Desirée (por Paulo-Roberto Andel)

DESIREE E RODS

Nesta semana, recebemos no PANORAMA a presença do Desirée.

Quem frequenta as arquibancadas tricolores sabe muito bem do que falo.

É um de nossos torcedores mais apaixonados. Não se limita ao amor sentido: faz questão de demonstrá-lo à vista para quem quer que seja.

Enquanto alguns insistem na tese mofada do amor virtual, à distância, longe das cadeiras e bandeiras, recheado de impropérios nas redes sociais, ele faz o papel de escudo de carne e osso do Fluminense em todas as jornadas nos gramados.

Não começou ontem. Tem mais de meio século fazendo isso. Ou seja, faz a diferença.

Alguém pode parar para pensar agora e lembrar o que mais fez nos últimos cinquenta anos? Eu, por exemplo, nem nascido era. Cinquenta anos, uma vida. Começou a nos acompanhar nos tempos do bonde e nunca mais parou.

Bem antes do meu processo natal, Desirée encarnava o paradigma do torcedor tricolor nas arquibancadas: guerreiro, vibrante, apaixonado, boa-praça, simpático e muito mais, tudo com seu admirável traje que pode ser kitsch para alguns desatentos – ou intelectuais rasos -, mas na essência é apenas sinal de amor – nas unhas, nos dentes, nas roupas, no brinco. Encarna com dignidade a cada jogo os tempos da boa e velha geral do Maracanã, hoje falecida. Quem esteve por lá viveu e sabe o que tento comentar aqui.

Desirée senta praça na cavalaria ao lado de outros indomáveis como o Máscara e a Vovó Tricolor, todos eles nossos super-heróis que prestam tributo ao inesquecível Guilherme “Careca” e seu pó-de-arroz incomparável. Ah, sim: quem nunca conversou com ele, Desirée, desconhece por completo algumas de suas características inequívocas: a sagacidade, a inteligência, a articulação, a boa educação, o timing perfeito para tiradas e piadas.

Chove, faz sol, o time perde, o time ganha, lá estão Desirée, Máscara, Vovó, todos eles com suas indumentárias originais e um respeito ao Fluminense que alguns engravatados engomadinhos nunca hão de entender. E mais: o doloroso nisso é perceber que alguns torcem o nariz para nossos torcedores mais do que especiais, advindos de lugares afastados da Zona Sul: para aqueles, não existe Fluminense depois do túnel, uma sonora bobagem, uma manifestação de ignorância atroz. Já falei e volto a falar disso: nossa elite é a do comportamento, a da atitude, a da pluralidade, a da intelectualidade e não propriamente a econômica.

Tenho orgulho em andar nas ruas do Centro ou de outros bairros e ver vários transeuntes menos abonados com as nossas cores: a camisa, um boné, qualquer adereço. Um engraxate, um office-boy, um entregador. Nós estamos com o povo em vários lugares: não nos limitamos à orla do Rio, somos grandes demais para este espaço apenas.

Quando vejo Desirée nas arquibancadas ou arredores de algum estádio, penso naqueles tempos de jogos com cem mil pessoas, em festas, em cores, em alegria e principalmente num Fluminense democrático, de todos, distante de qualquer “New Order” (não a banda da qual sou fã, claro, mas sim a abominável de Hitler). Sim, temos fidalguia, luxo, classe, mas isso não pode soar como um limitador: não somos apenas um time de Golden Room, mas estamos nas quadras, nos espaços públicos, nas comunidades, nos trens suburbanos lotados – e cada uma dessas pessoas que compõem uma massa de milhões é importante. A história do Fluminense é linda demais para pertencer a um feudo, a um petit comitè, pequenos consórcios da pedra filosofal ou coisa que o valha.

De todas as nossas pessoas mais humildes, tranquilas e felizes que torcem pelo Fluminense em todo o Brasil, Desirée talvez seja o símbolo mais visível hoje em nossas arquibancadas.

