Gentinha, não! (por Alva Benigno)

ALVA BENIGNO GREEN NOVO

I – O CORVO SOB ESCOMBROS

Enquanto o Fluminense tenta recuperar o rumo depois da conquista da Primeira Liga, da perda do ídolo Fred, e da má fase atual do time – tomara que vença o Vitória neste domingo de qualquer jeito -, torcedores, dirigentes e transeuntes tentam consolo em outras searas. Uma delas é o badalado centro de treinamento tricolor, há muito tempo esperado e louvado pelas gerais.

Outra é a promessa de um novo estádio, a ser erguido na Zona Oeste, em Jacarepaguá, ideia que não propriamente constitui novidade – vem dos tempos do lacerdismo: no ano de 1947, a área escolhida pelo prefeito do então Distrito Federal, Mendes de Morais, para construir o querido – e hoje falecido – Maracanã foi amplamente questionada por seus opositores políticos à época, dentre eles o jornalista e deputado federal Carlos Lacerda. Em vez do antigo terreno do Derby Club, hipódromo desativado com a construção do Jockey Clube, na Gávea, Lacerda defendia com unhas e dentes a construção do estádio em Jacarepaguá, na zona oeste da cidade. Numa manchete de capa do Diário Carioca, também em 1947, o “Corvo” vaticinou: “Se o estádio tiver de ser no Derby Club, é melhor que não haja estádio”.

diario carioca lacerda maracana 1947

Outro jornalista, no entanto, foi importantíssimo na campanha em favor da construção do estádio no bairro do Maracanã: Mário Filho, irmão do dramaturgo Nelson Rodrigues e um dos decanos jornalismo esportivo brasileiro. Proprietário do Jornal dos Sports, Mário Filho fez de seu veículo de comunicação uma titânica coluna em defesa do estádio.

Há poucos dias, o escritor Paulo Andel publicou uma coluna neste blog mencionando brevemente o causo do nascimento do antigo Maracanã. Não é necessário se aprofundar sobre os pensamentos de Chiquinho Zanzibar a respeito do autor: “Esse é um comunista de merda; escrevo muito melhor do que ele, com aquela imitação barata de Armando Nogueira e Nelson Rodrigues, aquela poesiazinha barata para conquistar garotinhas da arquibancada que não me interessam! Quem sabe de futebol sou eu! O melhor de todos sou eu, com minha literatura rebuscada(?) e detalhista! Quem esse gordo pensa que é? Um beatle? Paredão nele já! Pelo menos um sanatório de Barbacena lhe caía bem. Todos esses blogueiros vermelhos do Fluminense são sujos, desprovidos do sangue azul, gentalha metida a intelectual. Comunistas de merda, merda, merda! EU SOU MUITO MELHOR”. Coitado, é um Joselito. 

Passada a raiva contra o escritor tricolor, é claro que nosso crápula oficial não está nem aí com a história. O que lhe importa é: se o Fluminense vai passar a treinar e jogar em Jacarepaguá, é preciso fazer um bota-abaixo no estádio das Laranjeiras, fazendo algo que seja muito lucrativo e, CLARO, o velho Chico do Acaju sonha em agir como lobista e faturar uma grana esperta. “Ora, porra, qualquer campo serve! O que importa é não ter gentinha. Se vai ser no subúrbio ou não, que se dane! O que interessa é que os ingressos sejam caros para que a ralé não venha com suas sujeiras para cima das cadeiras acrílicas. Meu Fluminense não tem espaço para favelado e pobretão. O dinheiro move o mundo.”

(Nestas horas, a autora desta obra pensa em assassinar seu personagem, pouco importando se ele é fictício ou assustadoramente real. Pensa mesmo. Em sua mente, vem a imagem do artista Rogerio Skylab dizendo uma de suas frases marcantes: “A faca é mais humana que o revólver”. O que vale nesta terra um sujeito escroque, pedante, arrogante, racista, preconceituoso e corrupto? A única qualidade que Chiquinho Zanzibar realmente possui é seu estranho amor pelo Fluminense, cuja tradição e glória não se coaduna com o deplorável ser humano que alimenta as páginas deste livro dos dias. Mas o amor não se escolhe, e quem é amado não pode impedir o amor do outro. Aqui, o Flu é o refém dos sentimentos amorosos de um completo canalha).

skylab faca 2

“Não quero saber se estão fazendo isso pelo bem do clube, da gestão, das contas, o caralho de quatro: o que me importa nisso é tirar a gentinha do caminho e trazer meu levadinho. Eu não criei este mundo, eu não vou mudá-lo, é a vida como a vida é. Não me encham o saco com lições de falso moralismo. O mundo é movido a dinheiro e poder. Com o dinheiro onde o dinheiro está, com o poder onde o poder está. Se tiver uma brecha, é claro que eu vou entrar nessa. Quem quiser, que se faça de bonzinho. Eu quero é mais!”

