Era 95! (por Paulo-Roberto Andel)

Se você tem menos de 25 anos de idade, pode ter certeza: o que viu neste domingo, na monumental vitória que assegurou para sempre o nosso tetracampeonato brasileiro, foi o mais próximo daquele 25/06/1995 desde então, quando o Fluminense ganhou a maior partida de todos os tempos. Não que as cargas dramáticas fossem as mesmas, mas falo das nuances no decorrer da partida. Não havia cem mil flamengos do outro lado a comemorar um pré-campeonato, nem tínhamos qualquer desvantagem. Mas acabou parecendo muito, como tratarei nas linhas a seguir.

Desta vez, entramos em campo pisando no mar da tranquilidade. Poderíamos ser ou não campeões agora (além da nossa vitória, era preciso que São Januário fizesse o que se esperava), talvez daqui a uma semana, no pior cenário umas duas. Mas ninguém tem a vocação tricolor para fazer do gramado uma ribalta, do jogo o teatro e da história o drama – não à toa, nosso cronista-mor, mestre Nelson Rodrigues, é o maior dramaturgo brasileiro de todos os tempos. E com as cores do drama e da dificuldade, o Fluminense desenhou no gramado um de seus momentos mais memoráveis, mais singelos e verdadeiros. O Fluminense foi mais Fluminense do que nunca e fez com todos se esquecessem da enorme vantagem que tínhamos na pontuação: conseguiu a vitória a três minutos do fim, com o eterno placar emblemático de 3 x 2 que tanto lacrimeja as redações e calou todos os dissabores, fez desaparecer todas as carpideiras rancorosas e empunhou as três cores da vitória no céu do Brasil. Somos os grandes tetracampeões do país, para desespero dos desavisados.

A partida não tinha ares de calmaria, mesmo com nossa folga na tabela. Afinal, o Palmeiras estava ferido de morte pelo descenso e jogava suas últimas fichas – munidos de total gigantismo em campo, ressalte-se. Com exceção dos nossos admiráveis maníacos que atravessaram um continente para ocuparem as arquibancadas debaixo do calor de Presidente Prudente, todos éramos fanáticos exilados, com olhos e ouvidos atentos a televisões, computadores e rádios. Reitero: nossos maníacos nos enchem de orgulho; como é bom ouvi-los aos gritos tricolores em qualquer praça de futebol deste continente brasileiro. Então fomos para a batalha. Desesperado, o Palmeiras concentrava suas apostas em cruzamentos de Patrick Vieira para as finalizações do perigoso Barcos – e em mais de uma vez, vivemos pequenas tensões, dado que o alviverde atacou, procurou e ameaçou, mas não a ponto de assustar. Quem o fez foi o Fluminense, quando Fred, magnífico, cabeceou a bola na trave esquerda do goleiro Bruno. Fizemos o jogo de todo o campeonato: velocidade moderada, prudência, dando espaços ao adversário para que avançasse e oferecesse as preciosas brechas onde pudéssemos aniquilá-lo. Um boxeador em busca do nocaute perfeito, um único soco no queixo. Já no apagar das luzes da primeira etapa, ao nosso melhor estilo, abrimos o marcador: Nem chutou, Bruno deu rebote e Fred foi cirúrgico. Um chute forte, reto, incapaz de ser defendido ou cortado, com os palmeirenses caindo no chão em vão pela linha final. Em São Januário, uma tresloucada arbitragem tungou o Vasco, que já merecia a vitória diante de um Atlético Mineiro que, no decorrer da competição, se perdeu entre delírios e falácias, tirando o foco que trata das vitórias em campo. Terminamos o primeiro tempo tranquilos, felizes, em vantagem. Edinho, garra indomável. Fred, implacável. Nem, sempre útil. Gum, gigante na defesa, assim como em todo o campeonato. Jean, sobriedade e precisão. Bruno foi Bruno, Neves foi o Neves da atualidade.

