Líder por uma semana (por Marcus Vinicius Caldeira)

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Prólogo

“Acreditem: — o Fluminense começou a ser campeão muito antes. Sim, quando saiu do caos para a liderança. “Do caos para a liderança”, repito, foi a nossa viagem maravilhosa.

Lembro-me do primeiro domingo em que ficamos sozinhos na ponta. As esquinas e os botecos faziam a piada cruel: — “Líder por uma semana”. Daí para a frente, o Fluminense era sempre o líder por uma semana.”

(Nelson Rodrigues)

I

Caio acordou naquela bela manhã de sábado de outono no Rio de Janeiro com uma agitação fora do normal e ela tinha uma explicação: ele iria assistir a estreia do Fluminense no campeonato brasileiro de 2014. De quebra iria conhecer o novo Maracanã.

Frequentara muito o antigo Maracanã acompanhado do seu pai. Mas, desde que seu pai falecera em meados da década de 90, nunca mais foi ao estádio. Os pais nunca deviam morrer!

Nada, outrora, nem a maior dificuldade em sua vida – a cegueira completa – fazia com que o Caio deixasse de “assistir” o seu tricolor jogar. Mas, se a cegueira – que veio quando tinha dez anos após um acidente banal – não foi capaz de tirá-lo do estádio, a morte de seu pai, companheiro de jogos do Fluminense, o fez nunca mais voltar ao estádio.

Mas estava decidido: ia voltar a frequentar os estádios para gritar pelo seu Fluminense, com a ajuda do seu amigo Carlos.

II

Havia tomado essa decisão, após os acontecimentos ocorridos no ano de 2013. Ficou deveras chateado com o tratamento que o Fluminense recebeu da imprensa após os episódios que levaram a Portuguesa à segunda divisão do Campeonato Brasileiro, salvando o Flamengo do rebaixamento uma vez que este havia escalado jogador irregular e com a perda dos pontos por tal burrada seria o rebaixado.

Não entendia por que a conta caiu pro Fluminense, uma vez que seu clube de coração havia terminado o campeonato na frente do Flamengo, após as perdas de pontos de Portuguesa e Flamengo.

Sentindo-se impotente para rebater a imprensa e para mudar a percepção da opinião pública em relação ao clube do seu coração, vaticinou: “Daqui por diante serei mais um guerreiro na arquibancada para apoiar o time a uma excelente e redentora campanha”!

III

Logo na chegada ao Maracanã, Caio percebeu que o estádio estaria cheio. Não como na época em que frequentava o estádio regularmente. Mas, trinta mil, hoje em dia é estádio cheio! E tiveram trinta e cinco mil presentes.

A partir do momento em que perdeu a visão, outros sentidos foram aguçados: percepção, audição e tato. E percebeu logo que tinha muita gente no estádio.

Estranhou o fato de ouvir mais de uma vez, ainda fora do estádio: “Precisa de alguma ajuda, senhor”?
“É o pessoal de apoio do Novo Maracanã, que trabalhará também na Copa”, explicou seu amigo. E ele entendeu, embora tenha ouvido mais de dez vezes a mesma pergunta até chegar à arquibancada e isso o tivesse irritado profundamente.

IV

Acomodou-se nas novas cadeiras do Novo Maracanã e percebeu logo a diferença do antigo piso de cimento onde os torcedores sentavam para ver o jogo.

Sentou-se atrás do gol. Para ele, era indiferente ser atrás do gol ou na lateral e seu amigo explicou que ali a bilheteria ia para o Fluminense diferente dos que sentam na lateral, cujo valor pago vai para o consórcio Novo Maracanã.

“Não cantam mais samba nas arquibancadas não?”, perguntou estranhando o canto da torcida, meio “argentinizada”.

E emendou: “Este jogo não é de Brasileiro… Por que estão cantando que temos que ganhar a Libertadores”?

Caio, de fato, estava estranhando esse novo modo de torcer da torcida do Fluminense!

V

“Golaaaaaaaaaaaaaaaaaço”, gritou Caio logo após sentir que a galera ao seu lado estava comemorando um gol.

Seu amigo perguntou: “Como sabe que foi um golaço”?

“Todo gol do Fluminense para mim é um belo gol, meu amigo”, retrucou.

Mal sabia ele que tinha sido um golaço mesmo. O toque magistral de peito de Fred e a emendada do Sóbis, de chapa, no ângulo, configuraram o que chamamos de golaço. É uma crueldade, qualquer ser humano não ter visão para ver um gol como esse. Porém, um tricolor apaixonado como Caio ser privado de ver o gol por falta de visão nos faz até questionar a existência de Deus. Um deus bondoso não permitiria tal infortúnio. Vá saber!

VI

“Fred perdeu o pênalti?”, perguntou Caio assustado.

“Ainda nem bateu”, retrucou Carlos.

Caio, perguntou de novo: “Como pode torcedores do próprio time ensaiar uma vaia ao batedor de pênalti antes mesmo dele bater”?

Carlos explicou toda a ladainha e que era uma minoria da torcida e ligado a uma organizada do clube.

Caio não teve dúvida: “É uma dádiva eu ter perdido apenas a visão. Poderia ter perdido o cérebro que nem esses energúmenos dessa organizada”!

Carlos fez um silêncio de quem concordava com as palavras cruéis do amigo.

Epílogo

“Abram alas que o meu Fluzão vai passar…”, saiu Caio cantando junto com a torcida na descida da rampa.

Feliz com a bela vitória e principalmente com a mudança de ares no Tricolor das Laranjeiras. A chegada do novo técnico, o fim dos desmandos de Celso Barros e a mudança da postura do time já no jogo de volta contra o Horizonte pela Copa do Brasil fizeram que time e torcida (tirando aquela “meia dúzia de três ou quatro de sempre”) estivessem no maior alto astral.

Caio sente que o time agora joga para o ataque, dada quantidade de chances que o time passou a criar no ataque com a chegada do Cristovão e a sua mudança no meio-campo. Se o jogo ontem fosse “seis a zero” para o Fluminense não seria nenhuma aberração.

Fred está feliz de novo por exercer sua profissão e a torcida como um todo comprou a sua briga. Não à toa, Caio saiu pelas ruas gritando “O Fred vai te pegar”!

Os novos valores dos ingressos foram uma bola dentro da diretoria.

Caio está feliz.

A torcida do Fluminense canta feliz.

Só a imprensa esportiva suja e corrompida está triste.

Azar o dela.

Nota do autor:

Não pude assistir ao jogo por conta dos meus compromisso com o Grupo de Sambas de Enredo.

Caio o viu melhor do que eu.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @mvinicaldeira

Imagem: pra

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