Mário quer fazer a roda tricolor girar (por Marcelo Savioli)

Amigos, amigas, vou evitar falar em perdas e danos ocorridos nos últimos 365 dias, pois já não é mais hora de chorar o leite derramado.

O que eu penso sobre tudo que aconteceu na última temporada, concordando ou discordando, todo mundo já está careca de saber.

Também não vou me aventurar em previsões, ao contrário do que fiz no ano passado, porque não há nada previsível no quadro atual. O Fluminense é, na verdade, um grande ponto de interrogação.

Vou me restringir a fazer uma análise baseada no que conheço do estilo de Mário Bittencourt como dirigente e na atual conjuntura. Quanto ao time, vou me basear na trajetória de Odair Hellmann no Inter e no desenho tático revelado pelos primeiros treinos da equipe, de acordo com o que foi publicado na imprensa.

Começando com Mário, sua visão é a do dirigente que tem como premissa fazer a roda girar. Para isso, utiliza fartamente o conceito de alavancagem.

O que isso significa? Gerar custos sem lastro nas receitas atuais para tentar provocar um ciclo virtuoso. Esse ciclo virtuoso viria de um aumento das receitas e da competitividade do time de futebol. As receitas seriam decorrentes do programa de sócio, bilheteria, premiações e patrocínio.

Foi o que Mário fez em 2014, quando investiu na contratação de Cícero, mesmo sem lastro, imaginando que o Fluminense seria campeão brasileiro, o que, aliás, passava longe do delírio. Tínhamos um time fortíssimo, com Conca, Sobis, Fred, Diguinho, Waltinho, Jean, Bruno, Gum, Leandro Euzébio, Kennedy, Wagner e outros.

O que aconteceu naquele ano foi que a política invadiu o vestiário e acabamos por terminar o ano a ver navios, sem, após termos disputado a liderança com o Cruzeiro, conseguir que fosse uma vaga na Libertadores.

Para piorar a situação, o Fluminense perdeu a Unimed no final da temporada, vendo-se, de uma hora para outra, envolvido em uma nova realidade econômica.

Veio 2015 e, deixando de lado os erros e acertos na execução da estratégia, Mário partiu para uma nova alavancagem, favorecida pela renúncia de Conca aos 12 meses de salários devidos pelo Fluminense, acrescida do recebimento de algo em torno de R$ 10 milhões por sua transferência para o futebol chinês.

Em compensação, jogou todas as fichas em Fred, pagando ao mesmo um salário completamente fora da realidade do clube, mesmo que o atacante já não viesse dando retorno técnico à altura. Chegamos a ter um elenco muito forte, que disputou a liderança com o Corinthians, porém, na medida em que a temporada avançava, fomos perdendo peças para cobrir a alavancagem. Para piorar, nova alavancagem feita em prol da contratação do já decadente Ronaldinho Gaúcho.

O resultado de tudo isso foi que terminamos o ano com um rombo financeiro espetacular e brigando contra o rebaixamento, com um elenco que só tinha mal e porcamente a conta do chá.

Portanto, é bom que se diga que a filosofia implantada por Mário e Peter entre 2014 e 2016 é a principal responsável pelo momento atual de penúria financeira que vivemos. Eu lembro bem que, no final de 2015, estávamos festejando ter dado uma pernada no Flamengo na contratação de Henrique, que chegava para ganhar R$ 600 mil mensais.

O que veio depois todo mundo sabe, com Abad assumindo uma bomba relógio pronta para implodir o clube e inviabilizá-lo financeiramente, com despesas que eram praticamente o dobro das receitas ordinárias do clube, dívidas com empresários e outras mazelas.

Chegamos a 2020 e o que temos, salvo algo novo esteja acontecendo, sem que saibamos o que, é Mário fazendo uma nova alavancagem. Ninguém vai me convencer que jogadores como Henrique, Egídio e Hudson estejam chegando para ganhar R$ 100 mil por mês.

É a partir daí que precisamos aguçar nosso senso crítico. A alavancagem é ruim? Não, desde que se alcance os resultados esportivos e econômicos planejados. Empresas fazem isso, assim como investidores no mercado financeiro. O que é preciso é que haja um projeto muito bem elaborado e amarrado.

Será que temos isso?

Só o tempo vai dizer.

O ponto de largada é a contratação de Odair Hellmann, cuja filosofia de jogo é o oposto do que praticamos em 2019. Esqueçam espetáculo, jogo de transição, domínio do adversário e controle de jogo. Teremos muita intensidade, transições rápidas e pouca ênfase em posse de bola.

Há formas diferentes de se jogar futebol. Não existe a certa e a errada. O certo é ter uma filosofia e as peças para que o conceito de jogo funcione.  Odair está tendo, assim como teve Diniz, a prerrogativa de montar o time para dar vida às suas ideias, o que é muito bom.