Para alguns, isso incomoda e muito. Mas exclusivamente aos ignorantes, convém ressaltar.

Pessoas de bem, que têm boa formação intelectual e social, sabem da importância da nossa torcida estar em todos os lugares deste país – inclusive dentro do clube, graças à revolução silenciosa tocada pelo Presidente Peter em Álvaro Chaves, vide o programa Sócio-Futebol. Aliás, minha independência é sempre manifestada nesta casa que ajudei a construir: hoje, é claro e absoluto meu total apoio à reeleição de Peter Siemsen, o que já tive oportunidade de lhe dizer pessoalmente no começo de 2013. Então, minhas palavras em tributo ao querido Desirée por aqui nada têm a ver com a seara política do clube. Mas é apenas uma observação: quem me acompanha sabe do meu estilo de dizer as coisas, tudo muito longe de oportunismos e barganhas. Há quem ridicularize uma eventual candidatura de Desirée à presidência do clube por “não ter o perfil tricolor”. Nada pode soar mais ridículo, ignaro e ausente das realidades democráticas. Por outro lado, Desirée já é um verdadeiro presidente das arquibancadas desde que o Brasil nem tinha um título mundial sequer.

Um dia, no horizonte, o Fluminense será completamente livre de preconceitos e vaidades. E será definitivamente de todos os seus torcedores, pretos e brancos, ricos e pobres, nas grandes coberturas e nas favelas, nas grandes corporações e nas vilas operárias, em todos os lugares. Os primeiros passos já foram dados desde 2012. Estarei muito vivo para testemunhar e escrever a respeito.

Não perco por esperar: vamos comemorar o centenário do Desirée a seu lado nas arquibancadas. A ele, deixo um abraço de um admirador amigo, um correto irmão, um fã incondicional.

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

7 Comments

  1. Grande P R Andel,
    Mais uma vez, você conseguiu expressar o sentimento de vários torcedores anônimos, como eu, com palavras simples e apaixonadas, como o nosso Desiree . Por várias vezes senti vontade de fazer a mesma coisa que estes torcedores alucinados pelo nosso tricolor. Porém, sem a audácia, criatividade e porque não dizer cara-de-pau deles. O máximo que consigo é vestir minha camisa do Flu e da Fiel Tricolor e cantar o tempo inteiro e balançar nossas bandeiras em todos os estádios
    Abraços cordiais

  2. Assisti ao jogo do Flu contra o Caracas ao lado do Desrirée e o Máscara.São torcedores maravilhosos que não perdem um lance do jogo e são admirados por todos que os rodeiam.Creio que o Presidente da arquibancada seja ele mesmo.Herdou o cargo deixado vago pelo Careca!

    Grande texto Paulo!

    Poucos conseguem entender que não há politica em suas palavras!

  3. Acho essas PESSOAS, tipo Desrirée, exemplos de como enxergar a vida sob outro prisma. É parar, olhar e analisar o que faz uma paixão…
    Não concordo que somos apenas elite… amo ver guardador/lavador de carro vestindo a camisa do FLU. Já presentei im que lava carro no anexo do MF aqui em Brasília e ficou uma amizade. Um dos porteiros noturno do meu prédio, é TRICOLOR, reside em uma cidade satélite, longe do plano, também o presentei-o com camisa e bandeira do FLU.
    Como sempre mais um bom texto.
    ST!

  4. Prezado Andel,

    Revolução silenciosa tocada pelo presidente Peter?????
    Menos, por favor!
    Não se tocam revoluções, silenciosas ou barulhentas, com reacionários ao lado. Apenas golpes!
    Os poetas que conheci e estudei sempre me afirmaram isso. E eu adoro os poetas.

    Há quem ridicularize uma eventual candidatura de Desirée à presidência do clube????
    É lógico, existem muitos “caretas, reacionários e conservadores” entre os tricolores.

