Lira Paulistana (por Paulo-Roberto Andel)

Segunda-feira, dia cinco, a semana abre suas portas. Trabalhos, cálculos, contas a pagar, dívidas, nada a receber. O gris tinge o céu do Rio de Janeiro, assim como pintou o horizonte do Morumbi ontem. Contudo, as verdadeiras cores do infinito são as do Fluminense, depois de mais uma grande jornada pelo campeonato brasileiro: sem choro nem vela, a quatro jogos do fim da competição, somos mais líderes do que nunca com nove pontos de vantagem à frente do rival mineiro. Não falo de ausência das sandálias da humildade, menos ainda de já-ganhou, mas é impossível não se ater às verdades da tabuada – ao lado delas, o Fluminense é um colosso dentro deste campeonato.

Gosto de São Paulo. Gosto do caos de suas ruas em eterna procissão de gente, carros e caos, exceto aos descansos de domingo – mas nem sempre. Gosto das paulistanas, talvez duas delas gostem de mim muito mais até hoje ou ontem – ou ainda ano passado. Gosto de suas artes e músicas e manifestos. Gosto da avenida Giovanni Gronchi, onde meu querido pai Helio pulou muitas vezes os muros da fábrica Pullmann para indefectíveis lanches de criança. E gosto de pequenas viagens de ônibus, sentir a estrada, algo que tem a ver com minha profunda admiração pela obra de Jack Kerouac. Mesmo com as dores na coluna que me atordoam por ora, deixei tudo de lado porque não podia deixar de ir ao Morumbi em momento tão especial. Ao lado, os companheiros da crônica e mais essa legião de admiráveis maníacos a nos encher de orgulho: quando marcarem um jogo na Lua ou em outro sistema solar, lá estarão eles a gritar e cantar como nunca. Assim, com nossos hinos ecoando a cântaros, fomos nossa pequena multidão ontem na admirável casa do São Paulo, que me fez reviver os velhos tempos de Maracanã: casa cheia com mais de cinquenta mil pessoas, torcidas empolgadas e belas nas arquibancadas, o charme do bairro rico com seus prédios e casas milionárias, tudo ao lado da miséria de Paraisópolis que nos faz refletir e sonhar ainda com um mundo mais justo.

De um lado, o líder lutando pelo tetracampeonato brasileiro. Do outro, simplesmente um tricampeão mundial ávido por disputar mais uma Libertadores. E nos saímos bem, muito bem. Poucos times no mundo deixam o Morumbi podendo ter vencido um jogo contra o São Paulo, o que foi nosso caso. O mandante, com sua pujança técnica chancelada por jogadores como Lucas e Luís Fabiano, foi bem-cuidado pelo nosso sistema de marcação e, mesmo com a natural missão de atacar mais por jogar em casa, o fez com notável cautela, sem deixar brechas para as disparadas de Wellington Nem ou as finalizações de Fred. Ressalte-se, aliás, que a marcação do Fluminense foi praticamente perfeita em todos os 90 minutos: o gol que tomamos foi muito mais fruto da infelicidade pessoal de Gum do que qualquer outra coisa. Mas não cabe aqui nenhuma crucificação; acontece, é do jogo e isso, por pior que fosse logo ao começo do segundo tempo, só serviu para mostrar o quanto o Fluminense de hoje é um time equilibrado. Depois, o zagueiro-guerreiro poderia ter marcado um gol de cabeça, assim como Fred em bela – e veloz – finalização defendida por Ceni.

