras namoradas de ocasião que jamais iriam tirar qualquer ferida do meu coração. Então rimos à toa, bebemos, falamos besteiras de sedução, acho que beijei alguém com a desimportância que cabe e tivemos alguma felicidade – efêmera como deve ser. O resto é uma senhora bobagem. Depois fui embora e elas riram novamente à mesa. Ana e Cris, talvez. O que importa isso? Quando você ama uma mulher de verdade, nenhuma outra mulher lhe servirá para preencher uma lacuna de dor. Assim, eu quero a estrada, a longa estrada que não termina, a longa estrada que é vizinha do horizonte infinito, eu quero o Fluminense, eu quero o meu amor esparramado numa canção, de tão poema que é.

Agora o dia é luz e cor, as crianças brincam pelas ruas.

Continuo um pouco triste mas penso na próxima vez, na próxima estrada. Não tenho sono nem dor, estou louco para viver, deixar este computador e ver a cor das vielas, o silêncio das calçadas de domingo, a esperança de uma nova semana. O que vem à frente é tão profundo e belo que será uma tragédia caso não troque o papel de sonho por realidade.

“I wanna be yours tonight”

“Se não eu, quem vai fazer você feliz?”

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

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24 Comments

  1. Paulo-Roberto Andel comenta: pessoal, muito obrigado pelo carinho, pela gentileza e pelos elogios bastante exagerados, aliás.

    A caravana não para. As rodas são de aço. A estrada é muito longe do fim 🙂

    Um grande beijo.

  2. Loucura descabida pelo Fluzão! Vitória na presença de amigos só poderia FLUir um texto emocionante como esse. Paulo Andel ídolo!

  3. Adorei, como sempre! Leitura prazerosa!
    Compreendi….(melhor que ninguém) as entrelinhas e os pensamentos do amigo-filho!
    Engraçado que muito antes de ter meus 5 maravilhas, já era chamada de Mãe-Marô!
    Foi muito bom ir ontem com vocês. Teremos vários bis….
    Quem não foi, viu bastante lendo sua crônica, bj

  4. Chover no molhado !!! Sim, falar dos teus textos e exatamente isso, mas desta vez teve um algo a mais, mostrando o lado oculto e sombrio da solidão, mesmo estando cercado de amigos. Paulo, um barato saber que és saudosista como teu amigo aqui. Vou te contar uma história bem rapido, conheci uma vez um mendigo, muito gente boa que vivia sozinho por mais de 20 anos, lhe perguntei sobre a solidão e ele me respondeu que era fiel a ele, ao contrario das mulheres que teve e lhe fizeram sofrer por diversos motivos, a solidão era sua companhia predileta, algumas vezes sua mudez incomodava, mas era feliz assim. Indaguei se ainda gostaria de conhecer alguma mulher e refazer sua vida. A resposta veio na ponta da língua, claro que sim, mas nao vivo para ninguém, vivo a vida e sua essencia e sei que um dia vou encontrar uma alpercata, mesmo que seja velha e enrugadinha, mas jamais vou abandonar, mesmo por algumas horas a minha amada solidão, pois e extremamente necessário para valorizarmos mais as boas companhias que encontramos…

  5. Grande Andel,

    Desta vez exagerou na beleza do texto.

    Parabéns, amigo.

    Espero que nosso time esteja, finalmente, encontrando o caminho do bom futebol, de garra, de luta, de esperança. De Guerreiros!

    Ainda que os títulos não venham, a entrega e a determinação nos enchem de orgulho e prazer de gritar nas arquibancadas.

    Acho que os ventos começaram a soprar favoravelmente.

    ST, Luiz.

  6. Fred, Thiago Neves, Wellington Nem, Rhayner, Diguinho, Valencia, Wellington Silva.

    Essa é a pré-temporada do futebol brasileiro.

  7. A flapress vivia dizendo até vomitar que o Rhayner não marcava gol há 2 anos, boa sugestão para capa dos jornais da flapress hoje:

    “Depois de 2 anos, Rhayner marca e elimina o framengo do estadual com 2 rodadas de antecedência”.

    Quanto aos jogos restantes do Fluminense na Taça Rio, eles não são amistosos, é importante o Fluminense terminar com mais pontos que o botafogo numa possível final de campeonato para poder jogar pelo empate.

  8. Sem palavras para comentar as memoráveis palavras de Mr. Andel!Parabéns amigo!

  9. Que crônica incrível. A simplicidade com que escreve é impressionante, amigo. Caminhamos juntos com essa força que é o Fluminense e no fim nos consagraremos campeões!! ST!!

  10. Uauauuu! Sempre Alerta! Esse é nosso lema!

    É difícil comentar sobre um texto de sentimentos… Lindo, belo, great, beautiful…

  11. Bela crônica!!! A vida é feita de tristezas, lembranças e alegrias. Em breve a alegria voltará a reinar.

    E lendo sua crônica me lembrei do meu tempo de escoteiro, acampamento, fogo de conselho, Ajuri em Tubiacanga…

    E te digo até hoje continuo fazendo minha boa ação diária…

  12. é isso ai mano!
    Não pude estar contigo nessa épica saga! Mas já estive em tantas outras e espero pode estar em outras mil contigo!

    Seremos campeões!

  13. As músicas mais belas são tristes e os mais belos poemas também.
    Bela crônica!
    SSTT4!!!!

  14. Belíssimo.

    A simplicidade do poético em uma oração: “Agora o dia é luz e cor”.

    Essa simplicidade e beleza viu-se ontem na aplicação desse time.

  15. Por que a tristeza? Daqui a algumas semanas seremos campeões de novo! Domingo estaremos juntos na arquibancada de novo, meu irmão. Antes darei uma passadinha em Porto Alegre.

  16. Rods comenta:

    após um jogo inesquecível, nada como um texto memorável, vindo de um amigo admirável.

    Saudações tricolores, Paulo! Saudações tricolores!

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