Jogo e luto (por Paulo-Roberto Andel)

Depois de tantos anos, matei as saudades de um jogo no Caio Martins (apesar das péssimas condições que o estádio se encontra sob a égide da “excelente gestão”). Domingo de céu gris cedo, pouca gente nas ruas, o Fluminense começou o dia vencendo o Botafogo nos juniores por 1 x 0, gol de Biro-Biro, boa movimentação da garotada. De repente, meu amigo Rods telefonou e o gris do céu virou negrume de dar dó: a terrível tragédia no sul do Brasil, vitimando centenas de jovens por conta da ganância, tirou o bom-humor de qualquer ser pensante. Assim sendo, aproveitei o fim do jogo dos juniores para dar uma volta a pé na sempre bela Niterói, com mulheres fantásticas e algo de londrino em pleno litoral.

Horas depois, a segunda rodada com os amigos no Engenhão. Tive mais uma vez vergonha dos números do público presente. Estão matando a galinha dos ovos de ouro: o futebol se tornou a potência que é no Brasil por ter sido expressão e gênese popular – os sofisticados implementaram-no em nossos campos, o povão deu-lhe a cor de glórias que hoje nos oferecem orgulho. Ilusão de quem acredita na “tendência mundial” de que a classe rica encherá os estádios brasileiros, enquanto as classes populares ficarão com o prêmio de transmissão na TV. Primeiro, a gatonet é vigorosíssima; segundo, nossa classe mais abastada – em sua maioria – não tem o menor interesse em arquibancadas de futebol, mas sim em luxuosos shoppings da Barra da Tijuca, peças de humor e livro nenhum. É preciso ter uma solução brasileira para este problema, diferente das demais.

Veio o jogo. Bela a homenagem de times, arbitragem e torcida, pela primeira vez respeitando um luto integralmente no Engenhão. O silêncio de morte que se fez no estádio foi sinal de que ainda estamos muito vivos e que, de alguma forma, precisamos lutar contra este mundo injusto que ceifa vidas em troca de comandas. O Fluminense melhor na primeira etapa, vencedor merecido com o gol de Wellington Nem no finzinho, teve chance de fazer mais gols mesmo com atuações opacas como a de Sóbis. Em alguns momentos, parecia até um treino de luxo, típico da velha performance tricolor: fingir-se de morto, rodar a bola em campo e esperar o momento para um bote mortífero. Uma ou outra canelada de Euzébio, a tradicional pasmaceira de Carlinhos. Cavalieri fez defesas, todas estando bem-colocado e sem dificuldade. Jean bem, Valencia com garra. Diguinho precisa recuperar o futebol perdido em 2010. Bruno eu deixo para lá, mal do nome. Com Seedorf no banco, as coisas pareciam ainda mais tranquilas para o Fluminense. Justamente neste ponto é que tudo mudaria depois. De resto o Fluminense foi superior.

Segundo tempo, as coisas pareciam até continuar controladas. Wellington Nem, ainda arisco e com ímpeto, podia ter matado o jogo mesmo já sentido o cansaço pela correria, mas Jefferson mostrou o talento que o levou à seleção brasileira. E quem não faz, leva: com seu craque em campo, o Botafogo reencontrou seu espaço na partida. Seedorf invariavelmente virava o jogo para a direita do ataque, sabendo que Carlinhos já se arrastava em campo, e por ali mesmo os alvinegros conseguiram o empate, depois da cabeçada de Bolívar. Desta vez Abel não foi bem: Wagner deveria ter sido o primeiro a entrar em campo pelas substituições, mas acabou sendo o último. Sem um meio-campo de ligação na ausência de Deco e com Neves fora, não houve liga para finalizações de qualidade – oxalá Felipe compense isso. Samuel entrou e virou ponta-esquerda. Aromas de jogo-treino, de início de temporada. Mesmo com os equívocos, o Fluminense conseguiu segurar o empate no clássico e começa uma temporada mais tranquila do que a do ano passado. Temos time, temos força. É preciso apenas ajustar os botões. Seguimos na briga. Diante da dor e da tragédia de Santa Maria, o prazer de ver o Clássico Vovô em campo, mesmo sem tanto viço, é uma bênção, um alívio. Estamos muito vivos. O mundo é logo ali, sem disfarce.