“Aos amigos, tudo (isso enquanto tiverem alguma serventia). Aos inimigos, o rigor da lei.”

“Se fui criado nos salões nobres, no vert, blanc, rouge, no luxo com pessoas brancas, de bem, com sobrenomes importantes, porque deveria me nivelar por baixo e acatar gentinha? Estes Silvas, Souzas, Ferreiras, essa gente fedorenta de trem que vive se amassando? O que eu tenho a ver com isso? Nenhuma culpa. Gosto do que é bom, apenas isso. Viva o luxo! Viva a noite!”

“O que vocês queriam em Volta Redonda na quarta? Um monte de gentinha, de pobreza?”

Alguém me escreveu num inbox: “Só dando mesmo muita porrada nesse arrogante acaju da terceira idade, que se acha melhor do que os outros. Sou contra a violência mas, neste caso, umas pancadinhas caem bem”. A vida como ela é.

II – O IMPÉRIO DE KAPACETÓPOLIX

A nossa bossa recente do Fluminense é o centro de treinamento a ser inaugurado em breve, uma obra esperada há décadas, fruto pessoal do supertricolor Peter Anthony. O CT é praticamente tão admirado quanto um Fred de concreto e aço, isso para quem pensar ingenuamente que a fundação do clube foi em 2011 como se diz no baixo meretrício da internet – e quem discordar dessa tese aí sim pode avistar o equipamento colossal como se fosse um Pinheiro, um Félix (o grande goleiro, por favor) ou elegante como Marcos Carneiro de Mendonça. Preguinho, pregão.

Para visitar o canteiro de obras, é necessário e natural utilizar um capacete de segurança, de acordo com as normas técnicas do setor de construção civil. E aí, amiguinhos, é que Chiquinho Zanzibar fica completamente LOUCO: quer ir lá a todo custo, tirar fotos, ser reconhecido como um representante da nobreza tricolor, garantir vaga no Conselho Deliberativo com o melhor estilo Marco Maciel e, quem sabe, até um carguinho nos próximos governos. É situação, mas se a oposição pagar mais. “com o poder onde o poder está – não se luta contra a vontade do dinheiro”. É um desgraçado.

E o ideário, as convicções e a dignidade de Zanzi logo depois de acordar? Ele olha com firmeza para o espelho acima da pia do banheiro, dispara o “foda-te!”, escarra na mesma pia, deixa a água carregar o catarro vil e dispara uma gargalhada. Vira-se, encosta seu traseiro, pega o sabonete e suavemente começa a roçá-lo na cloaca, num misto de nojeira e prazer, alegando para si mesmo o argumento da “higiene”.

Onde Zanzibar pisa, o delírio do sexo é permanência. Capacete é masculinidade pura,  é testosterona, é mara! Mexe na internet, visita os sites, vê as fotos e sua por demais ao pensar na elegância dos visitantes tricolores – calores de desejo ardente. Homens brancos, de bem, com capacetes, símbolos de sucesso numa espécie de Olimpo da masculinidade, deuses do poder e do erguimento de um futuro que se avizinha, libertadores da América do bem. Céus! (O que será que pode acontecer nos alojamentos? Uma versão bruta de Pecadópolis?)

Começa o delírio homo megalômano do escroque: “Não, agora, não: é preciso manter as aparências, pois um grande império começa a mostrar ao mundo a razão de sua existência. Viva a pureza da raça, a graça da riqueza, a ostentação de bem, branca, limpa! Viva o império de Kapacetópolix, âmbar da conquista, balneário dos mistérios da força, onde a carne também pode se perder em emoções diferentes e safadinhas, danadinhas na cama. Vai uma “selfie” aí?”

Peter Tony, o tricolor apaixonado e dedicado que permite a realização do sonho construtivo de Chiquinho, não tem a menor culpa de ter um fã tão destrambelhado em todos os sentidos. Na Terra, muitas vezes não escolhemos os que nos serão próximos ou até íntimos. O amor do outro não se escolhe nem se controla. O mundo dá voltas. O parceiro de ontem é o imimigo de logo mais, o desprezo da semana passada é a paixão de agora. O importante é ser sócio, seja do amor, dos projetos ou de uma relação “privada e respeitosa”.

Um cínico.

E a música? Naturalmente, uma cena do cinema mental de Chiquinho Zanzibar com homens viris de capacete só pode reportá-lo a um dos clássicos dos anos 1970, interpretado por um dos mais emblemáticos representantes da disco music estadunidense: “Macho Man”, do Village People. Mais especificamente a do cantor David Hodo, que interpretava um operário nos shows da banda. Abafa, garoto!

