O disco voador do Maracanã (por Paulo-Roberto Andel)

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Futebol era barato. E divertido. Por volta de trinta e cinco anos atrás, os jogos não passavam ao vivo na televisão, salvo raríssimas exceções. Às vezes, um time estava sendo campeão e colocavam os dois ou três minutos finais. Você via os gols do Fantástico, que transmitia – mesmo – lances do Brasil inteiro, pelo menos dos Estados que possuíam no mínimo um time no Nacional – coisa de quase cem clubes, acredite. E ninguém falava de série B, claro. Também podia ver na TVE (hoje, TV Brasil) o videotape do jogo do Maracanã, que entrava no ar à meia-noite de domingo para segunda-feira.

Todo mundo da antiga comenta – com razão – que os clássicos eram lotados, festivos, o futebol era super outro – mesmo! -, mas é bom que se diga: também havia os jogos de pouco público, pouquíssimo mesmo, quase ninguém.

O Maracanã era um cinzeirão escuro caso você chegasse cedo para uma partida noturna e resolvesse dar uma bela deitada para descansar – não havia o exército de malditos estíuartes para decidir quem pode sentar, ficar de pé, coçar a cabeça ou soltar um empolgante pum. E olhe que eram tempos de ditadura braba. Em algum momento as luzes acendiam, olhava-se para cima e o cinzeirão virava um disco voador fantástico, lúdico. Então os garotos sacavam a bola dente de leite (ou dentão) e jogavam golzinho na geral – o duro era quando a bola caía no fosso grandão e alguém tinha que pular para buscá-la. As traves eram feitas com chinelos ou caixinhas de leite CCPL. Poucas coisas podiam fazer uma criança do meu tempo ser mais feliz do que o Maracanã. Uma pena que a minha própria infância esteja morta e enterrada. É que o tempo não para. Quando se fala em arenas, penso em touradas.

Alguns adversários eram barra pesada: sempre endureciam as partidas. Casos do Campo Grande, Americano, Goytacaz, Volta Redonda. O America então, carne de pescoço permanente. Bangu também.

Juro que nunca ouvi falar à época sobre o Brasileiro ser mais importante do que o Carioca, a Libertadores ser mais importante do que os dois – ninguém ligava para ela – e outras quinquilharias. O importante era estar com o Flu e ser feliz com a paisagem emocionante do futebol. Tudo era importante. Fluminense em campo e uma vontade de vencer. Talvez a camisa ainda estivesse impregnada pelo espírito de homens como Castilho e Telê, por exemplo, que não admitiam falta de compromisso nem para se tomar um gole d’água – ressaltando que o Flu era sempre grupo, equipe, conjunto. Time.

Corações a mil para cima ou para baixo, até chegarmos a este 2015 opaco. De lá para cá muita coisa mudou. O mundo inteiro, por sinal. Quanta gente boa – e ruim – se foi!

Queria demais ter ido a este jogo contra a Chapecoense. Não pelo resultado ruim, claro, nem pela atuação, nem pelo short azul. Mas num estádio vazio de um sábado à noite chuvoso, talvez tivesse sido possível ser criança novamente, espiando as luzes do disco voador. Tudo bem que trocaram o concreto da marquise pela lona, nem seria possível deitar porque o estíuarte não deixa. Jogar bola na geral é impossível. Voltar a ser criança e rever o meu velho Maracanã, assassinado pelos podres poderes. Ou olhar para o lado e conversar com o torcedor ao lado, reconhecendo nele um verdadeiro irmão de causa. O frio às vezes humaniza. Estar em pequeno número nos escombros gourmetizados do velho estádio, também. Tudo longe dessa maldita dor de coluna e no peito. Ah, sem esquecer a importância Scarpa, que é um jogador de antigamente – e pensar que estava rifado… Que 2016, ao contrário do atual, seja um ano de lucidez sob todos os aspectos: time, torcida, diretoria, político.

Todo mundo quer vencer. Alguns querem mais do que isso: viver e amar.

Ainda penso na velha geral, nas partidas disputadas nas Laranjeiras e em muita coisa que ficou para trás. Os tempos modernos e seus outros comportamentos, vivências e novas ordens: tem que ser assim, tem que ser assado, tem que torcer desse jeito, tem que idolatrar, tem que desprezar o que passou. Então vem à cabeça a poesia do nosso querido Gilberto Gil: “meu caminho pelo mundo eu mesmo traço/ a Bahia já me deu régua e compasso/ quem sabe de mim sou eu/ aquele abraço/ e pra você que me esqueceu/ aquele abraço”.

O mísero consolo: na televisão, o locutor do Maracanã lembrou – de bem longe – o inesquecível Victorio Gutemberg. SUDERRRRJ IN-FORMA! Se puderem abafar um pouco o som das caixas – e arranhá-lo também -, os velhinhos emocionados agradecem. No fim, somente o amor é capaz de construir a vida.

Ainda restam quatro jogos difíceis, que exigem total seriedade.

NOTA: aos desaparecidos de Mariana, bem como seus familiares, meu apreço e tristeza. O mundo é bonito; seus defeitos são apenas os estandartes dos homens.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: exulla

capa o fluminense que eu vivi lado b são paulo e brasilia

LANÇAMENTO O ESPIRITO DA COPA RJ

4 Comments

  1. Hola tricolores,
    Somente uma alma tricolor para desenhar imagens tão fortes em meio a um temporal desses, os digo de memória e de lugar na tabela. Valeu cara, vida longa.
    ST

  2. Há 35 anos você já frequentava o Maraca? Eu sempre achei que você tinha, no máximo, uns 40 anos. É que você me passa uma certa jovialidade quando o vejo em vídeo, fora o timbre de voz.

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