E se o Fluminense não tivesse sido inventado? (por Felipe Duque)

Bom, de antemão é complexo para um historiador falar em “se” diante de fatos históricos já consagrados, pois beira mais as especulações e previsões do que, necessariamente, a realidade concreta de acontecimentos. É o que chamamos de história contra-factual.

Mas enfim, tentarei me aventurar nesse árduo exercício no dia de hoje que o clube completa 119 anos de idade. Como todo tricolor raiz conhece, a fundação do clube é no dia 21 de julho de 1902 após toda uma disposição e ambição sem precedentes no esporte brasileiro para constituir um clube para uma determinada modalidade, como o futebol. E o sujeito responsável por isso é Oscar Cox, o anglo-brasileiro, que chamarei aqui carinhosamente pelo segundo nome, Sebastião ou Tião, como queiram.

Logicamente, que existia a prática do futebol no Brasil antes de sua chegada, nas pouquíssimas escolas inglesas do Rio de Janeiro, também de forma recreativa nos portos e até sob a organização das atuais “peladas” em São Paulo com Charles Miller. Mas foi Cox (ou Tião) que em seu pioneirismo e empreendedorismo (no sentido stricto do termo) que percebeu naquele esporte uma possibilidade de avançar e sincronizar o Brasil nos espectros da modernidade e “civilização” apreendida junto ao seu secundário numa escola suíça, onde foi estudante e travou contatos com a ideia do esporte como função educadora, algo perene na II Revolução Industrial e o modo de vida da Belle Époque de parte do século XIX até a primeira guerra mundial.

Cox (ou Tião), em férias na Inglaterra, resolveu trazer o valioso material para o Brasil, as ferramentas daquele esporte: as bolas e o livro oficial de regras do “football” – documento estabelecido pelos ingleses e que seria regra mundo afora. O empreendedor Oscar Alfredo Sebastião Cox convence um grupo de amigos da prática, quando logo viria estabelecer relações com Miller em São Paulo para desenvolver e fortalecer mais jogos. Porém, não era suficiente, sua ambição não parava ali: queria construir um clube específico para o futebol e buscar organizar um campeonato com outros times (que sequer existiam).

Mas lógico, estamos falando de uma capital federal vinculada a modalidade do remo, com poucos apreços aos esportes terrestres (o mais comum era o turfe), com alguns esportes restritos como o próprio cricket. Porém essa ambição foi além e assim criou-se o Fluminense Football Club, e a constituição de uma ata que poderia ser letra morta, caso não comprassem o terreninho da Rua Guanabara na bucólica Laranjeiras habitada por setores da sociedade ex-abolicionistas do Império e operários da fábrica Aliança. A curiosidade demandava quando viam um burrico pastando naquele terreno demarcado e com relevos desiguais, enquanto isso, eles praticavam o novo esporte no buraquento campo da Rua Paysandu.

A partir dali, surgiram outros clubes no Rio e que culminariam na federação a construir o Campeonato Carioca de 1906, algo emblemático para a história do futebol brasileiro. A questão é: se o Tião (ou Cox) não tivesse percorrido esse caminho existiria futebol no Brasil?

A resposta é, sim, com certeza. Nós já tínhamos clubes de futebol nascendo no RS, em MG, PA PE e outros lugares do Brasil (para não falar de SP que já tinha até um campeonato). A questão é que seria um esporte secundário ou até terciário para o brasileiro. Naturalmente, o remo seria destacado do Rio de Janeiro ante ao processo das Reformas Pereira Passos no início do XX e o aterramento do Rio de Janeiro, ou seja, esportes marítimos perderiam sua predileção ao público.

Nisso tudo, a capital federal necessitaria de um esporte que capilarizasse no seio popular em sua inevitabilidade. Possivelmente, seria o cricket em suas derivações como o baseball, a exemplo de outros países da América Latina. Lembremos que o Rio de Janeiro ecoava o habitus de um Brasil pouco urbanizado, mas plural na representação institucional, a começar pela presença das federações no parlamento e suas assessorias (que incluíam amantes, filhos etc.). Muitos travavam contato com a cultura da cidade litorânea e depois a reproduziam em seus Estados, incluindo o esporte.

Sem a força de um Fluminense, localizado próximo ao Palácio Guanabara e de relações de incentivo aprofundadas com setores da política nacional nas décadas seguintes (inclusive, que já eram comuns antes de 1937, como a presença do presidente da República em alguns jogos, adicionada ao Sul Americano de 1919), o futebol não teria nenhum peso na vida cotidiana dos brasileiros, se resumindo a um esporte de clubes sem a ambição da profissionalização, circunscritos a seus guetos (a exemplo do que foi Paulistano em São Paulo).
Vamos recordar que a estrutura para a prática era a cara no período, com materiais importados, a começar pela bola. Além de se equipar para os jogos, o Flu ainda incentivou a prática em diversos clubes, ampliando o alcance além das Laranjeiras (em 1910, o subúrbio já chutava suas primeiras circunferências adaptadas, de meias enroladas, até boinas velhas costuradas). Em suma, de forma indireta e direta, o Flu se responsabilizou pelo desenvolvimento do futebol no Brasil seja no espectro do modo de vida do brasileiro, seja no âmbito da institucionalidade, depois intervindo na propaganda.

Conclusivamente, “se” o Fluminense não existisse, o futebol no Brasil não seria uma paixão nacional, podendo até se desenvolver isoladamente em um Estado ou outro, mas estaria longe de nossas prioridades. Possivelmente, esportes individuais como o Baseball teriam mais popularização, devido a facilidade da prática em terrenos de areia e ferramentas “adaptáveis” como pedaços de galho para “tacos”.

Logicamente, estou apenas mencionando o futebol, lembremos das outras modalidades esportivas onde o Flu foi pioneiro, mas isso, deixemos para outro debate.

O famoso campinho da Rua Guanabara, objeto de curiosidade dos populares em dias de jogos, onde se amontavam nos morros do entorno para assistir as partidas

Equipe Americana de baseball: um esporte popular no início do XX e que era praticado em operários de algumas empresas de serviços urbanos no Brasil como a Light. Com a vinda dos japoneses se fortaleceu ainda mais e tem força no interior de São Paulo