Esmeralda parece interessante com seu peignoir vermelho intenso, sentada na poltrona da sala. Olha para o smartphone e dá uma gargalhada. Chiquinho pergunta “O que foi, amoreco?” – “Nada não, meu príncipe. Bom, acho que vou deitar.”

III – ONZE DA NOITE DE SÁBADO

Chega de sonhar com os capacetes por caminhos inenarráveis.

Completamente entorpecido depois de mandar ver um tremendo becão aditivado de alta performance no banheiro, no melhor estilo “misto quente” de Tim Maia – o charutão da marola -, com Esmeralda adormecida no último estágio do sonho profundo, Chiquinho revê na tela da televisão uma de suas permanentes obsessões cinematográficas: “Pulp Fiction”, o clássico de Quentin Tarantino, mais especificamente naquela que é a cena mais impactante do filme – o estupro de Marsellus Wallace – o chefão do crime em Los Angeles interpretado por Ving Rhames – cometido por um tira gay e o dono de uma loja de armas. O desfecho dessa história é sangrento, vingativo e honesto, mas Zanzibar não está preocupado com nada que não seja a cena de estupro e seu desejo homoerótico de encarnar Wallace, ainda que ele seja negro – algo difícil de digerir no patético universo chiquínico. A cada estocada criminosa que Wallace recebe de seus algozes, o bardo da canalhice acaju quase treme de prazer mórbido.

Terminada a cena com o alívio tenso de Butch Coolidge, o personagem interpretado por Bruce Willis, ao testemunhar a vingança de Wallace e acertar um pacto com ele a seguir, o velho de cabelo acaju não resiste: coloca a mão dentro da ceroula grená e começa a fazer amor por seus próprios meios. Mas por pouco tempo, já que o telefone fixo começa a tocar, um sinal especial ou de preocupação:

“Alô, Zanzi? Tudo bem?”

“Ai, meu filhoso! Que te deu para ligar a essa hora (risos)?

“Ela está aí?”

“Dorme feito uma porca, com seus peitões de fora. Agora deu pra tomar banho, vixe!”

“Seguinte: você tem tempo na terça-feira para a gente bater um papo? Pensei em nos encontrarmos na sauna e depois jantarmos perto do Edifício Argentina. Nada de Bar dos Guerreiros para não chamar a atenção, ok?”

“O que você pede que eu não te dou com amor?”

“Um abraço. Até lá.”

Telefone desligado, a estranha mistura do interlocutor com Marsellus Wallace provoca delírios na cabeça perturbada e sexista do velho trambiqueiro classe alta. Num súbito, olha para o teto e vê a figura imaginária de Washington, o deus africano do Fluminense, artilheiro de tantas conquistas e companheiro inseparável do lendário Assis no inesquecível Casal 20. Sua memória vagueia por trinta anos atrás e encontra um cântico de arquibancada. Então, desliga o abat-jour, a televisão, mantém distância regulamentar do corpo nu de Esmeralda, puxa a colcha de chenille para cobri-la num estranho sentimento de preocupação, deita-se um tanto encolhido, faz dos seus pensamentos um verdadeiro caleidoscópio de sua alma atormentada, mistura ruindades com glórias e a obsessão por capacetes, até que começa a cantar baixinho, quase sussurrando em tom bossanovista: “Ão, ão, ão, na cabeça do filhão!”

IV – O TELEFONE TOCOU NOVAMENTE QUASE À MADRUGADA

“Oi, filho.”

“Filho porra nenhuma, tá maluco? Não sabe quem tá falando?”

“Peraí…quem tá falando?”

“Chorei e o cacete pra deixar a parada nos conformes e você vem com historinha? Me passa o número do Teixeira que eu preciso falar com ele, ok? Ou o Teixeira ou o Ávila servem.”

“Du?”

“Adianta aí que eu já tenho que desligar.”

“Cosê? Sorry, my lord.”

“Passa logo que a mulher já tá com os olhos arregalados aqui do lado.”

“Ah, mas e o levadinho, amigo? Lobo não come lobo.”

“Tem certeza do que você está falando?” (risos)

“Seu maconheiro de merda! Fuma mas não traga” (gargalhadas gerais e finais)

“Maconheiro é tu, que fica enganando tua mulher! Escuta, tem alguma coisa lá que a gente possa fazer de trabalho ou nada ainda?” (acréscimos do árbitro)

“Vamos prospectar! Não é mole assim.”

“Tem que administrar.”

“Um gol sofrido não vai nos abater.”

cunha rindo red

george michael

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: a2

#NãoSouFake #NãoEnchaOSaco

 

3 Comments

  1. Com respeito a todos os escritores desse blog, esse foi o melhor do ano (risos).
    Sensacional!

  2. Aiiiii, que loucura!!!!! By Narcisa Tamborindeguy. O que você fumou?

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