    Mas o Desirée só será candidato quando reunir “200 NOMES EM UMA CHAPA”. Depois que ele conseguir isso podemos tranquilamente considerá-lo candidato com todo respeito que ele merece, sempre mereceu e sempre merecerá.

    Mas ao invés do Desirée ficar falando que é candidato, que é o seu grande sonho, blá,blá,blá… ele deveria apresentar um programa do que será a sua futura gestão, caso seja eleito. E como fará para implementar seus projetos. Ele deve também declarar quem são os seus proeminentes apoiadores no clube. Ficar dizendo que tem apoiadores influentes no clube e não dizer quem é não adianta nada. Isso não ilude ninguém. Só mesmo quem quer ser iludido. Desirée deve apontar “JÁ”, na sua avaliação quais os pontos fracos da atual gestão. No Fluminense ainda existe vida inteligente. Por mais que muitos tentem insistir que não.

    No entanto, o Desirée teve seu nome envolvido numa lista com 64 questionamentos.
    E os questionamentos existentes na lista são compartilhados por integrantes de seu ex-grupo político, o “IDEAL TRICOLOR”. Isso deve ser levado em consideração. Afinal, o Desirée tornou-se Conselheiro do Fluminense através deste grupo político. Não foi nenhuma “cegonha divina” que trouxe o Desirée para o Conselho Deliberativo do Fluminense. Existiu uma articulação política pra ele estar lá. Por isso, ele não é apenas um “torcedor folclórico” como pensam alguns. E se não tem problema algum nos questionamentos, ele poderia explicar a situação. É simples.

    E pra terminar e descontrair…

    Quando foi realizada a eleição pra presidente das arquibancadas????
    Era eleição pelo voto direto ou indireto????
    Só votava quem era “amigo do presidente????”
    É que não me recordo desta realização…

    Um abraço fraterno e saudações tricolores,

    EDUARDO COELHO

    1. Andel:

      Caro Eduardo, todo respeito ao teu excelente trabalho em prol da defesa do Fluminense em diversas searas. Você sabe disso.

      Permita-me discordar de você.

      Sou do tempo em que eu não podia entrar no Fluminense porque eu era pobre e meus amigos negros eram olhados de cima a baixo.

      Tempos em que jogadores entravam pela porta dos fundos.

      Como historiador qualificado, você sabe que vinte ou trinta anos não são nada em tempo de era.

      Hoje, ainda pobre, eu adquiri o direito de entrar no clube e, dentro de algum tempo, de votar nos destinos dele.

      Milhares de torcedores podem fazê-lo. Basta querer. Ter vontade.. Levantar a bunda da cadeira e se organizar. Vence quem tiver alianças, teses, carisma, vários fatores.

      No meio de uma aristocracia esnobe, isso é sim uma revolução. Silenciosa, pois há muito a fazer e ninguém é perfeito. Mas uma realidade inimaginável anos atrás.

      Assim como você defende veementemente suas teses, todas respeitáveis, eu também as faço.

      Não me alinho às searas políticas do clube. Não me interesso por bastidores e eventuais baixarias, que infelizmente sei serem verdadeiras mas não disponho dos meios devidos (ainda) para combatê-las. Todo lugar tem problemas e o Fluminense não é diferente de forma alguma. Agora, perto do que era, eu só não enxergaria melhora de alguma forma se fosse cego – e sou apenas (muito) míope.

      Entenda este texto como a manifestação de um escritor, não um panfleto.

      Abraço de sempre.

      Espero você no dia 20.

  5. Belíssima homenagem Andel, ao grande Desirée!
    Esse trecho sintetiza tudo: (…”ele faz o papel de escudo de carne e osso do Fluminense..).”
    ST!

  6. Desirée é uma figura ímpar, sensacional e divertidissima.

    Sobre sermos time de riquinhos sugiro pegarem o trem do ramal Saracuruna e quando passarem pela Estação Manguinhos verão um bandeirão do Flu na entrada da favela.

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