Horas antes da partida, pensei muito em 1995, sabe-se lá o porquê, talvez um misto de saudade e confiança. Comentei em mais de um momento durante a transmissão que esse jogo tinha a estampa de 1995, daqueles que são muito difíceis e são decididos nos últimos grãos da ampulheta. Difícil pensar em qualquer explicação. Penso que foi apenas um palpite.

Voltamos com o espírito da decisão. Sobis marcou, mas anotaram o impedimento com precisão de um Hubble. Pode ter sido consequência das semanas em que fomos massacrados covardemente pelos parajornalistas. Entretanto, o Fluminense não precisa de favores e logo tratou de ampliar o placar, numa jogada inesperada e típica de quem realmente vai ser campeão: na direita, Fred tentou alçar a bola, o zagueiro Maurício Ramos tentou interceptar, acertou uma quixotada para trás, encobriu o goleiro Bruno e consolidamos o 2 x 0.  Em qualquer outra situação para um time líder, seria o berço esplêndido de um título assegurado; porém, nada é fácil para o Fluminense – somos drama em quatro linhas em qualquer ato de respiração. E veio 1995: tal como a Gávea daquela tarde no Maracanã, o Palmeiras ergueu sua camisa de brios, deixou de lado toda a tristeza do momento, esqueceu-se da limitação de seu time e foi um leão em campo. Num intervalo de dois minutos, numa partida onde era amplamente inferior, reagiu com grandeza e empatou o jogo, primeiro no rebote que Barcos completou para as redes, segundo na cabeçada precisa de Patrick Vieira. A primeira imagem que me veio à mente foi a dos flamengos urrando pelo centenário quando Fabinho marcou aquele gol do passado. Mas o cenário era outro.

Futebol não existe sem o outro. Repito: ferido de morte, o Palmeiras foi um gigante, tentou um, tentou duas e, na terceira, Barcos poderia ter virado a partida, não fosse Cavalieri hoje o melhor goleiro em atividade no país. Uma defesa esplêndida num momento muito difícil em chute de Maurício Ramos. Cavalieri foi, acima de tudo, ele mesmo como tem sido em 2012, mas também foi um Wellerson heroico ao impedir a virada no centenário antes do mitológico gol de Renato. A intervenção do nosso goleiro foi um verdadeiro gol de título, que viria a se cristalizar depois. À mesa, entre cervejas, quase todos eram tensão e dor: Cida, Leo, Luiz e Henrique. Houve quem temesse por 2005. O Palmeiras atacava e queria uma vitória que o ressuscitasse. Se tivesse jogado na competição o que fez em Prudente, disputaria o título ou os primeiros lugares. Jogou honrando cada milímetro de verde nas camisas; pode até cair de divisão, mas jamais será rebaixado. Outra vez, mencionei a brincadeira da lembrança: esse jogo tem a estampa de 1995. No bar, alguns flamengos sorriam de canto, festejando o adiamento da conquista, mas com o justo empate vascaíno bastava-nos vencer ou vencer para que o tetracampeonato fosse nossa realidade para sempre. E Fred, monumental, poderia ter feito o terceiro gol ao chutar no ângulo esquerdo, em diagonal, para fora. E Abel acendeu a chama quando colocou o contestado Diguinho em campo no lugar de Bruno. Ninguém sabia o que viria pela frente, exceto que o Vasco, digno, havia assegurado o empate em casa.

