Chorando ou sorrindo (por João Leonardo Medeiros)

João Leonardo

Quem acompanha as mídias tricolores e as discussões entre torcedores já percebeu que nosso querido Fluminense é atualmente um campo de batalha político entre uma situação absolutamente enfeitiçada com o poder, mas incapaz de entregar o que promete, e uma oposição fragmentada, desunida. Não temos mais um Fluminense com várias opiniões, mas vários pseudo-Fluminenses, cada um autoproclamado representante único da grandeza histórica do clube centenário.

Isso é o que está na superfície, ao menos. Trata-se, para usar uma metáfora horrível, mas pertinente, do lixo flutuante sobre a imundíssima Baía de Guanabara, aquela que parece uma boca banguela. Um mergulho em suas águas profundas é, no entanto, experiência pouco indicada para aqueles que buscam na relação com o Fluminense as emoções tipicamente propiciadas pelo esporte e pela arte.

Quem realmente acha que essa brigalhada toda, absolutamente sem sentido, vai construir algo realmente belo, deveria forçar a memória. Pense no Fluminense e registre as primeiras imagens que pipocam na imaginação. Eu particularmente me lembro, de imediato, do primeiríssimo jogo que assisti, no Caio Martins, em 1979, jogo esse em que o Fluminense aplicou uma goleada de 8 a 1 no São Cristóvão. Lembro menos do jogo em si que do preparativo para ele, no qual eu e meus irmãos fomos vestidos da cabeça aos pés de tricolor, ou dos biscoitos, das bandeiras, da festa, da alegria com a vitória maiúscula.

Lembro-me daquele jogo sensacional contra o Arsenal na estreia da Libertadores de 2008: 6 a 0. Nossa seleção foi mágica aquela noite, teve uma das melhores atuações da história recente do clube e humilhou o então campeão da Copa Sulamericana. O golaço de Dodô coroou a atuação sublime, perfeita, de um dos esquadrões mais injustiçados pela história da bola. Se houvesse certo no futebol, o Fluminense teria repetido o placar na final histórica do Maracanã.

Nos meus ouvidos, soam os gritos do meu pai e do meu irmão mais velho no gol de Edinho, em 1980. Estávamos numa casa na Tijuca, se não me engano, casa de flamenguistas, e nós espremidos ouvindo o Fluminense x Vasco derradeiro pelo radinho. Eu, criança de sete anos, estava evidentemente disperso, mas lembro perfeitamente da gritaria dos poucos tricolores, puxada pela minha família, quando o petardo de Edinho se transformou no grito do grande narrador Jorge Curi.

Num microssegundo, estou na arquibancada de 1995, recordando do plano para fugir das dívidas empenhadas em caixas de cerveja. No início do campeonato, contra todos os prognósticos, havia apostado nada menos do que oito caixas, com amigos diversos, que o Fluminense roubaria o estadual do Flamengo no ano do seu centenário. Não tinha grana para pagar a dívida e estava bolando uma estratégia de desaparecimento por uns tempos quando Ronald rolou a bola para Aílton. O desenrolar da jogada até a barriga de Renato todo mundo conhece. Passei alguns meses tomando cerveja com pena de pato, uma iguaria ímpar.

Em 1984, bem menino ainda, presenciei, na saída do ônibus da Young em Icaraí, rapazotes enlouquecidos sacar, sabe-se lá de onde, um galão de tinta e um rolinho para pintar “FLU” em letras garrafais no asfalto da Praia. A traquinagem juvenil foi sensacional, mas mais ainda foi ver o Fluminense segurar o empate contra um grande Vasco. Nosso time era imbatível aquele ano e até hoje é, na minha imaginação, a representação da equipe perfeita, do goleiro ao ponta esquerda, de lá para o técnico e até ao presidente do clube. Tinha e tenho diversos daqueles jogadores como ídolos e jamais esquecerei da alegria de vê-los conquistar o dificílimo título brasileiro daquele 1984.

Lembro de Magrão, lembro de Washington coração de leão, lembro de Ézio, lembro de Conca, lembro de Rubens Galaxe no fim de carreira, lembro dos Thiagos, Créu e Monstro, lembro de Edinho, lembro de Cláudio Adão, lembro de Renato, de Assis, de Romerito, de Ricardo, do Negão eterno, lembro de muitos craques, perebas, ídolos, micos, lembro de muita coisa relacionada ao Fluminense. Mas não consigo lembrar de uma única rivalidade da política do clube que tenha produzido alguma coisa realmente produtiva.

Nada dessa briga por grana e poder jamais fez bem à nossa história. O Fluminense se fez e se faz dentro de campo, com vitórias e derrotas épicas, com arquibancadas cheias, com pó de arroz e festa, com sangue, suor e muitas lágrimas. O Fluminense dos almofadinhas, dos gabinetes, das maracutaias é falso como ouro de tolo. Pode ser vendido como ouro, mas não engana ninguém.

A verdade é que, enquanto os almofadinhas se engalfinham para disputar o pote de ouro, a emoção do campo se torna homeopática. Tivemos um momento bem autêntico no ano passado, quando Fred baleado liderou um time mambembe numa semifinal de Copa do Brasil. Fomos eliminados pela arbitragem, mas ali importou menos o resultado do que a luta, a história, a defesa da própria honra. O Fluminense emocionou o Brasil naquele fim de jogo contra o Palmeiras, como fizera outras tantas vezes em sua linda história. Não precisamos de disputas entre almofadinhas nas Laranjeiras, precisamos de emoções como aquela. Chorando ou sorrindo, é de emoção que nós vivemos.

Panorama Tricolor

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Imagem: jole