Ley de medios e estatização das transmissões (por Marcus Vinicius Caldeira)

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A Argentina, durante décadas, travou uma discussão sobre uma nova regulamentação para as concessões de rádio e TV. Lá, como cá, essas concessões estavam centralizadas na mão de poucos grupos – aqui 8 famílias detém o monopólio das comunicações – e, com isso, reinavam soberanos sobre a mídia local.

Para se ter uma ideia, o grupo Clarín, tomado como exemplo pela dimensão que possui – ou melhor, possuía –  é dono de jornais, revistas e editora, emissoras de rádio, televisão aberta (o Canal 13, vinculada ao grupo, disputa a liderança do mercado com Telefe, este ligado à Telefónica) e de televisão por assinatura, serviço que abrange mais de 70% dos lares daquele país. Monopolizava as comunicações no país, totalizando um total entre 150 e 200 outorgas.

Alguma semelhança com as Organizações Globo?

A bizarrice era tanta que, falando em futebol, nenhuma outra emissora podia passar os gols da rodada no final de semana, antes dos canais ligados ao Grupo Clarín. Incrível!

Aprovada por ampla maioria no Congresso Nacional e sancionada pela presidenta Cristina Kirchner em outubro de 2009, a nova lei substitui o decreto-lei da ditadura militar sobre o setor.

Um dos seus principais artigos, o 161, consiste em um dos principais instrumentos no combate ao monopólio, pois estabelece que cada grupo deve ter até no máximo 24 licenças de TV à cabo e 10 licenças de serviços abertos (TV aberta, rádios AM e FM). Ou seja, o Grupo Clarín terá que se readequar a essa realidade.

Foi uma luta da sociedade organizada argentina e dos movimentos sociais e que encontrou respaldo na presidente Cristina Kichner, que sofreu muito na mão da midia, embora o casal Kischner tenha sido eleito com o apoio da mesma.

Pra se ter uma ideia da importância dessa lei, por meio da legislação, foi possível instalar 152 rádios em escolas de primeiro e segundo graus, 45 TVs e 53 rádios FM universitárias, além de criar o primeiro canal na TV aberta e de 33 canais de rádio vinculados aos povos originários. Isso sem contar que democratiza de vez a comunicação, uma vez que a informação não fica concentrada na mão de um só grupo, o que acaba fazendo com que a população receba só um lado da notícia e acabe tomando esse lado como verdade absoluta.

Aqui no Brasil ainda sofremos com o monopólio das comunicações e temos um povo refém de um grupo principal, que responde por grande parte da mídia nacional, as Organizações Globo, e por alguns grupos menores. Mas o fato é que a informação está concentrada nas mãos dos tubarões da mídia. Os movimentos sociais e a sociedade civil organizada não possuem canais de TV e rádio, salvo raríssimas exceções.

Transferindo isso para o futebol, faz com que os donos da informação a manipulem do jeito que querem, transformando mentiras em verdades absolutas, sem questionamento. Repetiram que o Fluminense virou a mesa e o Brasil inteiro se tornou inimigo do clube, que hoje é o vilão nacional, como numa novela do “Plim-plim”.

E por mais que haja internet para contrapor, não dá para brigar, pois ela não tem o mesmo alcance que o rádio e a TV. A luta é injusta.

Para completar, a Globo detém o direito das transmissões do futebol no Brasil e faz o que quer. Desde impor goela abaixo o horário de dez horas da noite para jogos de meio de semana, para que possa passar só depois da novela, até tentar espanholizar o futebol brasileiro, inundando de dinheiro dois clubes – Corinthians e Flamengo – e dividindo o resto do bolo entre os outros dez grandes.

Além disso, a Globo transmite e noticia muito mais jogos do Flamengo e Corinthians do que dos demais.

A Argentina, antes da Ley de Medios, passou por uma outra grande transformação. O governo do casal Kischner estatizou as transmissões dos jogos, tirando-as das mãos do Grupo Clarín. Foi o primeiro grande baque do conglomerado econômico da mídia local. Imaginem a Globo perdendo o direito às transmissões dos jogos no Brasil e estes sendo transmitidos pela Rede Brasil ou uma TV mais democrática. Eu teria orgasmos. Pois bem: foi isso o que aconteceu lá.

É verdade que nessa estatização de lá nem tudo foram flores. No meio do jogo, entope-se o espectador de propagandas do governo e coisas do gênero. Mas a transmissão de fato foi democratizada.

O genial escritor uruguaio Eduardo Galeano define a nova era futebolística como telecracia. Segundo Galeano, “Hoje em dia, o estádio é um gigantesco estúdio de televisão. Joga-se para a televisão, que oferece a partida em casa. A televisão manda!”

Infelizmente, essa é a realidade e não podemos fugir dela. Então, se é isso, que pelo menos seja transmitida por uma TV pública, de forma democrática e não da forma que é hoje pela Rede Globo.

A Ley dos medios, de fato, vai democratizar as comunicações no país vizinho. Não sei se a estatitazação das transmissões dos jogos trouxe melhorias para o futebol argentino, mas aqui no Brasil nada pode ser pior do que o futebol estar nas mãos das Organizações Globo. Nada!

Penso que passou da hora de instruirmos uma Ley de Medios por aqui. Democratização da informação, maior concorrência entre as emissoras, o bolo dividido e os movimentos sociais e entidades sem fim lucrativos podendo ser donos de canais de rádio e TV. Um sonho!

O futebol fora das mãos da Globo e com as transmissões geradas de forma democrática pelo canal público de TV. Só um parêntese: “A programação da TV Cultura de São Paulo foi eleita a melhor do mundo”. É possível gerar as transmissões com qualidade.

Urge fazer isso.

Passou da hora!

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @mvinicaldeira

Foto: http://www.pragmatismopolitico.com.br/

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3 Comments

  1. O principal problema principal é que os alguns deputados e senadores,tem retramsmissoras da “GROBO” afiliadas em seus respectivos estados e por isso eles detem um monopólio muito forte e não vão querer largar o osso.A TV Cultura com o grande governo Tucano,foi implodida e ficou pior depois que o Grande Governador,Prefeito,Candidato a Presidente da Republica,governou essa cidade Estranha que se acha “o melhor do Brasil.

  2. O Estado não deve necessariamente intervir de forma direta na atividade produtiva (pode eventualmente fazê-lo em alguns casos) mas tem a obrigação de regular qualquer atividade econômica para reprimir o abuso de poder econômico.

  3. O Futebol tem um mercado tão grande que poderia suportar a fragmentação do controle de suas transmissões televisivas de forma economicamente viável. Um campeonato não precisa ter transmissão monopolizada de seus jogos para ser rentável. Há outros modelos em que um pool de emissoras assume o controle. A democratização dos media só é possível se houver um contraponto de poder, Montesquieu estava mais que certo. O Estado não deve intervir diretamente na produção mas tem obrigação de regular a ativi

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