Helio, meu pai, comemore esse título (por Paulo-Roberto Andel)

Sexta-feira, 21 de Maio de 2021.

Há exatos 13 anos, o Fluminense conquistava uma das maiores vitórias de sua história. Ela não valeu um turno nenhum título. Mas é como se tivesse valido. Afinal, a vitória no último segundo é sempre cinematográfica, avassaladora.

Minha amiga Rita comemorou muito, era seu aniversário.

Eu não pude. Naquela mesma noite, uma hora antes do jogo, meu pai faleceu. O pior dia da minha vida, junto com dia da morte de minha mãe. Mas o Fluminense, certeiro que só ele, aprontou no final e fez um belo réquiem para o Helio. Driblou o impossível e eliminou o tricampeão mundial da Libertadores 2008.

Tudo que já escrevi até hoje é derivação de meu pai. Tem o cheiro de sua presença, o som de seu rádio ligado nas resenhas, o volume dos muitos jornais e revistas que tanto leu e comprou, muitas vezes por causa do Fluminense.

Foi com ele que vi meus primeiros jogos, vi a Máquina de sonhos, os anos difíceis depois dela, o emergir da garotada sobre o Vasco em 1980. Depois, novas dificuldades e, finalmente, o maravilhoso tricampeonato de Assis, Romerito, Washington e todo mundo.

Meu pai era de poucas palavras e nossa convivência nem sempre foi fácil. É um filme que se repete em muitos lares, tal como ouvi de um amigo outro dia.

Ele amava futebol e amava o Fluminense acima de tudo.

Foi injusto demais que o Helio não tenha visto aquele jogo contra o São Paulo. Despediu-se em silêncio discreto, num minuto.

A minha vida mudou para sempre. Até aquele dia eu era um torcedor apaixonado Fluminense como todos somos. Contudo, a minha paixão ficava nisso.

A morte de meu pai transformou o meu hobby de escrever numa obsessão, numa tentativa de não enlouquecer. Eu já escrevia sobre música em sites, mas o Fluminense virou meu alvo preferencial: passei a produzir que nem um louco e não parei até hoje.

Anos antes da morte, meu pai conseguiu comemorar um título no dia do seu aniversário, 17 de abril de 2005. O Fluminense foi um grande campeão sobre o Volta Redonda como reza a tradição tricolor: no último grão da ampulheta.

Sábado teremos uma grande decisão.

Eu entendo quem acha que o Campeonato Carioca não vale coisa alguma, que é uma porcaria que não serve para nada, mas não é assim que pensa o nosso rival, vide o que tem feito nos últimos 20 anos. Ninguém pode ser tão ingênuo em achar que o Flamengo não se importa em derrotar o Fluminense numa final, seja ela qual for.

Num domingo de chuva e frio, eu voltei de mãos dadas com meu pai do Maracanã. Isso tem mais de 40 anos. O Fluminense levou uma goleada do Flamengo. No dia seguinte o Flu era a gozação da escola, mas passou-se um ano e o troco foi dado.

Em 1979, o Fluminense bateu o Flamengo por 3 a 0 numa noite histórica, com mais de 100 mil torcedores, com gol de Cristóvão driblando Manguito e Paulo Goulart defendendo pênalti de Zico. Se você já foi a um Fla x Flu com mais de 100 mil torcedores, há de entender o que sentiu um garoto de 11 anos de idade como eu era. Na segunda-feira, ninguém era mais feliz do que eu na escola inteira, até os garotos mais velhos respeitavam.

Gigante pela própria natureza, o Fla x Flu não pode ser desprezado em nenhuma circunstância e situação. Nem no jogo de totó, no futebol de preguinho ou na pelada da pracinha.

O Fla x Flu é gigantesco demais. Tão imenso que inventou a multidão, como bem definiu Nelson Rodrigues.

Meu pai deve estar em algum lugar que eu não sei dizer. Sinto sua falta diariamente, mesmo sendo um homem maduro, isso não importa. Só um órfão entende o outro.

Ele deve ter visto tudo o que aconteceu com o Fluminense nesses anos todos e, provavelmente, está muito irritado com tanto tempo sem um título significativo.

Não se iludam, dirigentes e suas curriolas: o meu pai já xingou muito vocês.

Então, eu entendo que ele merece esse Campeonato Carioca mais do que ninguém, logo em 22 de maio, um dia depois de seu aniversário de morte.

O Fluminense vai ter que jogar muito para ser campeão, muito mais muito mais do que tem jogado, e não dá nem para comparar com a atuação ridícula na terça passada, que já vinha se repetindo mas os comentaristas de resultado não notaram – só se tocaram com o placar desfavorável.

A decisão de um campeonato é como saltar de paraquedas: dar o passo e bum! Não tem mais o que fazer a não ser chegar ao objetivo. Vencer.

As coisas estão complicadas na Libertadores, mas longe de serem resolvidos, até porque os teóricos de plantão se esqueceram de um detalhe: o Fluminense só depende de si. E claro que é importante vencer a única competição que nos falta, mas isso não pode significar rasgar nossos 119 anos. O Flu tem que ser campeão carioca e se classificar para a fase final do torneio continental.

Portanto, nesse virar de chaves que tem sido a disputa simultânea dessas competições, no momento tudo que sonho é com uma vitória avassaladora no Maracanã. O título esperado há tantos anos.

O rival tomou três gols do Unión La Calera e dois gols da LDU. Pode perfeitamente tomar gols do Fluminense, desde que joguemos para ganhar o título.

Quem acha que o Carioca não tem importância, nenhum problema. Ninguém é obrigado a assistir nem acompanhar: pode ficar só pensando na Libertadores. Mas comigo não: onde o Fluminense está, qualquer partida tem importância, eu quero muito esse título. Meu pai merece muito essa conquista, onde quer que esteja.

Pode ser que essa inesperada coincidência da final do Carioca, no dia seguinte ao do aniversário de sua morte, faça algum sentido que eu não sei explicar.

O que sei é que todas aquelas decisões dos últimos 40 anos estão muito vivas para mim. Vencer uma final Fla x Flu não é pouca coisa, a não ser para quem não conhece a história do Tricolor.

Que meu pai abrace todos os velhos amigos de arquibancada na noite da vitória de sábado. Por aqui, com dor e tristeza numa cidade devastada, sigo torcendo. É o Fluminense, é o Fla x Flu, é mais do que um século, é o título, é muita coisa em jogo. Quem tiver dúvidas sobre essa importância, pergunte aos pais ou aos avós.

Meu pai merece muito.

2 Comments

  1. Beleza Andel,
    Mesmo longe, aqui desde o CARIRI cearense, vos digo: “tamo juntos”
    ST

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