Quarenta e três minutos do segundo tempo. Uma bola do meio para a direita. Não, não havia Charles Guerreiro pela frente nem dois dribles fantásticos de Aílton. Não havia a barriga imortal de Renato. E nem era preciso: Jean, fera do começo ao fim do ano, dominou na lateral, ergueu a cabeça e viu Fred pedindo a bola na marca do pênalti. Cruzou com eficiência. O artilheiro foi a própria águia do Atlântico Sul em campo: olhou, mirou e fuzilou Bruno sem piedade – pé direito, meio do gol – para levar o nosso amado time ao tetracampeonato que nos escapou pelos dedos ano passado. O placar emblemático de 3 x 2 é uma tatuagem em nossa pele de glórias. O chute de Fred foi um tiro de fuzil nos rancores, nas maledicências, no jogo torpe e vil que se estabeleceu nos meios de comunicação para tentar tirar do Fluminense o que pareceu tão óbvio desde o começo – a taça de maior do Brasil. Foi o suficiente para que nossa torcida gritasse a plenos pulmões pelos quatro cantos do continente. Nos bar, trocamos um abraço infinito, o abraço de um amor infinito que repousa no coração de todos aqueles que têm no Fluminense o seu exercício de beleza, poesia, paixão e fé. A fé que não costuma faiá. A fé dos tetracampeões de corpo e alma. E 1995 venceu 2005.

Minutos depois, os tricolores fizeram das ruas do Rio de Janeiro e do Galeão o seu habitat natural. Nada mais justo para um aeroporto que se chama Tom Jobim, mito sagrado da música e tricolor de coração. O trio elétrico da vitória cortou a cidade de uma porta a outra. O túnel Santa Bárbara foi fechado. As Laranjeiras receberam todos os maníacos vivos, mortos e em dúvida. Leblon, Ipanema, Copacabana, Tijuca, Olaria, Bangu, não houve uma faixa de terra carioca que não prestasse o devido tributo ao legítimo tetracampeão brasileiro – de fato, de direito e de respeito à aritmética também. Nossas contas não têm delírios, mas delícias.

Hoje, mais do que nunca, nossas bandeiras e camisas estampam as calçadas e alamedas. A sina que nos tinge é imortal. O olhar aparvalhado e o tom sóbrio de alguns dos homens de imprensa acusam o golpe. Ainda temos três jogos pela frente, três dignas jornadas, mas confesso sentir uma emoção especial nessa comemoração antecipada – inédita para nós. Pela primeira vez, o Fluminense é um campeão monumental sem sustos; contudo, para não perder o timbre natural do teatro tricolor, agora podemos entender melhor porque o Palmeiras foi tão digno, combativo e esforçado nessa partida que selou nossa conquista – sem isso, as luzes da cidade não seriam as mesmas. Bravo!

Em homenagem a todos os companheiros do Panorama Tricolor/FluNews e a Marcos Caetano.

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor/ FluNews

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: Luiz Mello – odia.com.br

Contato: Vitor Franklin

10 Comments

  1. Paulo,
    jamais haverá algo parecido aquela tarde de domingo de 95 no futebol mundial. Aquilo acontece uma vez na vida e olhe lá… Digo sem receio que aquela conquista foi a maior de um clube de futebol no mundo.
    Abç.

    1. Paulo responde: Pedro Jensen, uma leitura pormenorizada do texto acima é suficiente para não causar dúvidas a respeito do que eu comparei sem juízo de valor.

      Sobre o 25/06/1995, fiquei sabendo que, em breve, um interessante livro será publicado a respeito.

      1. Tens razão Paulo, só li o título… rsrsrsr. Mas pode ter certeza que o vivido naquela chuvosa tarde de domingo jamais se repetirá no mundo do futebol. Eu teria um desgosto profundo se não estivesse no maraca naquele dia.
        Abç.

        1. Paulo responde: Eu tenho certeza. Estava lá, acompanhei todo o campeonato e fui um dos poucos tricolores a ver o gol do Renato (97% da torcida já tinha ido embora).

  2. Esta vitória estava escrita há séculos. Nada impediria o Flu de ser campeão no domingo, pois estava sacramentado, lavrado em cartório antes do descobrimento do Brasil. estou preocupado agora é com o 32º título carioca, com o penta brasileiro, com a Libertadores e com o mundial de 2013. Chega de chope!

Comments are closed.