Fluminense 2 x 0 Boavista (por Paulo-Roberto Andel)

amor barato

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Agora estou de banho tomado, roupas limpas, pronto para o jantar, talvez filar a canjica na casa de Cida, talvez esperar Leo para uma excelente ida ao Vieira. Tenho vários cds novos para ouvir. Foi um grande sábado. O Fluminense venceu, a tarde foi longa e linda, a noite será ainda melhor.

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Em “Cenas de Nova York”, para meu gosto o melhor conto de Jack Kerouac, ele narra sobre sujeitos que nunca beberam em bares esfumaçados, nunca brindaram com So Long Gee Gee mas encalacraram-se em busca de dinheiro e poder até um dia em que, inebriados pelo sucesso vão, simplesmente morrem sem entender o sentido da vida.

Para o torcedor de futebol, é mais ou menos o seguinte: quem abre mão das arquibancadas nunca viveu o jogo em sua essência, nunca mergulhou nos mares virgens da virtude. Tanto faz se é uma grande decisão ou um jogo corriqueiro como este contra o Boavista. Do cimento cru se vive outra história, outro poema. Nenhum problema com quem não queira vivenciar tal experiência: apenas não sabe o que está perdendo. A revolução não será televisionada.

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Uma viagem da Central do Brasil até Guilherme da Silveira faz pensar. Pelo trajeto, ambulantes tentam conseguir a comida do jantar que ainda não têm. Uma senhora cadeirante e amputada tenta vender bananadas. Crianças com seus olhinhos de mil atenções voltam da Quinta da Boa Vista e ainda não sabem quão chato é o mundo adulto. Camisas, camisas tricolores: Quintino, Madureira, Deodoro. Nas estações, pessoas sofrendo a miséria humana das drogas, um cenário de morte. Sofro. Diante disso, a chuva é nada.

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Logo na praça de Guilherme da Silveira você encontra os velhos amigos de sempre, os admiráveis maníacos infalíveis, os fiéis na eterna procissão de bumbos e bandeiras. Melhor ainda quando cheguei à fila dos ingressos e encontrei Juliana, linda como sempre, o delicado olhar de cobra verde impetuosa, que também foi de Regina Rozemburgo, Carla Valle e mais alguém. Mas Juliana, é bom que se diga, só tem uma, mesmo dentro de uma capa de chuva que não lhe empobrece um centímetro de beleza.. Dentro do Proletário, Carlinhos, Celso, Ricardo, Geninho, os bons de sempre.

Veio uma chuva enorme.

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Campo pesado, encharcado, marcações a mil, Fred poderia ter marcado de bicicleta, craque que é. Por outro lado, o Boavista tocava a bola razoavelmente e chegava à nossa defesa com maior frequência do que o devido. Tivemos mais um perigo quando Jean bateu uma falta e ameaçou. Tropeçamos na chuva, é fato. Não houve nenhum abalo sísmico, terminamos o primeiro tempo sem gols. Talvez usar mais o alto do que a bola no chão fosse mais importante. Quem sabe todas as respostas? Ninguém, meus amigos, ninguém.

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Veio o segundo tempo, no primeiro lance Jean acertou a falta, a bola resvalou na barreira, traiu o goleiro, o Fluminense fez 1 x 0 e a chuva foi uma irmã abençoada. Gritamos e pulamos. Eu pensei nos amigos queridos ausentes neste feriado e mal posso esperar para estar com eles em Volta Redonda. Roger, impávido, mostrou felicidade. Era nosso brinde com So Long Gee Gee, impensável para qualquer babaca reacionário das chamadas redes sociais. Então Juliana sorriu pelo gol e o mundo ficou mais bonito – por um instante somente, esqueci os sofrimentos que vi na viagem de trem.