Não nos abalamos, seguimos em frente e, como o futebol é disputado por humanos falíveis, Tolói vacilou, o grande Ceni também, o garoto Samuel foi um gigante em hora decisiva, Fred mostrou a categoria de sempre e fez justiça no marcador igualando o placar com seu toque preciso. Reparem a garra de Samuel em sua luta pela esquerda até o passe preciso para a finalização do artilheiro; um gol de quem tem os nervos no lugar, confiança e qualidade. Depois do nosso empate, o Fluminense ganhou espaço na partida, jogou mais ofensivamente e poderia até ter vencido, caso estivesse melhor na última bola antes da finalização. Porém, por mais paradoxal que pareça, a formação ofensiva do Fluminense, forçada pelas ausências dos contundidos Deco e Wagner, não deu a liga necessária à frente. Sobis chutou pouco e sem a precisão de costume, dando espaço para a entrada de Samuel no segundo tempo; Neves lutou para marcar, mas errou todos os passes significativos. Wellington Nem foi perigoso a maior parte do tempo e seria mais ainda não fossem dois ou três preciosismos. Carlinhos foi Carlinhos de sempre: ora um grande cruzamento, ora daquele jeito que parece estar morrendo a cada ataque pela esquerda. Cavalieri, segurança costumeira, principalmente no fim da partida em finalização diagonal no canto esquerdo, defendendo para escanteio.

No estádio, não entendi a substituição de Nem. Talvez ninguém tenha entendido. Abel devia ter lá seus motivos. Claro que o empate era importante contra um adversário poderoso e, se hoje Diguinho nem de longe é o jogador de outras temporadas, podia ajudar muito na marcação principalmente jogando mais avançado e longe de fazer suas habituais faltas na frente da área. Ainda assim, elas aconteceram mais do que de costume, felizmente todas rechaçadas a contento. E parecia que a bola da vez seria o cansado Neves, em tarde falha, mas isso só aconteceria na terceira alteração, entrando o jovem Higor. Ao fim, eu, Prazeres, Caldeira, Arthur, Ricardo, Eugênio, Mônica, todas as nossas incansáveis torcidas organizadas, todo o rol dos nossos admiráveis maníacos fizemos um carnaval carioca no acesso às arquibancadas do Morumbi, digno da Lira Paulistana de Mário de Andrade e da vanguarda de Arrigo e Itamar. Só faltou Juliana, mas não faltará. Assim seja.

Quem ainda teve dúvidas sobre a importância do empate no Morumbi pôde, sem constrangimento algum, desfazê-las logo no começo do jogo final da rodada. Dentro do ônibus, a garotada da Fiel urrou como nunca. Debaixo das “tradicionais” lágrimas e lamúrias dignas das carpideiras rancorosas – que não fazem jus à grandeza atleticana – o alvinegro mineiro foi derrotado no Couto Pereira e, para desespero de estúdios e redações, o Fluminense é um senhor líder, é um supremo líder e só deixará de ser tetracampeão mediante um improvável confronto entre a probabilidade e a estatística. Não, não ganhamos nada. Sim, temos a faca e o queijo às mãos para esta conquista. Não cheguei a tal ponto da vida para ser um acovardado: o Fluminense tem a vocação absoluta para ser tetracampeão, para ratificar em campo o que a tabela de classificação já diz – a condição de melhor time do Brasil em 2012. A águia do Atlântico Sul é cada vez mais determinada em seu voo mortífero sobre o mar.

 

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor/ FluNews

@PanoramaTri

Imagem: PRA

Contato: Vitor Franklin

4 Comments

  1. Não conheço o Morumbi. Um dia, quem sabe. Meu pai morou anos em SP, fez amizade com o José Poy, goleiro naquela época, e, por intermédio dele, conseguiu duas cadeiras cativas no estádio. Acho que antes da ampliação. Depois, mudou-se para Anápolis e passou para outro amigo, com a condição de que, quando fosse a SP, teria a preferência de uso. Nunca aconteceu.

  2. Na 22ª rodada o Flu assumi a liderança, numa quinta feira , na sexta ao sair a rua , paro na 1ª esquina em frente a um boteco e ouço a piada cruel : “lider por uma semana , daí pra frente o Fluminense foi sempre líder por uma semana ATÉ O FIM”
    “Ninguém conquista um título numa unica tarde num unico dia , um título é todo suór , todo sangue, todo lágrimas” NR
    ST

  3. Tetra hoje, penta amanhã, hexa… O que nos contenta é o hábito de colecionar títulos.

Comments are closed.