Corneteiros de plantão: calai-vos (por João Leonardo Medeiros)

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Fiquei bem quietinho na arquibancada no Domingo. Estava, em parte, tentando me concentrar no jogo, com o propósito de perceber as nuances do nosso time em formação, e, em parte, tentando apreciar um pouco da gratificante visão de ver lado a lado Young e Bravo. Foi bonita a coluna tricolor do centro da arquibancada, da qual emanou a trilha sonora e a emoção do jogo.

Quinze minutos após o apito inicial, clamava por uma redoma de vidro (preferencialmente refrigerada). Desde que li, há séculos, O alienista, de Machado, sei o que significa exatamente as situações nas quais julgamos que todos, exceto nós mesmos, enlouqueceram. Em geral, como se sabe, tais situações são sintomas de que a camisa-de-força está logo ali, aguardando por nós. Agora, há de haver exceções, não é possível que não haja, e cri estar vivendo uma na arquibancada domingo.

Vai reclamar do time lá na casa do cacete, galera. Todo mundo sabe que o Flu passa uma transição complicada. Todo mundo sabe que a gente contratou uma série de jovens de pouca expressão, com muita vontade de vencer no futebol, mas ainda carentes de um currículo que dê segurança em campo e fora dele. Todo mundo sabe que estamos, aos poucos, aprendendo a subir promessas e colocá-las para jogar, a lidar com as assim-chamadas joias pré-lapidadas em Xerém. Todo mundo sabe que nosso técnico não é um grande gênio da estratégia, mas talvez o melhor que nosso dinheiro atual pode contratar.

Mas o povo parecia não querer saber de nada. Giovani errou um passe. Trinta gritos furiosos: “Esse m. não serve para nada”, “Precisamos de um lateral urgente”, “O Flu assim vai cair”. Marlone chutou e passou perto: “Bota os óculos no ruço”, “Isso aí só podia ter vindo do Vasco”, “O Flu assim vai cair”. O zagueiro Victor deu uma botinada: “Por isso o Corinthians mandou embora”, “Isso que dá ter zagueiro metido a intelectual”, “O Flu assim vai cair”. Fred fez o gol: “Agora só volta no final do ano”, “Com o salário que ele ganha, tem de fazer mais uns 80”, “O Flu assim vai cair, mas vai ter o artilheiro”. Robert errou uma jogada: “Esse mascarado não dá”, “Isso aí é igual ao Lenny”, “O Flu assim vai cair”.

Sem brincadeira, há muito tempo não ouvia tanta reclamação gratuita, injustificada, tanta impaciência. Eu sei que o time não jogou muito bem, mas a gente ganhou, a galera cantou feliz, os 15 mil e poucos que preencheram o pequeno trecho da arquibancada aberto ao público fizeram bonito no coletivo. Parece-me, no caso, que de duas, uma aconteceu: ou dei azar e sentei do lado de uma penca de corneteiros, ou muitos torcedores do Flu foram tomados de uma “reclamatite” aguda.

De minha parte, estou muito feliz com os novos ares do clube. Já deve ter mais ou menos um mês que não ouvimos mais falar da interferência da patrocinadora no time, nos rumos do clube etc. Há ainda um ruído externo, cada vez mais distante. Parece ser o caso, ademais, que não contratamos nenhum jogador bizarro, do nível Anderson ou Elivélton (desculpa aí quem aprecia). Também me parece claro que o futebol do Fluminense tem um rumo e um comando. O rumo é a revelação e a valorização de novas promessas, que seriam lançadas num time com uma espinha dorsal de jogadores experimentados. O comando é do clube, exclusivo dele, como sempre deveria ter sido.

Trocando em miúdos, falta muito pouco para escancararmos de vez as portas da esperança. Basicamente, falta acertar aquela coisa lá da grana com a tal da Procuradoria e liberar o fluxo de caixa. Creio que isso nos permitirá tirar o tão sonhado CT do papel e impedir os atrasos salariais que dão uma lombeira imediata nos atletas. Falta também acertar o sócio-torcedor. Mais importante ainda, falta uma taça para marcar a virada e atrair outras (porque taça é igual dinheiro – quem mais tem, mais atrai).

Eu estou vendo assim. E por ver assim, não creio que seja a hora da queixa. A hora é de apoio ostensivo, não de queixa raivosa. Tivemos momentos recentes em que o rugir furioso do descontentamento se fez necessário. Rugimos alto e por um bom tempo. Mas agora, por favor, troquemos o som, mudemos a atitude. Por favor, corneteiros de plantão, façam uma sauna, uma ioga, tomem um calmante, mas não sentem na arquibancada com o propósito exclusivo de reclamar do time. Não agora. Guardem para quando for necessário (e será um dia, considerando o tempo eterno de nosso clube).

#SejaSocioDoFlu

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: www.tecmundo.com.br

2014 copa

10 Comments

  1. Obrigado Jorge. É isso aí: vamos dar tempo aos caras.

    ST,
    João

  2. Boa tarde,João!
    Texto preciso e reflete muito o que ouvimos de alguns tricolores.Temos que ter um pouco de paciência e ver se esse time dá liga.Acho que pode dar ,mesclando o time com os jogadores que ficaram,com o garotos de xerem e alguns contratatos.Com clube ,torcida e jogadores unidos, podemos surpreender.
    O mais importante que o clube é o dono do futebol e com ajustes e transparencia chegaremos lá.Já vi muitas vezes crise no nosso Fluminense e demos a volta por cima.Por isso,somos…

    1. Obrigado pelo acréscimo, Fernando. Ainda bem que nunca fiquei lá!

      ST,
      João

  3. João, 3 décadas de incompetência e descaso com o clube, sem perspectiva de melhora imediata, fazendo-o perder muito terreno dentro do futebol brasileiro e internacional dão nisso aí. Se não forem aqueles bancados pelo “seu dotô” ou por outros da quadrilha, tem todo o direito de ter esse tipo de atitude. Time grande é cobrança. Quem não quiser ser cobrado, que vá jogar tênis…

    O Fluminense precisa mudar para ontem…

    O CT não sai nessa gestão. Pode esquecer. Mais um factóide da…

    1. Grande Fábio,

      é claro que a torcida tem o direito de vaiar, protestar, xingar, sempre no limite da civilidade. Mas não é de vaias ou protestos coletivos que falo. Falo da turma que senta na arquibancada e se comporta como um reclamão de plantão, parecendo um daqueles sujeitos com mal humor crônico. Nosso time vem renovado, não? Vamos ver onde ele chega.

      ST,
      João

  4. Bom dia João. Onde assino. Concordo plenamente com tudo o que vc escreveu. Parabéns. Acontece que no meio da torcida existem caras bancados pelo Celsão, vide a faixa ridícula que estão colocando nos jogos, pedindo a saída do Peter. São os comprados travestidos de torcedores.

    1. José Roberto, meu amigo,

      pior que não são só esses. Há uma espécie de cultura da reclamação, que pode até ser catalizada por profissionais, mas que indubitavelmente está no coração de muitos tricolores de boa cepa.

      ST,
      João

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