Flu City (por Rafael Bosisio)

O imaginário do torcedor brasileiro é permeado pelos encontros – possíveis ou já acontecidos – entre clubes brasileiros e europeus. É uma forma usada pelo torcedor e até mesmo pela imprensa para medir forças, entre o futebol mais vencedor do mundo e o futebol mais caro do mundo.

Em dezembro último não foi diferente. O Fluminense, campeão da Libertadores da América, se credenciou para disputar o tão desejado Mundial de Clubes, e como era de se esperar, enfrentou na final o poderoso Manchester City. O resultado não agradou aos torcedores tricolores, mas foi possível assistir o enfrentamento de duas escolas de futebol diferentes, a sul-americana e a europeia, e de dois técnicos tão em voga no futebol mundial, Fernando Diniz e Josep Guardiola.

Todavia a relação entre o Fluminense e o Manchester City vai muito além de um único jogo e coincidências esportivas, como a primeira conquista continental de ambos no ano de 2023, e tudo por conta do inglês Charles Albert Williams.

Nascido em Welling, em 19 de novembro de 1873, Charlie – como era chamado – se destacou no futebol inglês como goalkepper dos Citizens entre 1894 e 1902, com mais de duzentas e trinta partidas, e tendo feito parte do elenco que conquistou o primeiro título relevante do clube, a Segunda Divisão Inglesa, na temporada 1898/1899. Ainda no City foi responsável pelo primeiro gol de goleiro da história do esporte, no dia 14 de abril de 1900, na partida diante do Sunderland, quando Charlie deu um chute para frente tão forte que pegou o arqueiro adversário desprevenido e a bola acabou no fundo da rede.

Após passagem por outros clubes ingleses, Charlie se aposentou dos gramados em 1908, iniciando em seguida sua carreira de treinador. E é nesse ponto sua história cruza com a do Fluminense Football Club. Após treinar a seleção da Dinamarca e ter obtido a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Londres, em 1908, foi convencido por Oscar Cox, após um encontro em 1911, na cidade de Londres, a treinar o Fluminense.

Próximo dos quarenta anos de idade, Charlie aceitou a ideia e veio ao Brasil para se tornar o primeiro treinador do tricolor das Laranjeiras e o primeiro treinador profissional do futebol carioca. Segundo Morten Olesen, Charlie aceitou a vinda para o Brasil por um salário de 18 libras por mês, duas viagens para a Inglaterra, além de alimentação e hospedagem no Rio de Janeiro.

O Fluminense vinha de um modelo no qual não existia treinador, mas sim um Ground Committeé que organizava o time e a chegada de um técnico mudaria esse conceito coletivo de organização da equipe. A decisão de Cox de trazer um técnico o Fluminense se mostrou muito acertada, pois, logo no primeiro ano, em 1911, o tricolor das Laranjeiras sagrou-se campeão carioca invicto, tendo sofrido somente um gol – até hoje o recorde de gols sofridos por jogo em toda a história do campeonato carioca –, e contando ainda com o artilheiro do campeonato – James Calvert, com 7 gols.

Williams também estava presente num momento crucial do futebol brasileiro – o surgimento do departamento de futebol do Clube de Regatas do Flamengo, pois era o técnico no estopim da crise que levou dez jogadores do clube, sendo nove titulares, a abandonarem o Fluminense para criarem esse departamento. Isso foi em setembro de 1911, logo após a vitória de 5 a 0 sobre o Rio Cricket. Também era o técnico do clube no antológico primeiro Fla x Flu da história, em 7 de julho de 1912, no qual a vitória improvável do Fluminense de 3 a 2, sob os olhares espantados de cerca de 800 pessoas, deu início a mística do clássico.

Entre 1911 e 1912, Charlie dirigiu o clube em 24 jogos (13 vitórias, 3 empates e 8 derrotas), com 58,33% de aproveitamento. Em 1914, foi convocado pelo serviço militar britânico durante a Primeira Guerra Mundial, consequentemente, se afastando do futebol.

Charlie Williams retornou ao Fluminense em 1924, substituindo o técnico dinamarquês Pode Pedersen, depois de uma campanha mediana no Carioca de 1923. Novamente numa decisão acertada do clube, sob a presidência do grande Arnaldo Guinle, em trazê-lo de volta, Charlie conduz o Fluminense aos títulos do torneio início (Taça Alaor Prata) e do campeonato carioca de 1924 da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos, contando no time com o ídolo Preguinho e o artilheiro do campeonato Nilo, com 28 gols.

Ainda sob seu comando, a torcida assistiu a despedida dos gramados de Henry Welfare, o tanque tricolor, num Fluminense x Botafogo, em 24 de abril de 1924, no qual o próprio Welfare fez o gol da vitória, tornando-se até os dias atuais o maior artilheiro do Clássico Vovô, com 18 gols.

Em 1925, levou o Fluminense ao bicampeonato do Torneio Início numa partida memorável contra o São Cristóvão, em 19 de abril, na qual o Tricolor ganhou de 1 a 0 – gol de Lagarto –, e 2 a 0 nos escanteios. Nessa partida, o ídolo Preguinho, após ganhar o tricampeonato estadual de natação na categoria 600 metros, ainda com a medalha no peito, pegou um táxi até o Estádio das Laranjeiras, para jogar e ajudar o tricolor a conquistar o Torneio Início.

Nessa segunda passagem, Charlie Williams dirigiu o clube em 55 jogos e teve um aproveitamento de 78,18%, com 41 vitórias, 6 empates e 8 derrotas. Deu lugar ao técnico húngaro Jenő Medgyessy. Williams continuou em terras brasileiras, onde treinou o America, o Botafogo e o Flamengo, e pelo que consta, não retornou à Inglaterra, tendo falecido no Rio de Janeiro em 1952.

Clubes históricos, intimamente ligados à estruturação e consolidação do futebol em seus países, Fluminense e Manchester City sempre será mais que um jogo. Sempre serão clubes coirmãos que partilham de histórias em comum, a começar pelo histórico atleta e treinador Charles Albert Williams.

1 Comments

  1. Apesar de ser alvinegro da Estela Solitária de General Severiano curti uma parte da história do Fluminense. Obrigado professor e amigo RAFAEL BOSISIO

Comments are closed.