Histórias privadas de um torcedor (por Mauro Jácome)

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O Fluminense chega aos seus 111 anos tendo passado por experiências que, certamente, ninguém provou. Foram situações de alegrias e de tragédias. Conquistas foram arrancadas das mãos dos adversários. Outras foram colocadas na sua sala de troféus sem lutas épicas, porque eram óbvias. E, também, ninguém é grande sem despencar nos abismos que a linha do tempo reserva.

Engraçado que existe um chavão que ouvimos e repetimos conforme a conveniência da situação: a única certeza que temos na vida é a morte. Será mesmo? Diria Nelson Rodrigues que “Tudo pode passar. Só o tricolor não passará jamais”. É ou não é relativa a certeza de que a morte é o destino inevitável?

Minha relação com o Fluminense começou no início dos anos 70. Quarenta e poucos anos acompanhando à distância. Rádio, jornais, revistas, livros, TV e, hoje em dia, internet. Poucas vezes in loco. Mesmo assim, vivi as mesmas alegrias e tristezas de qualquer frequentador assíduo de arquibancada.

Não sei se todo tricolor, acredito que sim, tem lembranças mais íntimas que, por sua banalidade ou mesmo por vergonha, não compartilha. Eu tenho várias que, periodicamente, voltam. Nem sei o que as faz reaparecer, mas vira-e-mexe vejo-me nelas.

Lá no início dos anos 70, fui visitar parentes no Rio de Janeiro. Acho que não tinha 10 anos de idade. Num domingo, meu pai disse que iria ao Maracanã assistir a Fluminense x América. Óbvio, eu iria com ele. Negativo. O resto da família iria para o Maracanãzinho assistir a um famoso circo. Não lembro o nome, mas era muito famoso. Minha mãe falou que estádio não era a melhor alternativa para mim e que o circo era o meu destino, afinal, essa seria a programação da criançada. Chorei, resmunguei, meu pai tentou endurecer, mas fui para o circo. Em qualquer outra situação, teria sido muito divertido, mas, talvez, foi a pior coisa que já vi na vida. Adorava trapézio, mas, ali, achei a coisa mais sem graça do mundo. Globo da morte: o barulho das motos me irritava. Palhaços? Sentia-me o palhaço da hora. No dia seguinte, via as fotos do jogo nos jornais. O estádio estivera cheio. Chorava de raiva. Perdi a oportunidade de conhecer o maior estádio do mundo e, também, de me divertir com os personagens que tanto gostava nos circos.

Nessas situações que, em princípio, só interessam a nós e a nossa coleção de experiências, lembro-me do jogo contra o Guarani, em 2010, quando o Fluminense sagrou-se Campeão Brasileiro. Hoje em dia, nesses jogos de grande apelo, a disputa por ingressos tornou-se quase que uma paranoia. Diferentemente, dos anos 50, 60, 70 e, até, 80, quando vendiam, no Maracanã, ingressos enquanto havia gente para comprar (100, 120, 150, 170, 200 mil), hoje, a demanda limita-se às regras de segurança. Então, não há ingressos para todos. Fui, daqui de Brasília, numa caravana organizada pelo meu filho Hugo. Sem garantias de ingresso. Enquanto não atravessei as roletas do Engenhão, não aliviei a tensão. Estranho, um sujeito de 48 anos não conseguia pensar em outra coisa, senão na possibilidade de não ver o jogo. Mais de 20 horas com aquela ideia fixa. Fim de jogo, comemorações nas arquibancadas, saímos e ficamos na calçada em frente ao estádio esperando contato com a Van para retornarmos. Comprei uma cerveja, filei um cigarro – não fumo mais – sentei no chão, encostei na parede, ao lado dos cavalos da polícia. Degustava a cerveja e o cigarro e relembrava os últimos acontecimentos. A viagem, o jogo, o título, a comemoração. A fumaça do cigarro descia tão gostosa quanto aquela cerveja gelada. Cada parte das imagens que vinham à cabeça era entrecortada pela lembrança da estranha sensação do medo de não conseguir ingresso. Até hoje, não entendo bem o porquê de tanta tensão.

Outro fato que me impressionou muito: a tal invasão corintiana de 1976. O jogo em si e o resultado foram frustrantes para qualquer tricolor. O barulho do foguetório quando da entrada do time paulista nunca mais esqueci. Fiquei olhando para a imagem da TV, ouvindo aquele som que, parecia, não iria acabar. Aquela sequência sonora ficou muito tempo martelando minha cabeça. Um dia tive uma ideia: peguei meu cofre de moedas, estava cheio, espalhei todas na mesa. Segurei uma caixa de sapato num nível mais abaixo e fui despejando as moedas na caixa. No começo, lentamente; depois, acelerei. Consegui reproduzir aquele som. A partir do dia da descoberta, sempre que jogava futebol de botão, na entrada dos times em campo, fazia essa operação. Ao final, emendava a entrada da transmissão de Waldir Amaral: “Waldiiiiiiiiiiiiiiiiiir Amaraaaaal. Deixa comigo. Você ouvinte é a nossa meta. Foi pensando em você que nós fizemos a maior potência do rádio brasileiro…”.

Falar dos 111 anos do Fluminense é fácil. Algumas horas de pesquisas e temos farto material para escrever uma enciclopédia. No entanto, preferi fazer algo diferente: usar o leitor para compartilhar algumas sensações minhas com relação ao Fluminense. Existem muitas e muitas outras, mas ficam para outra oportunidade. Histórias desinteressantes? Podem ser, mas eu precisava falar isso tudo para alguém, afinal, um dia passarei…

Maracanã

O Fluminense retorna, a partir de hoje, para casa. Casa? Pelo que muitos falam, é falsidade ideológica afirmar que o novo estádio é o Maracanã. Talvez, tenha assumido o mesmo nome de algo que não existe mais.

As saudades não devem impedir o torcedor de frequentar o estádio. Ainda mais agora, que o Fluminense é um dos “donos”. Aquela anarquia democrática não existe mais. Agora, tudo tem que ser negociado. Inclusive, nessa semana, o Vasco reivindicou um direito não-adquirido. O Presidente do Fluminense foi lá e disse: “é assim, pronto e acabou”. Se não se impõe agora, depois, nada mais precisaria ser cumprido, contratualmente falando.

Outros tempos, outras regras, outras leis naturais. No entanto, nada impede que as festas sejam feitas. Com camisa, sem camisa, com bumbo, sem bumbo, com bandeiras, sem bandeiras, com palavrão, sem palavrão, tudo vai se ajeitando.

Época de tantas polêmicas artificiais e inúteis, o que mais se precisa é de união. Falo isso, principalmente, com relação aos clubes. O dinheiro ronda o futebol, mas o amadorismo, e essas discussões inócuas são típicas disso, impede que nossos clubes comecem a levantar voo. Um aqui, outro ali, mas daqui a pouco, nem um, nem outro. Perde-se muito tempo e energia com bobagens, filigranas e retóricas.

A volta do Maracanã deve ser o marco de um novo pensamento dos gestores do futebol. No entanto, desconfio que não enxergam isso. Basta ver a postura, ou falta de, do presidente da federação do Rio nesse e em outros casos que envolvem seus filiados. São atitudes que me deixam perplexo.

Enfim, deixando de lado tudo isso, vai ser bonito ouvir a torcida voltar a cantar, sem erro: “Domingo, eu vou ao Maracanã. Vou torcer pro time que sou fã. Vou levar bandeiras e foguetes…”.

Mauro Jácome

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Foto: www.lancenet.com.br

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