O garoto que acertava lançamentos de quarenta metros nas preliminares do Maracanã foi convocado para o time principal.
Não era uma época fácil. Em 1979 o Fluminense tinha completado três anos sem títulos – à época, quase uma aberração em se tratando das Laranjeiras.
Na cabeça da área, Deley obrigou o vigoroso e experiente Givanildo a voltar para sua Pernambuco. Caso contrário, ficaria no banco. Giva não tinha nem como disputar a quarta-zaga: lá estava Edinho. Por favor, não confundam o comentarista com o monstro da defesa.
E falando em monstros, Deley era um deles: passes de sinuca no carpete do Maracanã; elipses que desafiavam definições. Ao lado de garotos como ele mesmo, ganhou o título de 1980 batendo o poderoso Vasco de Paulo Cezar Caju, Pintinho e Roberto Dinamite na final. O tal Flamengo de todos os tempos já tinha ficado para trás com o gol de Anapolina.
Depois, anos difíceis: trapalhadas de dirigentes (nenhuma novidade), o clube falido, greve da torcida, caixão na geral. Ainda houve tempo de jogar três meses ao lado de outra fera: Afonsinho. E Deley trocou de posição: passou a jogar mais adiantado. Quando Afonsinho encerrou a carreira, logo o Flu conseguiu um volante gaúcho, de pegada e marcação, chamado Jandir. Começaram a entender no que ia dar?
Um ano depois, aqueles dois negros altos, elegantes e esguios chegaram na área. Outro garoto gaúcho na lateral esquerda. O goleiro já era uma realidade. Um menino alto na zaga. Num estalar de dedos, uma Taça Guanabara brilhante, a final do campeonato e, quando tudo estava perdido, aparece o Deley, faz um lançamento e a jogada entra para a história: Assis 1983.
Foi o cérebro daquele time que ganhou tudo naqueles anos incríveis. O Fluminense era o senhor do Maracanã. Deley estava para a intermediária assim como John Coltrane estava para o quinteto de Miles Davis em 1959, no espetacular “Kind of Blue”: o criador, o libertário, avant-garde, a reserva técnica de genialidade. Em muitas vezes lembrou a perfeição de Gérson, o Canhotinha de Ouro. Depois de Deley, só em Deco a torcida pôde ver algo parecido. Djair também, desculpe.
Articulado, politizado, contestador, parecia óbvio que o craque seguiria o caminho parlamentar. Foi o que aconteceu. Outro dia, foi candidato à presidência do Fluminense. Não se elegeu, mas experimentou um dos momentos culminantes de sua vida: que ex-jogador candidato em outro clube do Brasil – e do mundo – saiu carregado nos ombros pela sua torcida, independentemente de resultados, correligionários ou adversários de campanha? Nenhum.
Em campo, Deley foi um pouco de tudo: gênio, craque, líder, pensador, estafeta das vitórias. Deveria ter sido titular por 15 anos seguidos do clube. A miopia de ocasião não permitiu, mas isso não o tornou menos gigante na história do que é. Muitos garotos sonharam com seus passes, viradas de jogo, lançamentos perfeitos até a estratosfera.
Eu fui um deles e, ainda que atrasado, celebro o aniversário de um sujeito que, com puro talento, ajudou a construção de alguns dos melhores dias da minha juventude. Todo mundo o queria nos times de botão, totó, Atari e qualquer outro meio onde as crianças pudessem sonhar com a destreza de seu ídolo.
Assistimos juntos a final da Copa do Brasil de 2007 na Churrascaria Estrela do Sul na praia de Botafogo. Um a zero dramático para nós, o craque tenso encostado numa pilastra e acompanhando um lance perdido no telão. Gritei “Passa a bola pro Deley”; ele sorriu e acenou. Meia hora depois, conquistávamos um título brasileiro esperado desde 1984. O grito deu sorte: botou Deley em campo. Mesmo que na imaginação, já era meio campeonato conquistado.
Com razão, os mais jovens aplaudiram talentos como os do espanhol Xavi e do italiano Pirlo. Eu também os aplaudi, mas não tenho dúvidas: Deley jogou mais.
Parabéns, craque.
Panorama Tricolor
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