Lá vem ela, a soberana (por João Leonardo Medeiros)

João Leonardo

Lá vem ela, a soberana, a dona do clube, a dona do mundo. Lá vem ela, a torcida do Fluminense. Lá vem ela, com coisas diversas na cabeça, desde lata d’água até cartola, mas sempre subindo a ladeira, mesmo quando o próprio clube insiste em descê-la. Lá vem ela proporcionar a todos, tricolores ou não, grandes festas, noites e tardes inesquecíveis, fantásticas, emocionantes.

Há quem diga, sem conhecer muito bem a história do clube (talvez porque tenha nascido há pouco tempo e caído na lenda criada pelos adversários da grande mídia), que a soberana só vai na boa, só aparece quando o time está bem. Isso explicaria a razão de a soberana aparecer justamente agora que o Fluminense recobrou-se do coma profundo que o acometeu nos últimos três anos.

Alto lá, guarda essa língua na boca, como pode ter razão? Já esqueceram que a soberana esteve lá quando o mundo desabou no final da década de 1990? Já esqueceram que a soberana colocou o clube na maca, fez curativo, beijou-lhe a fronte e ficou ao seu lado até que ele se erguesse novamente? Isso para mencionar um único episódio, sem dúvidas o mais representativo, aquele que efetivamente decidiu o futuro do Fluminense Football Club. Se hoje esse clube ainda existe e é gigante, ele deve isso única e exclusivamente à sua torcida.

Nada me irrita mais do que o discurso de que há, no Flu, uns 15 mil de sempre. Mentira deslavada. Há no Flu 15 mil com grana, tempo e disposição para ir a um estádio de merda, mal administrado, num sistema de transporte precário, pagar uma bolada para ver um jogo que passa em qualquer boteco próximo de casa. Há 15 mil dos nossos sempre lá e há mais ou menos a mesma quantidade dos torcedores de qualquer outro clube grande do Brasil, a não ser daqueles que atravessam uma fase extraordinária ou dos dois queridinhos da mídia.

Não podemos concorrer com esses dois enquanto não tivermos um aparato midiático produzindo zumbis futebolísticos dispostos a repetir as mais descaradas mentiras como verdade absoluta. Aliás, não poderemos nunca, porque sempre fomos críticos e rejeitamos a posição de massa de manobra.

É claro que no estadual do Rio, por exemplo, não vai ninguém. Isso não é sinal de descompromisso com o clube de coração, mas de preservação da sanidade mental. O ingresso não custa seu valor devido para ver o Fluminense jogar contra times hoje lamentavelmente semiamadores nos “gramados” com mais buraco que cobertura de “estádios” com falta de tudo: R$2,00 no máximo. Não vai ninguém de clube nenhum, aliás, porque as pessoas podem amar futebol e amam futebol, mas não são idiotas.

Penso, a propósito, no amor a partir de uma definição negativa, seguindo aqui Bono Vox: “Love is all you can’t leave behind” – “Amor é aquilo que não se consegue deixar para trás”, numa tradução bem literal. Assim é o amor da soberana pelo Fluminense. O clube passa três anos maltratando a torcida, fazendo-a assistir um arremedo de time, colocando-a num estádio péssimo, sem alma, sem graça. Se fosse a relação de dois seres humanos, um pelo outro, o rompimento seria quase certo, o que provaria que o amor é usualmente uma conjectura superficial. Mas nós não deixamos para trás, apenas esperamos.

Esperamos como o filho espera pela reconciliação com a mãe que o abandonou na casa de caridade. Esperamos como o ex-marido do lado de fora da sala de cirurgia rezando para que a mulher com quem não fala há dez anos se salve sem sequelas do acidente. Esperamos como parentes que programam ansiosamente uma reunião de família que acaba invariavelmente numa briga desagradável. Esperamos como o cão que, de manhã, lambe o dono que o fez dormir no sereno.

A espera acabou. Não sei quantos estarão em Juiz de Fora na final da Primeira Liga. Mas sei que cada um dos que estiverem lá levará seu amor incondicional pelo clube. Nenhum tricolor que eu conheça consegue esconder a ansiedade de ver nosso capitão, talvez Cícero, talvez Gum, levantar a primeira taça de campeão do ano. Porque nosso amor é pau para toda obra, mas fica muito melhor quando acompanhado de romance.

Panorama tricolor

@PanoramaTri

Imagem: JLM / PRA

4 Comments

  1. Excelente texto, Renard está correto, é a Melhor definição de nossa Torcida. A Soberana!!!

    ST

  2. uau…..a soberana, que definição espetacular…seremos campeões..a bênção joão de Deus…st

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