Fla x Flu: atentado contra a lisura (por Felipe Fleury)

felipe fleury green 2016

Errar faz parte do jogo.

Teria sido só mais um gol validado num lance de impedimento duvidoso, como tantos outros na história do futebol, cujo enredo talvez apresente quantidade idêntica de gols mal anulados decorrentes de lances tão duvidosos quanto.

Enquanto a tecnologia não presta seus bons serviços ao futebol, errar faz parte do jogo.

O que se deve coibir é o uso da tecnologia – sobretudo porque, infelizmente, ainda não se permite utilizá-la – a favor de um e não de outro. Agir de outra forma é violar o equilíbrio que deve nortear os contendores dentro de campo.

Regras existem para serem respeitadas, para garantir a igualdade entre os adversários e a lisura da competição. E é por isso que se deve lutar pela prevalência da norma sempre.

Foi o que aconteceu, guardadas as devidas proporções, em 2013, quando a lei desportiva estava ao lado do Tricolor e os rubro-negros se insurgiram alegando que o que valia, realmente, era o resultado de campo.

No último Fla-Flu, o gol de Henrique daria o empate ao Flu e, talvez, este fosse o resultado final da partida, o resultado de campo. Nesse caso, porém, tanto a lei quanto o resultado de campo estariam ao lado do Flu.

O bandeira, todavia, anulou o gol incorrendo em erro, na medida em que o erro é uma representação falsa da realidade, porque imaginou que o autor do tento fosse o jogador que ele realmente viu em posição de impedimento, e esse jogador não foi Henrique. O árbitro acompanhou sua decisão, mas ante a reclamação de alguns jogadores do Flu, o auxiliar consultou seu colega e verificou que quem marcou o gol foi Henrique e este, na sua concepção – ainda que errônea -, não estava impedido, tanto é que o árbitro, diante da confirmação do equívoco do bandeira, validou o gol.

A partir daí o outro lado também se insurgiu e, quase que instantaneamente, a imagem do real impedimento chegou ao banco, depois aos jogadores e, por fim, à arbitragem. Depois de treze minutos cercado, o árbitro deu seu veredito: revogou a decisão de confirmar o tento tricolor.

Como eu disse, o lance foi ilegal. Ninguém discute isso. O cerne do debate foi a evidente submissão da arbitragem a uma informação externa, baseada no lance transmitido pela tevê e que apontava a sua ilegalidade. A chamada interferência externa.

Não se trata, assim, de má-fé ou coisa que o valha. Trata-se de garantir a igualdade entre as partes. A tecnologia corrigiu um equívoco, mas não poderia ter sido utilizada, pois não está prevista no regulamento da competição, sobretudo porque não foi empregada em outro lance capital da partida que favoreceria, em tese, o Fluminense.

Além disso, é um precedente perigoso. O árbitro demorou treze minutos para confirmar sua decisão com base na informação extracampo. Se a moda pega, mesmo terminada a partida será alegado o direito de modificar um ou outro lance em que a tecnologia tenha mostrado o equívoco da arbitragem. Haverá decadência desse direito? Resultados já consolidados ainda poderiam ser alterados?

O Presidente Peter, ainda sob o calor da emoção, informou que pedirá a anulação da partida no STJD. Penso que age bem. Não que eu acredite que a partida vá ser anulada, mas é preciso que a entidade reguladora do futebol se manifeste sobre o assunto e firme um posicionamento acerca da vedação expressa dessa conduta, inclusive com a devida recomendação à equipe de arbitragem.

Num país em que as leis e a constituição são desrespeitadas diariamente, precisamos cuidar para que estejamos sempre do lado da legalidade, nos seja ela favorável ou não, porque se hoje a lei está contra nós, amanhã poderá estar a favor, mas o mais importante é que estejamos sujeitos a ela, porque sem lei só há o caos, a ausência do direito e o arbítrio.

Respeitar as regras de um esporte pode parecer pouco, assim, como parar o carro sobre a faixa de pedestres ou estacionar na calçada, deixar de devolver um troco recebido a maior ou subornar um guarda de trânsito. Mas é daí que se começa a criar uma sociedade melhor, baseada no respeito às regras, porque são elas que nos garantem os direitos, inclusive o de se dizer o que pensa.

Talvez por isso vivamos numa sociedade tão egoísta e mesquinha, onde cada um não enxerga além dos seus próprios interesses, mesmo que esse interesse seja uma simples partida de futebol.

Só podemos pensar em igualdade respeitando e exigindo que as leis sejam cumpridas, quaisquer que sejam, desde as regras de convívio privado, como uma simples convenção de condomínio até a lei máxima do país.

É nesse sentido que a interferência externa no Fla-Flu deve ser repudiada com todas as forças. Não porque fez justiça ao adversário, mas porque foi um atentado contra a lisura que deve nortear as competições esportivas. E isso vale mais que qualquer resultado de jogo.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @FFleury

Imagem: f2

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1 Comments

  1. Talvez o melhor seja deixar a detentora dos direitos de transmissão apitar os jogos da cabine.

    ST

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