As coisas mudaram. Tomamos as rédeas do jogo, fomos mais presentes no ataque, Rhayner foi comovente com sua assustadora entrega em campo – que os precipitados confundem com elogios à sua técnica. Jogou por dez, como se fosse o velho Marcão a duzentos quilômetros por hora, trouxe para o Fluminense a garra que havíamos deixado em 2012. Por favor, entendam: sem garra, nem um gênio consegue sequer soluçar. Um time de futebol precisa de garra. Talento, temos como é mais do que sabido.  Rhayner pode não ter talento, mas sua garra contamina um time inteiro, tal como Marcão, Denílson e Rubens Galaxe no passado tricolor. 

Tivemos uma, duas, três chances de gol. A dez minutos do fim, Fred, craque, não perdoou: aproveitou a bobeira da defesa, rolou com facilidade para Sobis livre finalizar o placar. Dois na conta, alívio na chuva. Pessoas riam a granel atrás do gol, crianças mais abaixo viviam o que eu vivi com Cristóvão em 1979 e, ao olhar para o lado, vi um querido amigo sorridente. Perto, uma linda mulher abraçada com sua mãe comemorando a vitória. Do outro lado, senhores tricolores felizes. Entendi que eu estava na hora certa, no lugar certo e na tempestade certa. Fiquei feliz.

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O trem da volta foi confortável. Amigos ao redor: Eduardo, Bruno, Fabiano. Foi mais uma experiência, mera continuação daquilo que comecei anos atrás, muitos anos, mais de trinta, que parece não cessar nunca. Essa busca pelo Fluminense e sua camisa, suas cores e histórias, seu amor que atiça e amedronta. Eu penso nos amigos queridos da minha equipe, eu penso que Roger está feliz em casa. Eu penso no sorriso de Juliana. Dei um abraço em Bruno, rimos com um incrível regulamento sobre saldo de gols em disputas de pênaltis. Daqui a muitos anos, quero dizer que este foi um grande sábado tal como estou sentindo agora: o sábado de uma modesta vitória tricolor, o sábado de um amor barato e infinito. Amor de felicidade que nenhum ranzinza derruba. Nosso amor barato, nosso louco amor.

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

7 Comments

  1. Texto emocionante! Nosso amor barato que nos move, que nos guia aos recantos desse Rio de Janeiro! Ótima vitória tricolor e melhor é comemora-la como nossos amigos

  2. Cara!!! PQP!!! que crônica linda!!! Demais. Só acho que o Rhayner tem técnica, pois o que mostrou hoje, com lançamentos, dribles e passagem para a linha de fundo, não é qualquer um que pode fazer. Ainda vai dar caldo. Eu também vivi a alegria com o gol do Cristovão. Até porque imaginava que o nosso Tricolor, cheio de reservas, poderia ser goleado naquele jogo. Creio que o time está se encorpando e noto mais compactação entre os setores, talvez em virtude da marcação começar na frente. Vamos em frente! Sds Tricolores…

  3. Sebsacional! Sábado que vem junto-me aos bons, de novo. Segunda, saí a crónica sobre a bar tricolor aqui em Maricá!

  4. sensacional!

    Art. 5º – Para a classificação de uma das equipes dentre as perdedoras dos confrontos de cada um dos grupos da segunda fase serão adotados os seguintes critérios de desempate:
    Maior número de pontos ganhos na segunda fase
    Maior número de gols pró no tempo normal de jogo na segunda fase
    Maior número de gols pró-obtidos na disputa de pênaltis na segunda fase
    Maior saldo de gols na primeira fase
    Maior número de pontos ganhos na primeira fase

  5. Excelente! Não pude ir mas vibrei com os mais de 3000 guerreiros em Moça Bonita. Segundo ABEL pode ser nossa casa no Brasileiro!!!! ST!!

  6. Maravilha, Paulo!
    Esse estado de felicidade sem saber (sabendo) o porquê é bom demais!
    Chegar em casa depois de uma batalha dessas e lembrar dos bons momentos de uma vitória como a de hoje é das melhores coisas da vida!
    Valeu! SSTT4!!!!
    E obrigado pela companhia amistosa de sempre!

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