De te fabula narratur (por João Leonardo Medeiros)

Botafogo - Fluminense - VascoDe te fabula narratur.

A fábula refere-se a ti. Quando observo com atenção a desdita recorrente de nossos rivais no cenário nacional, não consigo deixar de pensar nesta máxima das Sátiras de Horácio que Marx cita logo no prefácio de “O capital”. Penso na frase e recolho o riso. Penso na frase e sinto temor pelo futuro.

Não riam da tragédia que acomete o Vasco e o Botafogo, meus queridos. O primeiro está já na segundona e com uma imensa dificuldade para garantir-se no tal G4. O segundo só não cairá este ano por um milagre improvável. Tem muito tricolor rindo, zombando os dois rivais. Tem muita gente interpretando o fenômeno como eventual, provocado por um misto de administração desastrosa e/ou equívoco técnico, equívoco do técnico.

De fato, as administrações Dinamite e Assunção, principalmente a última, são desastrosas. De fato, Adilson Batista foi e Vágner Mancini não é um técnico à altura de Vasco e Botafogo, respectivamente. De fato, o elenco dos dois é de envergonhar qualquer torcedor dos dois clubes e mesmo de adversários de bom gosto, que preferem ver confrontos entre grandes times e não entre pernas de pau lado a lado. Mas é de uma miopia, na minha singela opinião, atribuir o fenômeno a tais percalços eventuais. Há um fator de fundo, um vilão e ele veste vermelho e preto.

De te fabula narratur.

Fala deles como fala da gente, do Palmeiras, do Galo Mineiro, do Grêmio, do Santos e do Bahia, entre muitos outros. Se fala também do São Paulo, do Inter e do Cruzeiro, veremos. Mas o fato é que, no cenário nacional, há dois escolhidos pela dona do futebol brasileiro: são eles Flamengo e Corinthians. Dos dois, um tem uma dívida concreta (literalmente) avalizada pela Caixa Econômica. Enterrou 1,2 bilhão num estádio e talvez pague parte disso (duvido que venha a pagar tudo). O outro está limpinho, embora endividado até o pescoço, dragando uma fortuna do banco estatal, outro tanto de isenção de impostos, usufruindo terrenos públicos há décadas e contando com uma benção sob a forma de direitos de televisionamento.

Sobra um eleito, de fato, e este é o Flamengo, meus queridos. Está claro isso, por exemplo, na diferença de aproximadamente 60 milhões de direitos de transmissão que a Rede Globo abrirá a favor deles na comparação com a gente. Ficou claro no episódio do ano passado, em que a patetada da diretoria do Flamengo obrigou a Flapress a dar as caras nitidamente. Ficou claro no tratamento diferenciado recebido da Procuradoria da República. Fica claro na arbitragem, no Estadual roubado-é-mais-gostoso, nos “sorteios” da Copa do Brasil que sempre dão o mesmo resultado, na forma como os narradores descrevem criativamente seus jogos, seus feitos, existam ou não. Fica claro no “mundial” de basquete formado a partir de um campeonato que não tem esse nome nem esse propósito ou abrangência.

A derrota do Vasco no Estadual arrasou o time pelo ano inteiro. Quem duvida? É menos grana, menos confiança, menos tudo para a temporada toda. Indo mais longe, os tricampeonatos do Flamengo sobre o Botafogo e sobre o Vasco minaram a competitividade do certame estadual. Muitos destes campeonatos foram decididos em lances polêmicos, para dizer o mínimo. Recentemente, o representante do Flamengo na Federação de Futebol do Rio confessou que Federação beneficia o Flamengo, rouba para o Flamengo. A imprensa abafou.

Para nosso azar, o Flamengo sabe que, atualmente, como sempre, a única ameaça ao seu projeto megalomaníaco é o papai aqui, somos nós. Eles sabem que a administração do Peter, por mais equivocada que tenha sido em muitos aspectos, não piorou as contas do clube; ao contrário. Sabe que a gente estava na situação do Botafogo há uns 8 anos e que agora estamos próximos do que é o Palmeiras ou mesmo o Vasco em termos de dinheiro. Sabe que a gente não amarela, não se deixa roubar facilmente, não leva virada de mesa na mão grande. Sabe que nossa torcida reage, nosso clube se une quando o bicho pega de fato.

Meus amigos, o Vasco está mal e o Botafogo, pelo que tudo indica, vai sofrer uma década de crise (pelo menos) com consequências imprevisíveis. Isso não nos fortalece é o que quero enfim dizer. A desdita destes rivais, dos dois, é a nossa desdita. Eles, como nós, não têm duas colunas fixas no principal jornal de circulação do Rio (Calazans e RMP, em O Globo), não tem um jornal inteiro a favor (O Lance), não tem tanta força na Rede Globo, na CBF, no governo. Eles estão sofrendo agora, como nós sofremos antes. Nada impede que mudemos de novo de posição com eles.

Agora, digamos a verdade com todas as letras. Dos três, o único que jamais propôs qualquer pacto com o diabo, tático ou de longo prazo, fomos nós. O Vasco polarizou a disputa com o Flamengo na década de 1990 com o nítido propósito de arrasar a gente e, em menor escala, o Botafogo. O Botafogo, por sua vez, sempre roeu a corda todas as vezes que Vasco e Fluminense tentaram uma coalizão. Também roeu a corda quando se tentou construir a reação em plano nacional e no próprio acordo com a Globo que detonou o Clube dos 13. Nós não nos iludimos e por isso somos ferozmente atacados sempre que possível.

O ano de 2014 já acabou. Não vamos cair, não vamos ganhar nada. Isso todo mundo já mais ou menos sabe. Também já se sabe que estamos construindo 2015 agora, ao menos em termos de elenco. Espero que haja gente alerta no clube para a necessidade de lançar um movimento de contra-ataque à guerra que o presidente do Flamengo declarou contra a gente no final do ano passado. Eles são poderosos, mas não são invencíveis, nem fora e nem dentro de campo. Que tal partir para cima deles, para variar a história recente?

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: clubefanaticos.com

 

2 Comments

  1. Excelente texto, retratando a verdade sobre o futebol carioca. Sempre falo aos meus amigos tricolores sobre o que você escreveu, só com um adendo: O Fluminense é que tem que ser, no mínimo, o adversário maior do protagonista, coisa que deixamos de ser no carioca. Ninguém deve se iludir, pois com a espanholização em vias de acontecer, se não nos fortalecermos como clube, com milhares de associados, não iremos passar de meros coadjuvantes, tipo Sevilha na Espanha. ST

    1. Obrigado, Fernando. Concordo contigo, claro. Mas o diabo é convencer o povo a se associar. Está difícil, não?

      ST,
      João Leonardo

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