Vale ressaltar que o Inter obteve resultados expressivos com Odair, tendo sido a sua demissão uma decisão das mais desastrosas de 2019, só perdendo para a demissão de Diniz no Fluminense.

Antes de ir ao time, vamos voltar um pouco à questão da alavancagem, abordando a conjuntura. Vivemos uma grande comoção entre as torcidas locais decorrente do sucesso dos café com leite em 2019. Mais que isso, todos percebem que o sistema trabalha para aniquilar os grandes clubes do Rio: Fluminense, Vasco e Botafogo.

O que temos são torcidas mobilizadas, sequiosas de entrar em campo e fazer a diferença, o que está explícito na grande campanha de associação em massa da torcida do Vasco.

Da mesma forma, o Fluminense, ao que tudo indica, prepara o lançamento de uma campanha semelhante, com novos planos de sócio torcedor. Mais que isso não posso dizer, porque eu não sei, exceto que precisamos de uma virada organizacional, com mudança radical nos preceitos de governança. Não sei se isso vem.

Recapitulando e resumindo, Mário espera, na minha visão, montar um elenco competitivo e agitar a galera para gerarmos um grande volume de receitas a partir do final de janeiro.

Caso isso não aconteça, usa-se o lastro, que é a venda da prata da casa para cobrir o caixa. No nosso caso isso é muito perigoso, pois pode comprometer ainda mais a nossa perspectiva de futuro e o retorno técnico em campo, levando-nos a mais um ano brigando contra o rebaixamento.

O problema maior, no entanto, é que a cereja do bolo é a contratação de Fred, que na visão do presidente é a peça capaz de mobilizar a torcida. É uma visão completamente equivocada, pois o próprio termômetro das mídias sociais mostra que a vinda de Fred apenas servirá para dividir a torcida. Sem contar que há pouca esperança de que sua chegada agregaria valor do ponto de vista esportivo.

Sobre o modelo de jogo de Odair, não há muita novidade. Inclusive, espelha o que se pratica na base, o que não é ruim. É o 4-2-1-3. A diferença é que na base os volantes participam ativamente do processo de criação e o meia de ligação tem mobilidade e rapidez. Eu não consigo ver nada disso com um meio formado por Hudson, Henrique e Nenê. De Henrique até se espera que, uma vez revivendo seu melhor futebol, seja esse armador partindo de trás e fazendo transições rápidas. E só.

Sendo assim, vejo um time com enormes dificuldades de fazer a bola chegar redonda a um ataque que pode ser muito bom, contanto que se movimente, sem guardar posição fixa, característica que esta presente em Marcos Paulo e Evanilson.

Só que não adianta ter um ataque jovem e com recursos se dois homens recuarão para marcar lateral e não há uma transição de qualidade a partir do meio de campo e das laterais. Até acredito que, do ponto de vista das laterais, Gilberto e Egídio possam dar conta do recado.

O ponto forte é que talvez estejamos formando um elenco homogêneo, inclusive contando com as peças que ainda podem chegar e bons nomes do Sub-20, que virão para o Sub-23.

A grande preocupação é com o elenco envelhecido. Talvez não seja esse o problema, mas a qualidade do vestiário. É só ver o caso do Cruzeiro, que decretou seu rebaixamento com a fritura de Rogério Ceni pelo vestiário.

A verdade é que temos uma boa reserva de juventude, com Luan, César, Marcos Paulo, Evanilson, Miguel, Yuri, Yago, Julião, Frazan, André, Callegari, Wallace, Luis Henrique, Jeferson, Matheus Pato, Lucas Ribeiro e os rapazes que ainda estão para chegar, como o atacante peruano e o meia uruguaio.

O que temos para 2020 é um ponto de interrogação. Eu espero que o plano de alavancagem dê certo e não nos custe caro no médio prazo.

Saudações Tricolores!

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

#credibilidade

2 Comments

  1. Não entendo essa paixão cega pelo Fred. O seu auge no Fluminense foi em 2009 e 2012,com um sopro de esperança pela seleção em 2013. Acho que o Mário acredita que as chances perdidas em 2019 teriam se transformado em gols e mesmo o VAR deixaria de nos prejudicar por conta do Fred, mas realmente a esperança dele deva ser o sócio futebol animado pela aquisição do Fred. Será que o que arrecadarmos será o suficiente para termos lucro apesar dos altíssimos salários do veterano artilheiro?

  2. Concordo totalmente. Creio que essa alavancagem pode dar certo, mas creio que ainda falta um modelo de gestão forte e robusto que alicerce o processo decisório de forma transparente e ético, mas isso pode ser assustador para certos administradores.

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