Fla x Flu, Fla-Flu (por Paulo-Roberto Andel)

ANDEL RED NEW

Era coisa séria demais. Quando comecei a vivenciá-lo ao vivo, em 1978, ele exigia uma concentração mental enorme de todos nós, torcedores. Estreei levando uma goleada num domingo triste de chuva; um ano depois, veio o troco incontestável no fantástico 3 a 0 com Zico perdendo pênalti e o diabo. Pelos sete ou oito anos seguintes, muitas vezes com o ex-Maracanã abarrotado, em poucas com pouca gente. Ganhamos demais, perdemos, levamos vantagem porque Assis foi o rei dos reis: mais de trinta anos depois, ninguém igualou seu feito de alijar um grande rival da conquista de dois títulos consecutivos – e com que gols! Edinho e Rubens corriam feito loucos, o Zezé era um azougue, Paulo Goulart pegava todos os pênaltis e o pó de arroz era uma nuvem de espessa massa branca, pintando o concreto cinza de toda a arquibancada.

Lá por 1986, por mais de um motivo, começou a complicar. Não por coincidência, era a apoteose do Caixa D’Água, um dos mais abomináveis cartolas do futebol brasileiro. Botaram o Fla x Flu numa segunda-feira à noite, entramos garfados em campo pela perda de cinco pontos no tapetão, a torcida foi enganada e compareceu. Então o maior clássico do futebol brasileiro passou a deixar ocasionalmente seu habitat natural para ocupar outras praças mais modestas, tais como Caio Martins e Ítalo Del Cima (hoje, criminosamente às traças).

Ok, em 1984 disputamos um decisivo no sábado à noite. Às vezes acontecia.

No exótico Rio-São Paulo de 1993, Fla-Flu na quarta-feira à tarde. Era mesmo para ninguém ir.

O mundo mudou, o futebol também, ambos nem sempre para melhor, inventaram que a onda era a TV e que arquibancada tinha que ser de elite. Adeus, geral. Com as sucessivas amputações até a destruição final, o Maracanã sofreu um longo processo de decomposição covarde. Nunca mais tivemos um Fla-Flu para cem mil pessoas, depois para noventa, depois para oitenta, setenta, sessenta e os últimos mais importantes foram os do Brasileirão de 2012 no Engenhão, coisa de trinta mil. Virou também um atrativo de botequins, bastando uma boa televisão. Não há novidade alguma em colocá-lo em Brasília, Volta Redonda ou na Ilha: é só pesquisar no Google e tirar as conclusões. Há quem diga que o último, último mesmo, de fazer a alma tremer, foi o do gol de barriga. Não pode ser assim; ao menos, não deveria.

Com as imposições da “praça paulista”, nunca mais domingos às cinco da tarde. No máximo quatro ou essa coisa medonha de seis e meia.

Não entro no mérito da carga de ingressos, essa história de 90 por 10, rifar o mando de campo. Acho isso tudo cansativo demais: é coisa para as gestonetes do Twitter. Sai fora, caipora! O que sei é que, para os cinquentões de hoje, ou os que já se avizinham feito eu, o Fla-Flu era sério demais, bonito demais e importante demais para passar por tanta vulgarização.

No mês anterior, você sabia que seria num domingo, às cinco da tarde, com duas multidões berrando desde a maravilhosa preliminar das três. Podia ter banda de música, urubu em campo, quase estreia da FlaGay, Zezé Gomes contra Zico no velho e querido placar de lâmpadas, bandeirões por toda parte, eles berravam demais e nós respondíamos à altura. Hoje, com toda a modernidade, os focos, as gestões, o “norráu” e o “biuzinésse”, o clássico foi cogitado em três ou quatro lugares diferentes. Não fica bem nem para o respeitoso certame do Aterro – onde, aliás, sempre se sabe onde vai se jogar. Mesmo esse Maracanã 2016 triste, gelado e gourmetizado caía bem por ora, mas o maldito buracão no meio, ou o contrato ou o diabo não permitem. Nunca sabemos direito.

Se existe um bom motivo para a necessidade de uma completa reformulação no futebol brasileiro em todos os aspectos, esse causo do Fla x Flu 2016 é, no mínimo, um excelente prefácio do livro. Se ficar exagerado, uma orelha da capa serve. Na outra, ponham os clássicos de uma torcida só em São Paulo. Desgraça pura.

fluminense 1979 poster preto e branco

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: rap/placar

1 Comments

  1. Esse Fla x Flu de 1979 é inesquecível pra mim. Na época, meu pai decidiu morar na sua cidade natal no sertão paraibano e em frente a nossa casa havia uma praça com uma TV em preto e branco. Dezenas de pessoas se reuniam para assistir jogos e novelas. Os mulambos tinham expressiva maioria. A pequena torcida tricolor fez um verdadeiro carnaval e os urubus com peito de pombo saíram “com o rabo entre as pernas”, como se dizia na região.

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