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: Marô Sussekind

Contato: Vitor Franklin

8 Comments

  1. Paulo, sou seu fã e gosto muitos das suas análises e por isso peço a gentileza de, se possível, ler e analisar a entrevista do Capitão Melquisedeque ao “Tricolor.com” pois, como grande analista e formador de opinião dentro da imensa comunidade tricolor, acredito que seja de vital importância. Não escrevo isso para que você tenha opiniões iguais a minhas e não ficarei chateado com divergências, sejam elas quais forem, mas sim por acreditar que este ano é vital dentro e fora de campo para o nosso amado clube e a sua opinião é muito importante.
    ST

  2. Caro Andel, parabéns pela análise.

    Não sou daqueles que vêem cabelo em casca de ovo, nem acha que tudo está horrível, muito menos que vai dar tudo errado.

    Acho que temos um ótimo elenco e excelentes chances de conquistar o BI CARIOCA.

    Entretanto, me parece mal distribuído, pois, em alguns setores temos vários jogadores brilhantes e, em outros, não conseguimos ter meio jogador.

    Caso típico é nossa zaga. Vem jogo, vai jogo e lá vamos nós à base de Isordil. Seja Gum, Leandro Eusébio, Digão, Anderson… Eles até que se saem relativamente bem durante boa parte dos jogos. Mas SEMPRE existem dois ou três lances horripilantes… E aí a vaca vai para o brejo.

    É incrível como nossos adversários chegam com extrema facilidade na cara do Cavalieri. Nossa zaga marca muito longe dos atacantes (vide gol do Olaria), ontem contra o Botafogo (o mais perto estava a cinco metros do cara). Pelo alto é um Deus nos acuda geral.

    Até quando vamos contar com os milagres operados pelo sensacional Cavalieri? Uma hora a casa cai!

    Temos que ajustar ali atrás urgente!

    Quanto ao Carlinhos… já deu. Não o acho um jogador comprometido com o grupo, apesar de excelente técnica, é muito disperso, principalmente, na marcação e na hora de fazer os cruzamentos. Viva Monzón!

    Mas, a notícia boa é que a nhaca no Thiago Neves parece ter, finalmente, saído! O cara está chegando! E o Fredão vem aí.

    ST, Luiz.

  3. Concordo plenamente ! Já que o Thiago Neves estava cansado, a primeira substituição deveria ser por outro meia, como Wagner, e nunca por um velocista como Rhayner e ficarmos, assim, privados da “criação”. Aliás, já que temos 4 meias à disposição (Deco, TN, Wagner e Felipe), deveria ser praxe jamais deixarmos o time durante uma partida sem um meia de articulação. Ontem, o Abel cometeu o erro de deixar o time, por 15 minutos, com 3 volantes e um velocista (Rhayner), pois só aos 35min. do segundo tempo o Wagner entrou em campo.

  4. Abel Todavia Braga mandou marcar o Seedorf, como os técnicos adversários fazem com Deco? Claro que não. Com 21 jogadores em metade do campo apenas com o objetivo de marcar, que é o treino alemão, por que o rebote da defesa encontrou o Seedorf sozinho na entrada da área? Porque Abel é um m#rda de técnico. Aê Andel! Dizer que o Abel No Entanto Braga foi apenas mal é a mesma coisa que passar a mão na cabeça (ai!) desse FDP (Funny Dumb Person, em inglês). 😛

  5. Andel, não assisti o jogo, portanto não posso falar muito.
    Agora, esse esquema com 3 cabeças-de-área, a meu ver, já deu!
    Que Deus conforte os parentes das vítimas da cidade gaúcha!
    ST4!

  6. SinceraNense, não creio em ‘solução brasileira’, pois o FLUTIBA praticado por aqui é muy desinteressante. (À parte a rejeição carioca cultural incurável ao Engenhão).

    => Jogo às 19h30, a R$ 60,00, prá ver PerDIGUINHO em campo? Zoa…

    **

    A versão FANTASMINHA TRICOLOR compromete qualquer sistema tático. Se esse merda titular num jogo importante, certamente seremos eliminados.

    E o que dizer da preguiça de RS & C6? Tomara que o tal MONZON não nos seja um CARLETO²…

    1. Paulo responde: Flut, “à brasileira”, significa financiar o futebol decentemente (em média, apenas 8% das receitas dos clubes brasileiros vêm das bilheterias) e trazer o torcedor popular de volta aos estádios (exatamente como vc disse, R$ 60, 00 é dose…). Braxxx.

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