Fla x Flu: 110 anos de decisões (por Paulo-Roberto Andel)

SEJA LUZ PARA O LUIZ. COLABORE.

Futebol é coisa séria e importante demais. Num país marcado por tanto sofrimento e desigualdade, caso do Brasil, o secular bolapé é, muitas vezes, o único momento de alegria de dezenas de milhões de pessoas. Às vezes nos esquecemos disso, mas no próprio Rio de Janeiro há domicílios sem luz onde a única distração é o radinho de pilha – e, nele, o som do jogo.

Meu Maracanã tinha mais de cem mil rádios ligados e, nos minutos finais dos grandes clássicos, os sinais das rádios ecoavam por todo o estádio numa experiência pinkfloydiana. Que criança passaria imune a isso? Impossível.

Aí está o Fla x Flu decisivo. O tigre e o leão andando numa calçada de Nova York, como diria Tom Wolfe.

Tivemos que correr atrás por tantas vezes que chega a ser estranho ter vantagem logo mais. A Flapress quer nos convencer de que a vantagem é ruim, contrariando os conjuntos matemáticos; afinal, +1 é maior do que -1. Não mudam nunca.

Outro fato, menor mas que exige registro: não há notícia anterior do Fluminense ter chegado a uma decisão depois de tantas besteiras feitas pelo treinador e pela diretoria, mas o escudo do Flu é tão grandioso que proporciona essas coisas. Grandioso e muito maior do que efêmeros seres estapafúrdios, que sequer merecem menção por aqui.

Assim sendo, só nos cabe torcer demais e sonhar com a alma lavada perto das oito da noite. A maioria fora do estádio por falta de ingressos, vocês já sabem das, digamos, trapalhadas…

Tudo passou rápido demais: outro dia mesmo me jogavam pra cima com o gol do Doval no último minuto da prorrogação, Nelson Rodrigues celebrava os campeões e o Fluminense se chamava Máquina, mas tudo isso foi contra o Vasco e o prato do dia se chama Flamengo. Então volto a ser bebê em 1969 e um 3 a 2, placar de intimidade nossa, nos levou a um título imortal. De lá pra cá, são muitas e muitas histórias, onde as principais têm final feliz para nós.

Sempre falamos de Assis e Renato porque é impossível não recordar. Que tempos aqueles! Tem os gols do Fred no centenário do clássico, Flu campeão brasileiro. Eles gostam de falar do Zico, mas não tem um gol decisivo sequer. Grande coisa, isso o Nildo já fez.

Ok, eu não vou me enganar. Sei que o Carioca não é mais aquele, que o mundo mudou, que o futebol mudou, mas será que posso comemorar em paz se conseguir confirmar o título sobre meu maior rival, que conta com bilhões de reais e o maior aparelhamento midiático esportivo do continente? Me dá licença por favor? Só hoje. Segunda-feira a gente pensa no Brasileirão, na Copa do Brasil e na maldita Sula.

Acordei cedo e me dá saudade triste de todas as pessoas que faziam parte do meu Fla x Flu, mas infelizmente não estão mais aqui. A vida é assim, um desafio quase sempre triste para a maioria e, por isso, o futebol ganha tanta importância. O clássico maior também é isso, é um réquiem, é reviver tanta gente importante que parece estar aqui ao lado, mas não está.

Logo mais o Fla x Flu vai ser capa de jornal e revista, notícia por todo lado, vai mexer com milhões de corações humildes, vai religar as turbinas da maior paixão popular do Brasil e, em algum lugar do infinito, quem deve estar sorrindo é Barthô – ele, que estabeleceu o 3 a 2 basilar de 1912, quando o Fla x Flu nasceu, não poderia imaginar sua obra tão viva 110 anos depois.

Tomara que a chuva não castigue o Rio de novo, mas que o tempo chuvoso remete a 1995, é fato.

Enfim, é dia de uma saudade enorme, melancolia, aflição, confiança e esperança. Não garantimos nada, mas às oito da manhã está mais pra nós. Eles sabem disso, só não admitem. O que esperar do Maracanã? “Viver é fúria e folia rumo ao mágico”, Frejat e Jorge Salomão.

Sai do chão, sai do chão, a torcida do Fluzão.

Que venha o jogo. Roll the bones.

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